terça-feira, 13 de maio de 2014

Venha acelerar com a gente!

Cascavel em Alta Velocidade: 

50 Anos de Automobilismo

Centenas de imagens e muitas histórias vibrantes
Leia, abaixo, a introdução do livro

Introdução

Carros, mecânicos e ases

Os 50 anos do automobilismo em Cascavel

No princípio era o motor, que veio substituir a tração animal. O Four-stroke do engenheiro Nikolaus Otto e seu colaborador Gottlieb Daimler, em 1885, saltou das motocicletas para o primeiro automóvel, construído por Karl Benz. Outros construtores viriam e, com eles, a busca por um melhor desempenho. Esta necessidade é a mãe da invenção das provas para atestar quais modelos seriam mais rápidos e seguros.
O obelisco da Praça Getúlio Vargas, em Cascavel, está relacionado com a história do automobilismo porque foi ali que Jeca Silvério estacionou pela primeira vez seu automóvel Ford Bigode[1], iniciando a presença dos motores na vida cascavelense, em 28 de março de 1930.
A Ford foi a primeira indústria automobilística a se instalar no Brasil (1919). A II Guerra Mundial se encarregou de forjar uma indústria nacional de autopeças, gerando a tradição de mecânicos vivazes, com soluções criativas para a substituição de componentes. E Getúlio Vargas, já convertido à democracia, em 1952, foi quem disciplinou o desenvolvimento do setor ao determinar que os veículos estrangeiros “só poderiam entrar no Brasil totalmente desmontados, e sem componentes que já fossem fabricados por aqui”.
Não sem motivo, na primeira prova automobilística de Cascavel o pioneiro Jeca Silvério recebeu uma emocionante homenagem, levado pelos rapazes para um passeio pela pista da prova em carro aberto. Carros antigos, praticamente reconstruídos pelos mecânicos, desfilaram antes dessa prova – o passado abrindo caminho ao presente.
A professora Ottilia Schimmelpfeng passeou num desses carros pioneiros em Cascavel com seu pai, o prefeito iguaçuense Jorge Schimmelpfeng, em 1922. Ainda não era a vila de Cascavel, que só começaria a ser formada em 1930 no local em que seria erguido o obelisco.
Ali era um trecho da Estrada Estratégica, que o coronel Schimmelpfeng acabara de construir. Ao acampar junto ao Rio Cascavel, Ottilia se assustou com a macacada que fazia algazarra na mata fechada. Esse trecho da estrada passava ainda pelo chamado Cascavel Velho, na época uma propriedade rural. A cidade só viria a se formar na Encruzilhada dos Gomes, em 1930.
O colonizador Miguel Matte, homenageado com o nome de Matelândia, também transitou por ali com seu automóvel. Matte e Schimmelpfeng, até onde se tem registro, foram os primeiros a circular com automóvel por aqui. Jeca Silvério, assim registrado, foi o terceiro.
Como os primeiros automóveis trafegavam em ruas e estradas em precaríssimo estado, Cascavel tem uma bela tradição de mecânicos que faziam milagres para pôr em circulação os carros “bichados” que lhes traziam. Alguns mecânicos já foram homenageados, como Hermes Vessaro, que dá nome a uma rua e a uma escola, e Zilmar Antônio Beux, que dá nome ao autódromo que ele idealizou e construiu ao lado de amigos e sócios – hoje um dos mais importantes bens patrimoniais do povo de Cascavel.
Essa tradição começa com Estanislau Chervinski, o Estacho, “que evoluiu de uma ferraria do sogro Valentim Vichoski, instalada em frente ao atual Posto Shell, aí pelos anos 30 ou 40. Ele também possuía um pé-de-bode (Ford 1925) que também atendia a pequena população de Cascavel. Este improvisado táxi, em razão de suas características mecânicas (alto, aro 21, rodas estreitas) possibilitava a penetração nas estradas e picadas existentes. Eu tive oportunidade de viajar algumas vezes neste valente veículo. Essa oficina mecânica também abrigou o Tuiuti em muitas festas, antes da construção de sua primeira sede na Rua Paraná”[2].
Filho de poloneses, Estacho nasceu em São Mateus do Sul, de onde foi para Foz do Iguaçu trabalhar na construção da Estrada das Cataratas, a serviço do governo federal. Vindo para Cascavel no final da década de 1930, Estacho se casou com Edvirdes Vichoski, filha de família pioneira na região, e se estabeleceu como ferreiro e mecânico, além de abrir um armazém. Seu táxi pé-de-bode fazia a linha do Piquiri e é a origem da tradição da família no transporte escolar. Morreu em 4 de setembro de 1984[3].
“Na década de 40 vieram vários motoristas, uns para as serrarias do Lupion e outros com a TH Marinho, esta uma construtora da estratégica (atual BR-277). Estes motoristas e operadores de máquinas, faziam serviço de mecânica de seus caminhões e máquinas”[4].
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Até a paixão pelos motores tomar conta de Cascavel, o espírito esportivo dos cascavelenses se limitava ao futebol e às corridas de cavalos. “As carreiras envolviam muita gente. Eram políticos, empresários, fazendeiros. As carreiras eram feitas com dois animais, numa raia de mais ou menos uns 500 metros. (...) Meses antes das carreiras, os apostadores e preparadores já se instalavam no local e por lá ficavam jogando baralho, comendo churrasco e bebendo.”[5].
Exatamente 70 anos antes da primeira prova automobilística promovida em Cascavel, idealizada pelo jovem proprietário da revista Oeste, Luís Carlos Biazetto, e seu amigo José Marcos Mion, ambos estudantes em férias na época em que a ideia brotou, foi também uma revista que organizou a primeira competição motorizada de que se tem notícia.
Le Petit Journal promoveu em 1894 um teste automotivo de confiabilidade entre Paris e Rouen para verificar quais seriam as “carruagens sem cavalos” com melhor desempenho entre 69 competidores. Acelerando a quase 20 quilômetros por hora, quem chegou primeiro foi o conde Jules-Albert de Dion, desclassificado por usar um acessório proibido.
Assim, o vencedor proclamado foi Georges Lemaître, pilotando um carro Peugeot de 3 hp. Já a primeira prova estadunidense, promovida em Chicago no ano seguinte, contou com quatro carros a gasolina e dois elétricos. Venceu o primeiro carro construído com motor a gasolina, pilotado por seu inventor, Frank Duryea.
No Brasil, o automobilismo começa com uma importação: pelas mãos do inventor do avião, Alberto Santos-Dumont, chega em 1891 o primeiro automóvel a circular no País. Esse primeiro automóvel não chegou a ser usado para competições automobilísticas, é certo, mas ajudou Santos-Dumont na maior corrida de sua existência: ao montar seu 14-Bis, Santos-Dumont conseguiu largar na frente da disputa pela primazia de inventar o avião, em 1906.
A primeira prova automobilística oficial no Brasil aconteceu em 26 de julho de 1908, em São Paulo, diante de um surpreendente público de 10 mil pessoas no trajeto que ia do campo do Parque Antártica até o centro da cidade de Itapecerica da Serra, ida e volta, perfazendo 75 quilômetros. O vencedor foi o Conde Sylvio Álvares Penteado, a bordo de um Fiat.
Todos os carros eram importados da Europa ou Estados Unidos até 1931, quando Cássio Muniz construiu o primeiro carro de corrida do Brasil, com toda a mecânica nacional. Um carro nacional, mas nem tanto: o motor era o importado Chevrolet. O automobilismo brasileiro surge como a esperança de um Brasil independente e desenvolvido – acelerado rumo a um destino de riqueza e conquistas.
Cumprindo o ritual exigido pela Fédération International de l’Autimobile (FIA), acontece então o I Grande Prêmio Cidade do Rio de Janeiro no ano de 1933, no Circuito da Gávea. Até aquele momento os circuitos do Brasil eram organizados nas ruas das grandes capitais ou nas primeiras rodovias. Nesse evento, organizado pelo Automóvel Clube do Brasil (entidade que controlou o Automobilismo e inclusive as leis de trânsito no País), o vencedor foi o brasileiro Manuel de Teffé, pilotando um Alfa-Romeo.
Por essa época, a cidade de Cascavel estava engatinhando. Vinte anos depois dessa primeira prova no País, em 1953, o Município de Cascavel estreia politicamente nas pistas administrativas do Paraná, com a mesma vontade de acelerar rumo ao futuro. Dez anos mais se passam até que o Município dê seus primeiros passos, no automobilismo, depois de vencer o trauma de um terrível acidente, representado pelo incêndio que devorou sua Prefeitura, em 1960. É assim que, em 1963, como já havia acontecido com a primeira prova mundial, um grupo de rapazes ao redor de uma revista tramava o feito mais marcante de suas vidas.



[1] Ford Bigode – No Ford Modelo T, as duas alavancas, opostas, formavam a figura de um bigode. Quando o nome pegou, os modelos fabricados no Brasil passaram a mostrar, no ornamento do capô, a figura de um bigode.
[2] Alberto Rodrigues Pompeu, depoimento para este livro.
[3] Evin Chervinski, filho de Estacho.
[4] Alberto Rodrigues Pompeu.
[5] Alberto Rodrigues Pompeu, entrevista ao jornalista Jairo Eduardo Fabrício Lemos, Pitoco número 1000, 25 de outubro de 2005.
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