Cultura & Ciência: opinião


Gabiroba, fantasmas e fantasias reais 

Alceu A. Sperança*

Saiu o esperado livro Tempos de Gabiroba, de Luiz Carlos Schroeder, leitura que vai avançar a deliciosa experiência de Ewald, um alemão (ambos pela editora BesouroBox), seu livro anterior. Fantasias e realidades se misturam na imaginação, nos temores e surpresas ao transitar da infância para a juventude e no seguir em frente. 

A delícia de descascar uma gabiroba no verão para saborear sua polpa se estende às demais estações do ano quando o sentido é figurado e vai se explicitando no avanço da adolescência.

O sentido figurado independe da fruta presencial na busca pelo prazer de viver. Descascar gabiroba funciona como rito de passagem, aprendizado, experiências de desfrute saudável.

Como são tempos de tensões, desafios e expectativas, muito do que os jovens silenciam e se oculta atrás das festas, baladas e cliques enlouquecidos nas redes sociais não é despreocupação, irresponsabilidade, apatia ou desinteresse pela realidade que os cerca, mas formas de convivência, buscas e transições.

Crianças e jovens escondem coisas que nem sempre são reveladas, pois até grandes e minuciosas memórias são traídas pelo curso do tempo. Anos depois fica até difícil entender por que fez tal coisa ou tinha tal costume. A saída é racionalizar, atribuir a excentricidade a algum parente ou amigo.

 

Não somos os mesmos nem vivemos como nossos pais

Se é verdade geral que nos termos de Tales de Mileto ninguém entra duas vezes num rio, já que depois da primeira vez nem você nem o rio serão mais os mesmos, a conclusão do sábio grego pode ser igualmente aplicada na vida de cada um.

Para o cineasta Steven Spielberg, “todos nós somos uma pessoa diferente a cada ano”. Não continuamos a ser a mesma pessoa por toda a vida: a criança birrenta dá lugar a um menino quieto e estudioso que vira um adolescente rebelde, mas frente às necessidades da vida, por fim, chega a ser um adulto cumpridor de seus deveres.

Antes de nascer sequer existia e nunca foi o mesmo em cada etapa da vida. O namorado sarrista não será igual ao noivo anelado, nem este antecipa o marido barrigudo das bodas de cristal ou o viúvo mirrado e neurastênico depois das de ouro. Uma vida são muitas vidas.

Lendo Tempos de Gabiroba será impossível não identificar aqui e ali, apesar de as biografias serem sempre diferentes, momentos de perplexidade diante dos desafios da vida, angústias frente a divergências familiares, amigos que não se programam e vão acontecendo, sonhos fantásticos de amores frustrados, realidades imaginadas e vividas de formas diferentes.

Os pontos de contato entre biografias de quem escreve e quem lê podem ocorrer nos insights que repentinamente pulam na mente como coincidências incríveis, até nos fantasmas que aparecem, desaparecem ou influenciam a trajetória de cada um.

Há sentidos reais e não só fantasia ou imaginação no fantasma que enche a cabeça do moleque e depois desaparece num banhado. Um dia ele decidirá que sua obra estará completa, dela restando um ser humano adulto e desassombrado.

 

No que virou o fantasma de Marx

Um velho barbudo que sempre assombra nossas vidas falava sobre um espectro que apavorava os reis. “Um fantasma ronda a Europa”, dizia ele, hoje didaticamente explicado pelos franceses Ronan de Calan e Donatien Mary no livro O Fantasma de Karl Marx, a ser lido sem medo.

Aquele fantasma mudou tanto nestes 200 anos que hoje virou a sinuca de liberais assombrados pelos capitalismos chinês e russo e pelos EUA quebrados em dívidas (quem diria!) “socialistas”.

Menos mutável, o fantasma que acarinha um menino e o acompanha pela adolescência é tão cheio de conselhos, pressões e puxões de orelhas que inevitavelmente será entendido como uma presença genética e a bicicleta será a extensão dos pés ansiosos por ganhar distâncias.

Pessoas mentalmente sadias não relatam ouvir vozes em suas cabeças, mas existe em todos nós um streaming incessante que só não é fantasmagórico por ser vivo, real e presente. O diálogo interno jamais cessa, a não ser provisoriamente com truques momentâneos de atenção focada.

Disciplinar o fantasma que age em nossa mente em tempo integral e conflita com opções, escolhas, situações e realidades é uma das maiores dificuldades da vida. Mas nossos fantasmas pessoais também têm seu tempo e sempre irão para um banhado filosófico, existencial ou apenas como fecho de mais uma etapa da vida, que depois vai se desenvolver como novas escolhas e vozes.

Ler uma autobiografia, ainda que romanceada, repleta de metáforas e insinuações, é de certa forma revisar a própria história à medida que as coincidências vão aparecendo.

 

Onde fica a cidade de Cristo Rei?

Mesmo que não se conheçam fatos mais pessoais sobre o autor, sempre se entenderá que Cristo Rei é uma cidade do Oeste do Paraná com sua realidade de imigrantes, caboclos, gente muito trabalhadora às voltas com aventureiros de todos os tipos, comuns a qualquer região de fronteira. A Macondo de Schroeder.

As aventuras do narrador, a onipresença da morte e a pulsação incessante da vida se completam por uma explícita relação de livros que moldaram a consciência de uma geração (Germinal de Zola é uma espécie de exorcismo da inconsciência), partes à parte no livro Tempos de Gabiroba.

Mas há muito mais, ora insinuado, ora claro, à medida que a leitura transcorre. Como ler sempre causa influências, alguém vai adquirir a obsessão de colocar os lápis com a ponta para cima e as canetas com a ponta para baixo, mania recorrente do narrador.

No fim das contas, quanto mais distantes ficam as presenças dominantes de papai e mamãe, mesmo que tenham morrido ainda jovens, sempre serão fantasmas onipresentes a assombrar quem tem memória. Ou renovando desafios em tempos sombrios de incertezas ou trazendo a sombra refrescante das lições, convicções e certezas.

Quando o tempo da gabiroba passar, só restará esperar a nova florada, porque a vida sempre se renova e cada ano nos fará diferentes dos anos anteriores.

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* Escritor

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Passando a boiada e chorando a morte da bezerra

Alceu A. Sperança*

 Quando os visitantes chegam a Rolim de Moura, cidade criada pelo Incra em Rondônia, surpreendem-se com ruas largas, de cem metros, incomuns em outras cidades da região.

Deu-se que o jovem economista Sílvio Persivo, ao estudar a área para abrir a cidade, observou que ela ficaria junto a um riacho cujos moradores sofriam uma epidemia de malária.

Seria impossível fazer a cidade ali, pois os assentados, provenientes de outras regiões, também seriam vítimas muito prováveis da malária.

Alguém disse ao técnico do Incra que o anofelino (mosquito transmissor da doença) só aguentava voar 70 metros e já morria.

Pura lógica, a primeira rua a cem metros do riacho seria a solução para o mosquito, que morreria ao tentar cruzá-la.

Foi assim, sem combinar com o mosquito, que Persivo, o engenheiro encarregado e o chefe das máquinas abriram a primeira rua com 100 metros de largura.

 

Tudo tem consequência

Três meses depois, Persivo retorna a Rolim de Moura e encontra uma população de doze mil habitantes. Constata, com surpresa, que as demais ruas abertas seguiram o mesmo padrão de largura que ele havia determinado.

E a malária comendo solta: o mosquito aprendeu a voar mais de 70 metros sem morrer...

Quando só um decide, governos erram, povos erram, todos erram. É muito fácil se iludir. Deixar nas mãos de um só indivíduo, incapaz de pesar na balança as variáveis necessárias para uma decisão refletida, é a receita para o desastre.

Quem decide sozinho e enlouquece, como o presidente Delfim Moreira, ou sofre aquele famoso minuto de bobeira, acaba condenando sua comunidade a séculos de desgraça.

Deve haver alguma forma de melhorar a governança sem que muitos precisem sofrer as idiossincrasias de poucos. A questão é achá-la: parlamentarismo, voto de confiança, desconfiança, mandatos revogáveis?

 

Plateia desprivilegiada

Neste mundo pandêmico, criou-se uma nova forma de governar, em que as alas internas de um palácio fazem o papel simultâneo de governo e oposição.

Os grupos de fora, que deveriam ser de fato a oposição, ficam só assistindo aos embates internos entre as alas (boi, bala, bíblia, terraplanista, astronáutica, ideológica) como se fossem a plateia de um jogo do qual estão marginalizados e torcem pelo “menos pior”, uma impossibilidade óbvia.

Alguns itens observáveis nos governos de hoje é que o planejamento virou pó. Governar era abrir estradas nos tempos de Washington. Nos tempos, digamos, de Boston, governar é pedagiar e disfarçar impostos.

No mais, sem conseguir enfrentar a pandemia nem dar jeito na economia, governar, de Washington a Brasília, passando por Londres, Moscou, Tóquio ou Paris, é insultar adversários e fazer gambiarras.

O que mais caracteriza os governantes é a rapidez com que mudam de ideia: começam negando o vírus, depois cloroquinam e por fim se vacinam.

 

Feche o STF, mas não minha loja!

Sob pressão da mídia e da Justiça, o governo brasileiro garantiu que não iria comprar a vacina chinesa, mas em seguida não só a compra aos milhões como implora por mais doses e até vacina as mães.

Num minuto, governantes repudiam a máscara, acusada de não proteger ninguém, mas logo depois aparecem usando a inútil e dando o mau exemplo.

Lockdown num dia, para não aglomerar, no outro dia os ônibus lotados para encovidar os pobres.

Os que precisam trabalhar viram bombas ambulantes: levam a morte para dentro dos próprios lares, vizinhança, igrejas e postos de saúde nos quais vão se queixar de unha encravada. A caminho de lá, se já não estão covidados, ficam.

Reprimem baladas antes que o galo cante três vezes, mas não têm solução para o drama dos jovens que se deprimem presos em casa.

Fecham por obrigação, abrem na pressão, abrem-fecham pensando na eleição.

Só não há incerteza numa coisa: o chefe está sempre certo. Errados e corruptos são os outros. Cortam verba para tudo, mas reforçam a grana da autopropaganda, alma do negócio.

 

Sim, talvez, não: três em um

Como dizem em diferentes ocasiões sim, talvez e não, aquilo que mais der certo em seguida será mostrado na futura propaganda:

– Sim, eu sempre disse que queria vacina.

– Não, jamais defendi a máscara.

– Talvez magia dê certo, talvez não dê.

Vacinar recupera economia? Neste caso a propaganda vai mostrar que o chefe desde criança era um pró-vacina militante:

– Ora, recuperação em V era aplicar Vacina. A mídia lixo é que não entende nada de economia!

Lockdown funcionou? Ora, desde o cursinho de Inglês na adolescência o líder sempre falou nisso. Down pra cá, down pra lá. Downsizing, por exemplo...

Fechar o comércio deu em nada, pois todo mundo se encovidou indo ao supermercado? Ora, o chefe sempre quis que nada fechasse, e se um dia fechou foi por ordem da OMS, do STF e exigência da mídia se lixando.

 

A bezerra de ouro está morrendo

Negar de manhã, talvezar de tarde e afirmar à noite é o dia a dia dos governantes. O que for “menos pior” vai para a propaganda eleitoral do chefe, já que todo ano é de campanha eleitoral, todo mês é de conchavos, todo dia, toda hora é só propaganda e mais propaganda nas redes.

O sonho do ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, era aproveitar a bagunça institucional para passar a boiada da quebra de regras.

Mas quebrar regras, como bem se viu na Operação Lava Jato e em tuítes desastrados, pode até dar certo por algum tempo, rendendo vitórias eleitorais, altos e provisórios cargos na República, mas depois que a boiada toda passar não adianta mais chorar a morte da bezerra.

Além das gambiaras, fazer pouco da morte e chorar a morte da bezerra de ouro são ações governamentais cotidianas, mundo afora, desde a baladeira Washington DC à funkeira Boston MC.

Preferem mimimizar a dizer onde está o dinheiro que ia sobrar para tudo e agora falta para a infraestrutura urgente e um auxílio emergencial decente.  

alceusperanca@ig.com.br

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* Escritor

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Donato Ramos, um calendário só com hoje e amanhã

 

Alceu A. Sperança*

 – Sou filho de bugre!

No Paraná, Donato Ramos é tido como paranaense de Cascavel. Em Santa Catarina, é disputado no mínimo por Itajaí e Florianópolis. Em Itapoá se diz que quase nasceu ali. Mas na verdade nasceu em 25 de abril de 1936 na pequena Echaporã, São Paulo, de onde também veio Eduardo Fico de Castro.

Ramos passou a infância e a juventude em Paraguaçu Paulista, onde foi engraxate, vendedor de doces e sanduíches “com tabuleiro pendurado no pescoço na Estação de Trem”.

Falava muito e sempre, o que o fez orador de turma de formandos no Grupo Escolar e no Ginásio. Falava como trabalhava: muito. Foi garção e, ao mesmo tempo, “após servir as refeições do almoço, dava aula de datilografia no mesmo prédio”. Auxiliar de alfaiate, estragou uma calça de cliente e nunca mais voltou – de medo – à alfaiataria.

 

Comércio e rádio

No Alto Falante na Rodoviária de Paraguaçu começou a lidar com o microfone, que o levou a três décadas de militância profissional no rádio, iniciada na Rádio Clube Marconi. Também vendia tecidos na Riachuelo e já escrevia.

Teve seu primeiro trabalho impresso em Seleções do Reader´s Digest, com uma historinha de macaco. Ganhou com ela dez mil réis, “uma nota verde que veio como Vale Postal nos Correios”. Gastou tudo em sorvete, segundo ele, coisa que nunca viu sua casa.

Como radialista profissional, foram 33 anos de trabalho. Dirigiu dez emissoras de rádio, escreveu para dezenas de Jornais e revistas. Foi Instrutor de Comunicação oral e Escrita e Técnica de Venda no Senac Paraná, de onde se enturmou com o antigo jornal Fronteira do Iguaçu, em Cascavel. Fundou diversos sindicatos e associações. Escreveu mais de cem livros, “entre eles, um que ainda tem no museu: Manual de Taquigrafia”.

 

Sindec, um orgulho

Vários de seus livros e obras de amigos ele publicou por sua própria editora, a Somar, de Florianópolis. Compositor, violonista, gaiteiro de boca (a menos que me obrigue a escrever “harmonicista”!), artista plástico – e pintou mais de mil telas. “Muitas árvores plantadas, cem livros escritos, centenas de telas e desenhos, dezenas de CDs gravados”, resume.

Escreveu mais de 10 mil crônicas “que falam da esperança, do ontem que morreu, da minha vida que não tem folhinha com ontem, apenas pedaços do hoje e muito de amanhã, dos meus amores, destacando meus oito filhos, quatorze netos e três bisnetos”.

Trabalhou em diversas emissoras do interior catarinense e na década de 1960 foi para Florianópolis como integrante da equipe da Rádio Santa Catarina. No Paraná, começou a organizar os comerciários de Cascavel em 1976, fundando a Assec (Associação dos Empregados no Comércio).

Em 1984, a entidade passou a se chamar Aspec (Associação Profissional dos Empregados no Comércio) e em 1985 se transforma no Sindec (Sindicato dos Trabalhadores no Comércio de Cascavel).

 

Estudos e líderes

Em julho de 1988, Donato Ramos, orgulhoso da entidade que já se projetava na sociedade oestina, promove por meio do Sindec o I Seminário de Estudos dos Problemas Prioritários de Cascavel.

Nesse mesmo ano, como presidente local do Partido Socialista Brasileiro (PSB), concorre a vice-prefeito na chapa de Ivo Miranda Gomes (PCdoB). Pelo Sindec, Donato também promoveu o ELO (Encontro de Líderes do Oeste).

Em 24 de fevereiro de 2012, quando escritores ligados à Academia Cascavelense de Letras, Confraria Terra dos Poetas e independentes criaram o Projeto Livrai-Nos!, iniciativa para promover a divulgação de escritores paranaenses, Donato já estava residindo em Santa Catarina, mas exigiu ser considerado o primeiro escritor a ser registrado como integrante do Projeto.

Seus livros Câmara Junior e Antes que Me Esqueça - Folclore da Imprensa foram de imediato agregados ao acervo do Livrai-Nos! e outros viram a seguir. Acadêmico fundador da Academia Brasileira de Letras de Santa Catarina, Seccional de Florianópolis, ocupava lá a cadeira nº 11.

Diante de uma biografia tão rica, seria um crime encerrar informando, fora do calendário que ele aceitava, que só tem hoje e amanhã, que morreu em 7 de setembro de 2020.

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alceusperanca@ig.com.br

* Escritor


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Eleitor bocó, alvo fácil para algoritmos e robôs

Alceu A. Sperança*
É fácil conspirar nos porões e desfechar um golpe de Estado, agredindo as instituições, quebrando as regras do jogo e traindo o juramento constitucional?
Os dedos coçam para escrever que não, que golpes nunca dão em coisa que preste. Que é difícil, desonesto, absurdo e estúpido. Negociar é mais fácil e tende a produzir resultados melhores. Vide reunificação alemã e a Gerigonça, em Portugal.
Mas planejar e desfechar um golpe será fácil se os eleitores forem bocós facilmente manipuláveis, como pretende demonstrar um assustador estudo feito por pesquisadores das universidades McGill (Canadá) e Lund (Suécia) com grupos de eleitores favoráveis ao milionário Donald Trump e à advogada Hillary Clinton.
O teste consistia em comparar Trump e Clinton colocando um X em uma escala móvel com quesitos como coragem (bancar o corajoso faz muito sucesso entre os bocós!), visão (a capacidade supra-humana de prever o futuro com exatidão) e habilidades analíticas (sacadas geniais sobre todos os assuntos imagináveis).

Loucas ambições
De posse das respostas, os pesquisadores manipularam a posição dos X marcados, substituindo a folha real da pesquisa, com respostas polarizadas, por outra, falsa, em que a maioria das respostas se aproximava do centro.
Ao devolver aos participantes a pesquisa manipulada como sendo a original, os pesquisadores propuseram discutir as opiniões, agora fraudadas, para ver se os pesquisados reagiam à falsificação.
Claro que você, eu, nós, reagiríamos com quatro pedras nas mãos a essa malandragem. Mas 94% dos entrevistados aceitaram as manipulações como sendo suas próprias respostas, sem estranhar a diferença entre o que assinalaram e a distorção feita pelos pesquisadores.
Assim são manipulados por pesquisas de intenção de voto e pelos nababos que compram algoritmos, robôs, disparadores de zaps, guerrilha virtual e outras sacanagens para engabelar bocós.

Moleque imperador
Golpe, afinal, dá no quê?
O golpe patrocinado pelos liberais levou Pedro II a ser declarado maior ainda com 14 anos, em 1840. Achavam que no Brasil polarizado, todos se rebelando contra alguma coisa, botar um moleque no trono imperial ia dar jeito na situação...
Claro que não deu. Virou a ditadura dos irmãos Andradas e Cavalcantis. Em meio a eleições fraudulentas, a Guerra dos Farrapos se estendeu demais e a Europa pouco se lixou para a soberania, exigindo o fim da escravidão do mesmo jeito que hoje exige proteção para a Amazônia.
Pedrinho levou tanto cacete que pôs para correr os liberais e chamou os conservadores para governar. Bronqueados, os liberais foram fazer sua revolução em 1842 enquanto o mal orientado Pedrinho afundava de crise em crise.
Tão mal orientado que lhe deram o retrato de uma belíssima princesa e ele se casou com ela por procuração, em 1843. No dia em que foi conhecê-la teve a decepção de achar uma triste menina, bem diferente da que viu na imagem promocional. Por aí já se vê como o jovem imperador era manipulado...

Me salve, Dadama!
– Eles me enganaram, Dadama! – chorou o amargurado Pedro II à babá que considerava sua mãe de criação. Continuou enganado ainda por longo tempo até resolver ele próprio enganar d. Teresa Cristina com a Condessa de Barral.
 As crises continuavam, caneladas com a Inglaterra e broncas com a Argentina causavam estragos. Aí foi chamado de menino irritante pelo ministro Honório Carneiro Leão, que passou à oposição. Dez anos depois, Pedro amadureceu. Chamou Leão de volta para comandar o governo e a partir daí o Brasil começou a prosperar.
Até Leão cair morto de repente, em 1870, supõe-se que envenenado, e o Brasil voltar à vaca fria, história já conhecida (https://bit.ly/2VTAGjV).
Dizia o sábio aragonês Baltasar de Gracián que no futuro ninguém dirá que um governante teve bons ou maus ministros, mas se foi competente ou não. – Portanto – aconselhou – escolha com cuidado, examine os seus ministros. A eles você está confiando sua fama imortal.
Pedro II aprendeu a importância de um ministro bem escolhido. Nomear assessores indicados por compadres, sócios e parentes, imexíveis e com carta branca, é o vírus que destrói qualquer gestão.
Nesse RepublicVirus, a cepa da incompetência política e governamental, a corrupção não passa de mais um espirro.

Parlamentarismo branco
Quando se trata de golpe, mesmo o mais absurdo, sempre tem alguma cabeça de jerico tramando e uma sortida multidão de áulicos para acreditar na coisa. A fórmula é velha: quem tem muito poder ainda acha pouco e manipula as massas a pressionar o parlamento e a justiça para fazer do feio jegue um belo unicórnio.
Foi por isso que o Centrão bolou o inteligente sistema de pesos e contrapesos com um protagonismo crescente do Ministério Público. Trinta anos completos de democracia, restando por avaliar sua qualidade.
O arranjo foi montado na Constituinte. O Centrão armou para ficar sempre no governo ou ter maioria no parlamento, como “poder moderador”, qual Pedro II no Império. 300 picaretas? 300 imperadores!
O tal “parlamentarismo branco” é apenas o Império do Centrão, que seduziu Fernando Henrique a instituir a reeleição, puxou Lula para as empreiteiras e puxa Bolsonaro para... alguém sabe para o quê, mesmo? Não vale dizer abismo.
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* Escritor

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Manual do governador austero não incluía três carruagens

Alceu A. Sperança*



Parece item de um padronizado manual de uso do cargo. Todo novo governador quer se mostrar mais austero que o anterior. Faz sempre “o maior ”programa e “a maior” obra, economizando como nunca antes na história deste Estado.

Também foi assim em fevereiro de 1892, quando a Junta Governativa do Paraná entregou o Estado a um governador que no total ficaria onze anos no comando, em três mandatos. O castrense Francisco Xavier da Silva (1838−1922) seguiu o manual e prometeu austeridade, é claro.

A Junta Governativa foi uma ingerência do marechal Floriano Peixoto, que na intenção de pôr panos quentes na feroz briga entre republicanos e monarquistas designou três personalidades respeitadas para preparar novas eleições: o coronel Roberto Ferreira e os civis Joaquim Monteiro de Carvalho e Lamenha Lins.
A Junta fez imediatamente algo que alguns babam para voltar a acontecer: dissolveu o Congresso Estadual (equivalente à atual Assembleia Legislativa), convocando eleições para governador e parlamentares que integrariam a Constituinte estadual.

Não faltava dinheiro para obras
Francisco Xavier da Silva foi eleito governador (presidente estadual, segundo a terminologia da época) em fevereiro de 1892. Ele vinha de uma excelente experiência como prefeito de Castro e no governo repetiria o sucesso administrativo alcançado na cidade natal. Foi um tocador de obras memorável: construiu estradas estratégicas e as pontes metálicas sobre os rios Negro e Nhundiaquara.
Em Curitiba, fez também o antigo Ginásio Paranaense (depois Secretaria de Estado da Cultura), grupos escolares, o quartel da Polícia Militar, o prédio da Rua Barão do Rio Branco que serviu de sede do governo e o do Congresso Legislativo (depois Câmara de Vereadores).
Xavier da Silva estimulou a política de imigração, implantou escolas de artes industriais e incentivou o plantio do trigo daqui ao Sul. Raros fizeram tanto.

Sem dívidas, por favor
Austeridade era com ele: jamais contraiu empréstimos que endividassem o Estado, mas não deixou de pagar as dívidas que herdou. Um exemplo de austeridade foi o caso das carruagens. Como o Estado era proprietário de três carruagens e três parelhas de cavalos para o transporte dos mais graduados funcionários do governo, Xavier mandou vender duas e a remanescente recebeu uma ordem irretorquível:
– Só para os atos oficiais!
As ocasiões especiais não eram na época tantas quanto hoje. No manual atualizado também consta fazer frequentes atos para o governante, aquele que jurou “impessoalidade”, aparecer na mídia com cara, nome, sobrenome, apelido e alguma fofoquinha familiar de quebra.
Xavier trabalhou todos os dias, menos quando se licenciou para tratamento de saúde, período em que governou interinamente o vice Vicente Machado, também de Castro, que na época virou capital do Estado. Foi quando os revolucionários federalistas gaúchos invadiram o Paraná e fizeram misérias por aqui.

Gaúchos limparam os cofres
Xavier retornou para um mandato extremamente difícil: o Paraná ficara arrasado com a dominação dos rebeldes gaúchos. Com os cofres minguados, o governador determinou ao secretário da Fazenda pagar em primeiro lugar os funcionários mais humildes.
Passado pouco tempo, o secretário lhe trouxe o dinheiro do salário de governador e o respectivo recibo. Sem assinar, Xavier da Silva comentou:
– Bravos, senhor secretário. Não imaginei que as finanças se restabelecessem em tão poucas semanas. Meus parabéns!
Na verdade, e o governante bem sabia, o assessor estava apenas querendo agradar ao chefe, pagando-o em primeiro lugar. Desconcertado, o secretário corrigiu:
– Não, senhor presidente. Melhoramos, mas não ao ponto que o senhor imagina. Pensei que o senhor pudesse estar necessitado e por isso lhe trouxe o ordenado.
– Desculpe-me, doutor, mas houve engano. O meu ordenado será o ultimo que o senhor pague, sem desobedecer minhas ordens...
Só restou ao assessor sair em obediente silêncio. Esse é apenas um dos muitos episódios que fizeram de Xavier um governante inesquecível. Não foi por acaso que teve três mandatos de governador e seis de senador.

Solteiro e pão-duro
Mas ninguém está acima das críticas, afinal. Religiosos insatisfeitos dizem que se Deus tivesse trabalhado no sétimo dia, dispensando neoliberalmente o obsoleto descanso semanal, talvez lhe tivesse ocorrido criar um termostato para desligar o mundo em caso de aquecimento global. Os crentes satisfeitos retrucam:
– E a arca de Noé foi o quê? A próxima arca será uma astronave para os 144 mil escolhidos...
Em onze anos dá para fazer muita coisa ou quebrar o Estado. Xavier não quebrou, mas não escapou dos maledicentes que o apelidaram de Monge por ser solteiro. E avarento, hesitante para tomar decisões, covarde – no manual do governador também consta sempre bater no peito e se dizer mais corajoso que o anterior.
Xavier foi um político tipicamente em cima do muro, sem clara definição ideológica. No governo, aliás, que é para todos, isso deveria ser uma virtude e não um defeito.
Quando os revolucionários invadiram o Paraná, em 1893, ficou repentinamente enfermo, passou o cargo ao vice e desapareceu do Estado. Sarou tão logo os revolucionários se foram. Faltou coragem, é certo, mas sobrou austeridade.
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* Escritor
 
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90 anos entre um tiro e uma facada
Alceu A. Sperança*
Washington Luís, o "pai" da BR-277
Sob a comoção geral causada pelo esfaqueamento do então candidato favorito à Presidência, Jair Bolsonaro, o Brasil de 2018 por um breve momento se uniu contra a loucura causada pela polarização irracional, baixos instintos que sufocam a política, arte superior das relações humanas. Nove décadas antes dessa facada, em 1928, um amor transformado em ódio alcançou um presidente em pleno exercício do cargo.
Até ser baleado, Washington Luís Pereira de Sousa produziu um currículo simplesmente espetacular. Fluminense, formado em Direito em São Paulo, despontou como intendente (prefeito) de Batatais (SP) ao promover uma pioneira experiência de Reforma Agrária.
Como secretário da Segurança de São Paulo, criou a base da Polícia Militar. Era a “polícia sem política”: não aceitava ingerências externas nas nomeações de delegados. Deu início ao sistema penitenciário paulista e às ações de inteligência no país. Seu lema era “Não prender sem motivo”. Prefeito de São Paulo em 1914, enfrentou a Primeira Guerra Mundial e a mãe de todas as greves brasileiras, em 1917, mais a Gripe Espanhola no ano seguinte, assumindo o governo de São Paulo em 1920.
Amante do automobilismo e obcecado pela construção de estradas (governar seria construí-las), era odiado pelas elites conservadoras por... construir estradas! Intelectual progressista, viu-se fustigado pelos inimigos que o chamavam de “General Estrada de Bobagem”, trocadilho com “Estrada de Rodagem”. Em sua defesa veio outro intelectual: Monteiro Lobato atribuía o desenvolvimento dos EUA à sua enorme rede rodoviária. Assim fortalecido, Washington Luís foi o presidente que iniciou a BR-277, em 1927. Depois dele, a obra foi várias vezes interrompida e só se completou em 1969.
 Feito extraordinário jamais igualado, WL em 1º de março de 1926 se elege com o maior percentual de votos obtido por um candidato à presidência: 99,86% dos sufrágios, contra o general Assis Brasil. Atacado pela elite mais conservadora, também não escapou de ser difamado entre os trabalhadores por sua história na repressão policial no governo paulista, quando lhe foi atribuído o lema “Questão social é questão de polícia”, que hoje parece estar de volta à cena.
Aí o inesperado acontece: é baleado no Hotel Copacabana Palace. Era o dia 23 de maio de 1928. O atentado foi cometido pela amante, a marquesa italiana Elvira Vishi Maurich, 28. A versão oficial era de que o presidente foi internado com apendicite. Horas depois a marquesa foi achada morta, supostamente por suicídio. Um amor que virou ódio liquidava a mais luminosa história de um homem na Presidência da República.
O que veio depois completa a tragédia pessoal: em outubro de 1930 é derrubado da Presidência por um golpe militar. É preso e vive o exílio nos EUA e Europa, regressando com a redemocratização, em 1947, mas já sem qualquer ação política. Tudo o que um brasileiro poderia fazer nela ele já havia feito. Morreu dez anos depois.
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*Escritor
 

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Confira os benefícios da leitura diária  Por que todos devem ler todos os dias?
A leitura deveria ser um hábito diário na vida dos cidadãos, nem que seja por apenas alguns minutos. Segundo pesquisas internacionais, ao separar 6 minutos do seu dia para a leitura, os benefícios da prática, a longo prazo, tendem a ser muito grandes.

A seguir, confira quais as vantagens da leitura e comece agora mesmo:


 1 – Potencializa sua saúde

Há redução nos níveis de estresse, relaxa os músculos e ainda melhor o seu estado de espírito. Unindo todos esses benefícios, a leitura frequente fará com que você tenha uma saúde melhor, podendo até desenvolver suas atividades cotidianas com mais facilidade.


 2 – É benéfico para a sociedade

Pessoas que tem a leitura como um hábito diário tendem a ser mais conectadas com causas sociais. A maior parte dos voluntários de instituições e das pessoas que fazem doações financeiras têm o costume de ler.


 3 – Aumento da criatividade

A criatividade é um grande diferencial no mercado de trabalho hoje em dia. Por isso, quanto mais você lê, mais aprende sobre novos assuntos. Ela é essencial para o cotidiano de diversas profissões, seja no momento de criar um novo produto ou de encontrar a melhor solução para um problema.


 4 – Você potencializa seu grau de instrução

Além de aprender sobre novos assuntos, você passa a escrever e se comunicar melhor. Você também passa a ser uma pessoa que sabe conversar sobre questões presentes em várias esferas.



5 – Você irá refletir mais
Alguns dos textos que você ler podem provocar grande estranhamento e, consequentemente, fazer com que você pense sobre o assunto abordado. Assim, quanto maior for a quantidade de textos que você entrar em contato, aprenderá mais sobre diversos assuntos e poderá aumentar seu senso crítico sobre novos temas.
(Universia) 
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Boas águas contra o fogaréu
Alceu A. Sperança*
Incêndio do Museu Nacional e remodelação do Museu Celso Formighieri Sperança

O fogaréu da destruição que varreu o Museu Nacional do Rio de Janeiro em setembro sintetizou o descuido com o acervo cultural, com danosas e continuadas consequências. Toda a vida brasileira sofre ao longo da crise que se arrasta num fio único desde a Era Vargas, entrecortado de voos de galinha que depois de grande euforia geram crises ainda piores.
Agora mesmo um “fogaréu” inculto alcança as livrarias, que fecham aos montes por todo o país, embora o número de eleitores tenha crescido. A crise se estende da economia para todos os aspectos da sociedade.
Os museus, antes e depois do incêndio do Nacional, sofrem com cortes de recursos públicos que alcançam as mais diversas áreas. Dinheiro público falta para tudo: mal paga  a máquina administrativa e ainda assim há déficit crescente. A dívida pública explode e tende a crescer ainda mais se um caminhão de privilégios não for cortado – e como cortá-los sem os beneficiados são a elite do funcionalismo “pátrio”, com cabeças de ponte, para usar uma expressão que se arrisca a voltar à moda, nos três poderes?
Cascavel tem três museus públicos, dois deles encaixotados no Centro Cultural Gilberto Mayer – o Museu Histórico Celso Formighieri Sperança e o Museu da Imagem e do Som. O terceiro – Museu de História Natural – está em ambiente próprio e ideal, junto ao Parque Ecológico. Ainda há museus particulares e embrionários, dentre os quais o Museu do Automobilismo, os preciosos guardados de Alberto Pompeu e a admirável Casa de Dirceu Rosa.
Nota-se da parte de todos, sobretudo da Secretaria Municipal de Cultura e Esportes, um esforço além do possível para que as condições museológicas não se deteriorem. Seria injusto criticar a atual gestão, embora as anteriores tenham sido criticadas, pelo “encaixotamento” de dois museus em espaço acanhado, quando Cascavel mereceria ter um museu à altura do que é para a agropecuária o Parque de Exposições Celso Garcia Cid e para os esportes o Estádio Olímpico, o Autódromo Zilmar Beux e o Kartódromo Delci Damian. Até o hoje enjeitado Centro de Convenções tem instalações próprias, mas os dois museus se espremem no mesmo espaço alheio – o Centro Cultural.
A sombra produzida pelas labaredas do Museu Nacional e pela grave crise que assola o Brasil se arrisca a piorar se o novo governo da República fracassar. Se o endividamento nacional crescer, o caos da saúde continuar e a inflação voltar, quem vai segurar os descontentes? Os coletes amarelos franceses que o digam!
Não é hora, portanto, de cobrar maravilhas para a estrutura dos nossos museus, mas de ver com satisfação que algo foi feito no país em que muitas obras são anunciadas mas raras de fato concluídas. O Projeto Museu no Tempo, inaugurado no domingo, 16, na Feira do Teatro de Cascavel, foi uma sacada interessante para dar visibilidade a uma conquista raríssima nesses tempos tão bicudos: os recursos que vindos por meio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) deram na aquisição de diversos materiais, mobiliário e equipamentos para os museus.
A verba foi assegurada pela qualificação do Museu Celso Sperança como “instituição de guarda de material arqueológico”. Como o Museu da Imagem e do Som é vizinho e estava sedento, bebeu também as boas águas dessa conquista. No fundo, elas apagaram preventivamente o incêndio de uma deterioração em vias de acontecer.
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* Escritor


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A importância da leitura infantil
para o desenvolvimento da criança

Eline Fernandes de Castro

“O desenvolvimento de interesses e hábitos permanentes de leitura é um processo constante, que principia no lar, aperfeiçoa-se sistematicamente na escola e continua pela vida afora.”

 Introdução

O estudo realizado tem por objetivo, verificar a contribuição da literatura infantil no desenvolvimento social, emocional e cognitivo da criança. Ao longo dos anos, a educação preocupa-se em contribuir para a formação de um indivíduo crítico, responsável e atuante na sociedade. Isso porque se vive em uma sociedade onde as trocas sociais acontecem rapidamente, seja através da leitura, da escrita, da linguagem oral ou visual.

Diante disso, a escola busca conhecer e desenvolver na criança as competências da leitura e da escrita e como a literatura infantil pode influenciar de maneira positiva neste processo. Assim, Bakhtin (1992) expressa sobre a literatura infantil abordando que por ser um instrumento motivador e desafiador, ela é capaz de transformar o indivíduo em um sujeito ativo, responsável pela sua aprendizagem , que sabe compreender o contexto em que vive e modificá-lo de acordo com a sua necessidade.

Esta pesquisa visa a enfocar toda a importância que a literatura infantil possui, ou seja, que ela é fundamental para a aquisição de conhecimentos, recreação, informação e interação necessários ao ato de ler. De acordo com as idéias acima, percebe-se a necessidade da aplicação coerente de atividades que despertem o prazer de ler, e estas devem estar presentes diariamente na vida das crianças, desde bebês. Conforme Silva (1992, p.57) “bons livros poderão ser presentes e grandes fontes de prazer e conhecimento. Descobrir estes sentimentos desde bebezinhos, poderá ser uma excelente conquista para toda a vida.”

Apesar da grande importância que a literatura exerce na vida da criança, seja no desenvolvimento emocional ou na capacidade de expressar melhor suas idéias, em geral, de acordo com Machado (2001), elas não gostam de ler e fazem-no por obrigação. Mas afinal, por que isso acontece? Talvez seja pela falta de exemplo dos pais ou dos professores, talvez não.

O que se percebe é que a literatura, bem como toda a cultura criadora e questionadora, não está sendo explorada como deve nas escolas e isto ocorre em grande parte, pela pouca informação dos professores. A formação acadêmica, infelizmente não dá ênfase à leitura e esta é uma situação contraditória, pois segundo comentário de Machado (2001, p.45) “não se contrata um instrutor de natação que não sabe nadar, no entanto, as salas de aula brasileira estão repletas de pessoas que apesar de não ler, tentam ensinar”.

Existem dois fatores que contribuem para que a criança desperte o gosto pela leitura: curiosidade e exemplo. Neste sentido, o livro deveria ter a importância de uma televisão dentro do lar. Os pais deveriam ler mais para os filhos e para si próprios. No entanto, de acordo com a UNESCO (2005) somente 14% da população tem o hábito de ler, portanto, pode-se afirmar que a sociedade brasileira não é leitora. Nesta perspectiva, cabe a escola desenvolver na criança o hábito de ler por prazer, não por obrigação.

Contextualizando Literatura Infantil

Os primeiros livros direcionados ao público infantil, surgiram no século XVIII. Autores como La Fontaine e Charles Perrault escreviam suas obras, enfocando principalmente os contos de fadas. De lá pra cá, a literatura infantil foi ocupando seu espaço e apresentando sua relevância. Com isto, muitos autores foram surgindo, como Hans Christian Andersen, os irmãos Grimm e Monteiro Lobato, imortalizados pela grandiosidade de suas obras. Nesta época, a literatura infantil era tida como mercadoria, principalmente para a sociedade aristocrática. Com o passar do tempo, a sociedade cresceu e modernizou-se por meio da industrialização, expandindo assim, a produção de livros.

A partir daí os laços entre a escola e literatura começam a se estreitar, pois para adquirir livros era preciso que as crianças dominassem a língua escrita e cabia a escola desenvolver esta capacidade. De acordo com Lajolo & Zilbermann, “a escola passa a habilitar as crianças para o consumo das obras impressas, servindo como intermediária entre a criança e a sociedade de consumo”. (2002, p.25)

Assim, surge outro enfoque relevante para a literatura infantil, que se tratava na verdade de uma literatura produzida para adultos e aproveitada para a criança. Seu aspecto didático-pedagógico de grande importância baseava-se numa linha moralista, paternalista, centrada numa representação de poder. Era, portanto, uma literatura para estimular a obediência, segundo a igreja, o governo ou ao senhor. Uma literatura intencional, cujas histórias acabavam sempre premiando o bom e castigando o que é considerado mau. Segue à risca os preceitos religiosos e considera a criança um ser a se moldar de acordo com o desejo dos que a educam, podando-lhe aptidões e expectativas.

Até as duas primeiras décadas do século XX, as obras didáticas produzidas para a infância, apresentavam um caráter ético-didático, ou seja, o livro tinha a finalidade única de educar, apresentar modelos, moldar a criança de acordo com as expectativas dos adultos. A obra dificilmente tinha o objetivo de tornar a leitura como fonte de prazer, retratando a aventura pela aventura. Havia poucas histórias que falavam da vida de forma lúdica, ou que faziam pequenas viagens em torno do cotidiano, ou a afirmação da amizade centrada no companheirismo, no amigo da vizinhança, da escola, da vida.

Essa visão de mundo maniqueísta, calçada no interesse do sistema, passa a ser substituída por volta dos anos 70 e a literatura infantil passa por uma revalorização, contribuída em grande parte pelas obras de Monteiro Lobato, no que se refere ao Brasil. Ela então, se ramifica por todos os caminhos da atividade humana, valorizando a aventura, o cotidiano, a família, a escola, o esporte, as brincadeiras, as minorias raciais, penetrando até no campo da política e suas implicações.

Hoje a dimensão de literatura infantil é muito mais ampla e importante. Ela proporciona à criança um desenvolvimento emocional, social e cognitivo indiscutíveis. Segundo Abramovich (1997) quando as crianças ouvem histórias, passam a visualizar de forma mais clara, sentimentos que têm em relação ao mundo. As histórias trabalham problemas existenciais típicos da infância, como medos, sentimentos de inveja e de carinho, curiosidade, dor, perda, além de ensinarem infinitos assuntos.

É através de uma história que se pode descobrir outros lugares, outros tempos, outros jeitos de agir e de ser, outras regras, outra ética, outra ótica...É ficar sabendo história, filosofia, direito, política, sociologia, antropologia, etc. sem precisar saber o nome disso tudo e muito menos achar que tem cara de aula (ABRAMOVICH, 1997, p.17)

Neste sentido, quanto mais cedo a criança tiver contato com os livros e perceber o prazer que a leitura produz, maior será a probabilidade dela tornar-se um adulto leitor. Da mesma forma através da leitura a criança adquire uma postura crítico-reflexiva,extremamente relevante à sua formação cognitiva.

Quando a criança ouve ou lê uma história e é capaz de comentar, indagar, duvidar ou discutir sobre ela, realiza uma interação verbal, que neste caso, vem ao encontro das noções de linguagem de Bakhtin (1992). Para ele, o confrontamento de idéias, de pensamentos em relação aos textos, tem sempre um caráter coletivo, social.

O conhecimento é adquirido na interlocução, o qual evolui por meio do confronto, da contrariedade. Assim, a linguagem segundo Bakthin (1992) é constitutiva, isto é, o sujeito constrói o seu pensamento, a partir do pensamento do outro, portanto, uma linguagem dialógica.

A vida é dialógica por natureza. Viver significa participar de um diálogo: interrogar, escutar, responder, concordar, etc. Neste diálogo, o homem participa todo e com toda a sua vida: com os olhos, os lábios, as mãos, a alma, o espírito, com o corpo todo, com as suas ações. Ele se põe todo na palavra e esta palavra entra no tecido dialógico da existência humana, no simpósio universal. (BAKHTIN, 1992, p112)


E é partindo desta visão da interação social e do diálogo, que se pretende compreender a relevância da literatura infantil, que segundo afirma Coelho (2001, p.17), “é um fenômeno de linguagem resultante de uma experiência existencial, social e cultural.”

A leitura é um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de construção do significado do texto. Segundo Coelho (2002) a leitura, no sentido de compreensão do mundo é condição básica do ser humano.

A compreensão e sentido daquilo que o cerca inicia-se quando bebê, nos primeiros contatos com o mundo. Os sons, os odores, o toque, o paladar, de acordo com Martins (1994) são os primeiros passos para aprender a ler.Ler, no entanto é uma atividade que implica não somente a decodificação de símbolos, ela envolve uma série de estratégias que permite o indivíduo compreender o que lê. Neste sentido, relata os PCN’s (2001, p.54.):

Um leitor competente é alguém que, por iniciativa própria, é capaz de selecionar, dentre os trechos que circulam socialmente, aqueles que podem atender a uma necessidade sua. Que consegue utilizar estratégias de leitura adequada para abordá-los de forma a atender a essa necessidade.

Assim, pode-se observar que a capacidade para aprender está ligada ao contexto pessoal do indivíduo. Desta forma, Lajolo (2002) afirma que cada leitor, entrelaça o significado pessoal de suas leituras de mundo, com os vários significados que ele encontrou ao longo da história de um livro, por exemplo.

O ato de ler então, não representa apenas a decodificação, já que esta não está imediatamente ligada a uma experiência, fantasia ou necessidade do indivíduo. De acordo com os PCN’s (2001) a decodificação é apenas uma, das várias etapas de desenvolvimento da leitura. A compreensão das ideias percebidas, a interpretação e a avaliação são as outras etapas que segundo Bamberguerd (2003, p.23) “fundem-se no ato da leitura”. Desta forma, trabalhar com a diversidade textual, segundo os PCN’s (2001), fazendo com que o indivíduo desenvolva significativamente as etapas de leitura é contribuir para a formação de leitores competentes.

A importância de ouvir histórias

Ouvir histórias é um acontecimento tão prazeroso que desperta o interesse das pessoas em todas as idades. Se os adultos adoram ouvir uma boa história, um “bom causo”, a criança é capaz de se interessar e gostar ainda mais por elas, já que sua capacidade de imaginar é mais intensa.

A narrativa faz parte da vida da criança desde quando bebê, através da voz amada, dos acalantos e das canções de ninar, que mais tarde vão dando lugar às cantigas de roda, a narrativas curtas sobre crianças, animais ou natureza. Aqui, crianças bem pequenas, já demonstram seu interesse pelas histórias, batendo palmas, sorrindo, sentindo medo ou imitando algum personagem. Neste sentido, é fundamental para a formação da criança que ela ouça muitas histórias desde a mais tenra idade.

O primeiro contato da criança com um texto é realizado oralmente, quando o pai, a mãe, os avós ou outra pessoa conta-lhe os mais diversos tipos de histórias. A preferida, nesta fase, é a história da sua vida. A criança adora ouvir como foi que ela nasceu, ou fatos que aconteceram com ela ou com pessoas da sua família. À medida que cresce, já é capaz de escolher a história que quer ouvir, ou a parte da história que mais lhe agrada. É nesta fase, que as histórias vão tornando-se aos poucos mais extensas, mais detalhadas.

A criança passa a interagir com as histórias, acrescenta detalhes, personagens ou lembra de fatos que passaram despercebidos pelo contador. Essas histórias reais são fundamentais para que a criança estabeleça a sua identidade, compreender melhor as relações familiares. Outro fato relevante é o vínculo afetivo que se estabelece entre o contador das histórias e a criança. Contar e ouvir uma história aconchegado a quem se ama é compartilhar uma experiência gostosa, na descoberta do mundo das histórias e dos livros.

Algum tempo depois, as crianças passam a se interessar por histórias inventadas e pelas histórias dos livros, como: contos de fadas ou contos maravilhosos, poemas, ficção, etc. Têm nesta perspectiva, a possibilidade de envolver o real e o imaginário que de acordo com Sandroni & Machado (1998, p.15) afirmam que “os livros aumentam muito o prazer de imaginar coisas. A partir de histórias simples, a criança começa a reconhecer e interpretar sua experiência da vida real”.

É importante contar histórias mesmo para as crianças que já sabem ler, pois segundo Abramovich (1997, p.23) “quando a criança sabe ler é diferente sua relação com as histórias, porém, continua sentindo enorme prazer em ouvi-las”. Quando as crianças maiores ouvem as histórias, aprimoram a sua capacidade de imaginação, já que ouvi-las pode estimular o pensar, o desenhar, o escrever, o criar, o recriar. Num mundo hoje tão cheio de tecnologias, onde as informações estão tão prontas, a criança que não tiver a oportunidade de suscitar seu imaginário, poderá no futuro, ser um indivíduo sem criticidade, pouco criativo, sem sensibilidade para compreender a sua própria realidade.

Portanto, garantir a riqueza da vivência narrativa desde os primeiros anos de vida da criança contribui para o desenvolvimento do seu pensamento lógico e também de sua imaginação,que segundo Vigotsky (1992, p.128) caminham juntos: “a imaginação é um momento totalmente necessário, inseparável do pensamento realista.”. Neste sentido, o autor enfoca que na imaginação a direção da consciência tende a se afastar da realidade. Esse distanciamento da realidade através de uma história por exemplo, é essencial para uma penetração mais profunda na própria realidade: “afastamento do aspecto externo aparente da realidade dada imediatamente na percepção primária possibilita processos cada vez mais complexos, com a ajuda dos quais a cognição da realidade se complica e se enriquece. (VIGOTSKY, 1992, p.129) ”.

O contato da criança com o livro pode acontecer muito antes do que os adultos imaginam. Muitos pais acreditam que a criança que não sabe ler não se interessa por livros, portanto não precisa ter contato com eles. O que se percebe é bem ao contrário. Segundo Sandroni & Machado (2000, p.12) “a criança percebe desde muito cedo, que livro é uma coisa boa, que dá prazer”. As crianças bem pequenas interessam-se pelas cores, formas e figuras que os livros possuem e que mais tarde, darão significados a elas, identificando-as e nomeando-as.

É importante que o livro seja tocado pela criança, folheado, de forma que ela tenha um contato mais íntimo com o objeto do seu interesse.A partir daí, ela começa a gostar dos livros, percebe que eles fazem parte de um mundo fascinante, onde a fantasia apresenta-se por meio de palavras e desenhos. De acordo com Sandroni & Machado (1998, p.16) “o amor pelos livros não é coisa que apareça de repente”. É preciso ajudar a criança a descobrir o que eles podem oferecer. Assim, pais e professores têm um papel fundamental nesta descoberta: serem estimuladores e incentivadores da leitura.
A literatura e os estágios psicológicos da criança
Durante o seu desenvolvimento, a criança passa por estágios psicológicos que precisam ser observados e respeitados no momento da escola de livros para ela. Essas etapas não dependem exclusivamente de sua idade, mas de acordo com Coelho (2002) do seu nível de amadurecimento psíquico, afetivo e intelectual e seu nível de conhecimento e domínio do mecanismo da leitura. Neste sentido, é necessária a adequação dos livros às diversas etapas pelas quais a criança normalmente passa. Existem cinco categorias que norteiam as fases do desenvolvimento psicológico da criança: o pré-leitor, o leitor iniciante, o leitor-em-processo, o leitor fluente e o leitor crítico.

O pré-leitor: categoria que abrange duas fases.Primeira infância (dos 15/17 meses aos 3 anos) Nesta fase a criança começa a reconhecer o mundo ao seu redor através do contato afetivo e do tato. Por este motivo ela sente necessidade de pegar ou tocar tudo o que estiver ao seu alcance. Outro momento marcante nesta fase é a aquisição da linguagem, onde a criança passa a nomear tudo a sua volta. A partir da percepção da criança com o meio em que vive, é possível estimulá-la oferecendo-lhe brinquedos, álbuns, chocalhos musicais, entre outros. Assim, ela poderá manuseá-los e nomeá-los e com a ajuda de um adulto poderá relacioná-los propiciando situações simples de leitura.

Segunda infância (a partir dos 2/3 anos) É o início da fase egocêntrica. Está mais adaptada ao meio físico e aumenta sua capacidade e interesse pela comunicação verbal. Como interessa-se também por atividades lúdicas, o “brincar”com o livro será importante e significativo para ela.

Nesta fase, os livros adequados, de acordo com Abramovich (1997) devem apresentar um contexto familiar, com predomínio absoluto da imagem que deve sugerir uma situação. Não se deve apresentar texto escrito, já que é através da nomeação das coisas que a criança estabelecerá uma relação entre a realidade e o mundo dos livros.

Livros que propõem humor, expectativa ou mistério são indicados para o pré-leitor.

A técnica da repetição ou reiteração de elementos são segundo Coelho (2002, p.34) “favoráveis para manter a atenção e o interesse desse difícil leitor a ser conquistado”. O leitor iniciante (a partir dos 6/7 anos) Essa é a fase em que a criança começa a apropriar-se da decodificação dos símbolos gráficos, mas como ainda encontra-se no início do processo, o papel do adulto como “agente estimulador” é fundamental.

Os livros adequados nesta fase devem ter uma linguagem simples com começo, meio e fim. As imagens devem predominar sobre o texto. As personagens podem ser humanas, bichos, robôs, objetos, especificando sempre os traços de comportamento, como bom e mau, forte e fraco, feio e bonito. Histórias engraçadas, ou que o bem vença o mal atraem muito o leitor nesta fase. Indiferentemente de se utilizarem textos como contos de fadas ou do mundo cotidiano, de acordo com Coelho (ibid, p. 35) “eles devem estimular a imaginação, a inteligência, a afetividade, as emoções, o pensar, o querer, o sentir”.

O leitor-em-processo (a partir dos 8/9anos) A criança nesta fase já domina o mecanismo da leitura. Seu pensamento está mais desenvolvido, permitindo-lhe realizar operações mentais. Interessa-se pelo conhecimento de toda a natureza e pelos desafios que lhes são propostos. O leitor desta fase tem grande atração por textos em que haja humor e situações inesperadas ou satíricas. O realismo e o imaginário também agradam a este leitor. Os livros adequados a esta fase devem apresentar imagens e textos, estes, escritos em frases simples, de comunicação direta e objetiva. De acordo com Coelho (2002) deve conter início, meio e fim. O tema deve girar em torno de um conflito que deixará o texto mais emocionante e culminar com a solução do problema.

O leitor fluente (a partir dos 10/11 anos) O leitor fluente está em fase de consolidação dos mecanismos da leitura. Sua capacidade de concentração cresce e ele é capaz de compreender o mundo expresso no livro. Segundo Coelho (2002) é a partir dessa fase que a criança desenvolve o “pensamento hipotético dedutivo” e a capacidade de abstração. Este estágio, chamado de pré-adolescência, promove mudanças significativas no indivíduo. Há um sentimento de poder interior, de ver-se como um ser inteligente, reflexivo, capaz de resolver todos os seus problemas sozinhos. Aqui há uma espécie de retomada do egocentrismo infantil, pois assim como acontece com as crianças nesta fase, o pré-adolescente pode apresentar um certo desequilíbrio com o meio em que vive.

O leitor fluente é atraído por histórias que apresentem valores políticos e éticos, por heróis ou heroínas que lutam por um ideal. Identificam-se com textos que apresentam jovens em busca de espaço no meio em que vivem, seja no grupo, equipe, entre outros.É adequado oferecer a esse tipo de leitor histórias com linguagem mais elaborada. As imagens já não são indispensáveis, porém ainda são um elemento forte de atração. Interessam-se por mitos e lendas, policiais, romances e aventuras. Os gêneros narrativos que mais agradam são os contos, as crônicas e as novelas.

O leitor crítico (a partir dos 12/13 anos) Nesta fase é total o domínio da leitura e da linguagem escrita. Sua capacidade de reflexão aumenta, permitindo-lhe a intertextualização. Desenvolve gradativamente o pensamento reflexivo e a consciência crítica em relação ao mundo. Sentimentos como saber, fazer e poder são elementos que permeiam o adolescente. O convívio do leitor crítico com o texto literário, segundo Coelho (2002, p.40) “deve extrapolar a mera fruição de prazer ou emoção e deve provocá-lo para penetrar no mecanismo da leitura”.

O leitor crítico continua a interessar-se pelos tipos de leitura da fase anterior, porém, é necessário que ele se aproprie dos conceitos básicos da teoria literária. De acordo com Coelho (ibid, p.40) a literatura é considerada a arte da linguagem e como qualquer arte exige uma iniciação. Assim, há certos conhecimentos a respeito da literatura que não podem ser ignorados pelo leitor crítico.

Conclusão

Desenvolver o interesse e o hábito pela leitura é um processo constante, que começa muito cedo, em casa, aperfeiçoa-se na escola e continua pela vida inteira. Existem diversos fatores que influenciam o interesse pela leitura. O primeiro e talvez mais importante é determinado pela “atmosfera literária” que, segundo Bamberguerd (2000, p.71) a criança encontra em casa. A criança que houve histórias desde cedo, que tem contato direto com livros e que seja estimulada, terá um desenvolvimento favorável ao seu vocabulário, bem como a prontidão para a leitura.

De acordo com Bamberguerd (2000) a criança que lê com maior desenvoltura se interessa pela leitura e aprende mais facilmente, neste sentido, a criança interessada em aprender se transforma num leitor capaz. Sendo assim, pode-se dizer que a capacidade de ler está intimamente ligada a motivação. Infelizmente são poucos os pais que se dedicam efetivamente em estimular esta capacidade nos seus filhos. Outro fator que contribui positivamente em relação à leitura é a influência do professor. Nesta perspectiva, cabe ao professor desempenhar um importante papel: o de ensinar a criança a ler e a gostar de ler.

Professores que oferecem pequenas doses diárias de leitura agradável, sem forçar, mas com naturalidade, desenvolverão na criança um hábito que poderá acompanhá-la pela vida afora. Para desenvolver um programa de leitura equilibrado, que integre os conteúdos relacionados ao currículo escolar e ofereça uma certa variedade de livros de literatura como contos, fábulas e poesias, é preciso que o professor observe a idade cronológica da criança e principalmente o estágio de desenvolvimento de leitura em que ela se encontra. De acordo com Sandroni & Machado (1998, p.23) “o equilíbrio de um programa de leitura depende muito mais do bom senso e da habilidade do professor que de uma hipotética e inexistente classe homogênea”.

Assim, as condições necessárias ao desenvolvimento de hábitos positivos de leitura, incluem oportunidades para ler de todas as formas possíveis. Frequentar livrarias, feiras de livros e bibliotecas são excelentes sugestões para tornar permanente o hábito de leitura.

Num mundo tão cheio de tecnologias em que se vive, onde todas as informações ou notícias, músicas, jogos, filmes, podem ser trocados por e-mails, cd’s e dvd’s o lugar do livro parece ter sido esquecido. Há muitos que pensem que o livro é coisa do passado, que na era da Internet, ele não tem muito sentido. Mas, quem conhece a importância da literatura na vida de uma pessoa, quem sabe o poder que tem uma história bem contada, quem sabe os benefícios que uma simples história pode proporcionar, com certeza haverá de dizer que não há tecnologia no mundo que substitua o prazer de tocar as páginas de um livro e encontrar nelas um mundo repleto de encantamento.

Se o professor acreditar que além de informar, instruir ou ensinar, o livro pode dar prazer, encontrará meios de mostrar isso à criança. E ela vai se interessar por ele, vai querer buscar no livro esta alegria e prazer. Tudo está em ter a chance de conhecer a grande magia que o livro proporciona. Enfim, a literatura infantil é um amplo campo de estudos que exige do professor conhecimento para saber adequar os livros às crianças, gerando um momento propício de prazer e estimulação para a leitura.

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Fonte: Portal R7 - Brasil Escola

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A literatura sob o fogo dos memes
Alceu A. Sperança*

Certame bienal que às vezes acontecia anualmente, em seguida só depois de três anos, agora com um intervalo de sete, o Concurso Literário Celso Formighieri Sperança voltou com força em 2018. Nesta nona edição, ofereceu ampla premiação, revelou talentos de várias partes do país, rendeu uma coletânea de alta qualidade e prometeu que em 2020 tem mais.
Antes do concurso, iniciado em 1994 por Fidelcino Tolentino, além de contos e poesias as crônicas também ganhavam prêmios. Elas ficaram populares nos movimentos, como as ditaduras agora são chamadas, em forçado exercício de revisionismo histórico-histérico.
O clima pesado na época aconselhava textos leves e sutis – e aí reinavam as crônicas. Fernando Sabino, Paulo Mendes e Humberto de Campos, digamos. Mais pesados, os contos ostentavam bossa, estilo, entrelinhas e metáforas: Rubem Fonseca, Clarice Lispector, Dalton Trevisan.
Com a lenta democratização pós-Tancredo, patinando no mesmo metro de gelo ou andando para trás, acabou a diferença entre conto e crônica. Um conto pode ser leve e a crônica mais densa. Além de sumir a diferença entre conto e crônica, a TV infectou a mídia impressa. Colunistas de amenidades fazem letra que mancha papel soar na cabeça como texto de TV. Depois se admiram de perder leitores nas bancas!
Com as redes sociais, até os textos suaves já pareciam pesados demais. Triunfaram os rsss e kkks. A receita de bolo que denunciava censura à imprensa agora é a matéria principal de uma edição: “Saiba como preparar um risoto”. Na página de cultura, “Carlos rouba um beijo de Maria na trama das nove”. Depois se assustam com as assinaturas canceladas!
Lendo jornais sem reportagens e muitas fofocas, com matérias tuitadas pelo rei, sem ouvir o outro lado nem expor o contraditório, o leitor se sente jogado no clima de Fahrenheit 451, a obra-prima de Ray Bradbury: os impressos são queimados porque trazem o pecado mortal de revelar a visão pessoal ou de comunidade do autor, coisa que só o rei pode ter e impor ao reino.
O pensamento escrito é criminoso, diz o rei, porque o debate desune as pessoas. Melhor obrigá-las à felicidade de não ler nem discutir – só ouvir basta. Quando falar, basta repetir o que ouviram das agências controladoras do pensamento. Ou seja, as tosquices disparadas aos milhões e hipnoticamente por algoritmos e robôs. Ir fundo numa questão é se candidatar a uma rajada do lança-chamas dos bombeiros tuiteiros de Fahrenheit 451.
O título da obra de Bradbury se refere à temperatura necessária para destruir um livro completamente. Inicialmente ele achava que a TV iria dominar as mentes e os corações humanos. Quando morreu, em 2012, já sabia que algoritmos robotizados controlariam as opiniões nas redes sociais, delas se alastrando pela política e a sociedade como pragas.
Resta o conforto de ver que ao menos em concursos bienais de literatura existe alguma diversidade para além das imagens em vertiginosa sequência e a profusão de memes indigentes.
....
* Escritor
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Lava-Jato, a caixa de Pandora

 Alceu A. Sperança*


A Operação Lava-Jato, atacada por tecnicalidades não desprezíveis mas moralmente defensável, é fruto da aversão popular à corrupção. Ela abriu a sangria que derrubou até o idealizador de seu estancamento – o senador Romero Jucá. Na superfície, a sangria consiste em fazer a economia nacional virar caso de polícia e impedir empresários em desgraça de celebrar contratos com o poder público, afetando reputações, empregos e obras de infraestrutura.

No subterrâneo dessa patriótica preocupação, o desejo de evitar que o MDB e outros vetores das coalizões montadas no franciscanismo invertido (“é recebendo que se dá”) fossem arrastados de vez pela onda moralista, que empurrou o presidente Michel Temer para um nível de impopularidade ainda pior que o da ex-presidente deposta.

A chapa Dilma-Temer sangrou fortemente, até a inanição administrativa que paralisou o governo e as botas de cimento que brecaram a ex-presidente de decolar ao Senado. Faz parte da sangria o lamento de que o Brasil não repetirá mais os pibões anteriores à mãe das crises – que arruinou a ditadura no quinquênio 1980-1984 –, nem dos voos de galinha encerrados em 2010, quando passa a se esgotar o superciclo das commodities.

Antes da LJ, argumentos diversos se apresentavam para explicar o atraso nacional: patrimonialismo, sangue índio, pele amorenada, colonização lusa... Aí ela surgiu, caixa de Pandora e muleta que explica ou justifica quase tudo: desindustrialização, queda na armadilha da renda média, desigualdade, fim do bônus demográfico, infraestrutura paralisada, queda nos investimentos, zika, sarampo... e agora até a democracia ameaçada pelo fascismo!

É verdade, porém, que tudo tem consequências. Em 1767, o Marquês de Pombal conseguiu dar fim ao “mecanismo” estabelecido pelos jesuítas para explorar a Amazônia e seus povos. Abriu então uma “sangria” que culminou com a demonização e expulsão dos padres.

A “Operação Fora Jesuítas” deu na desorganização da sociedade e da economia regional. Como as empreiteiras que antes da LJ comandavam a dinâmica das obras no país, os jesuítas treinavam, coordenavam e exploravam a totalidade da cadeia de produção das lucrativas drogas da selva.

Banidos, deixaram o vazio de uma longa crise na economia – sangria que só foi estancada com o ciclo da borracha. Este, aliás, não veio por indução do Estado nem pelas livres forças do mercado, pois o grudento e sujo látex era mais desprezado que corrupto após condução coercitiva. Seu uso positivo só começou com o equivalente a uma experimentação marginal que deu em luvas e botas impermeáveis. Só então Pandora abre campo à cornucópia.

Mudanças radicais quebram ovos para fazer fritadas. A LJ, ao passar o rodo emborrachado no “sistema” (ou “mecanismo”), alguma coisa limpou, mas a sangria continua. Há feridas abertas e fortunas surrupiadas a devolver. Virá um novo ciclo de robustez na economia? Com pesquisa e ciência talvez o Brasil possa criar luvas e botas impermeáveis à umidade da LJ, à lama da corrupção e ao grudento atraso.
(Fonte: Jornal do Brasil, 9/11/2018)
* Escritor paranaense
alceusperanca@ig.com.br
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“Nós? Quem, cara-pálida?”
Alceu A. Sperança*
 Depois de uma renhida batalha e perseguidos pelo grosso da força de combate Sioux, Zorro e seu fiel parceiro índio Tonto são encurralados à beira de um precipício. “A situação é desesperadora, Tonto, mas nós resistiremos até a morte!”, grita Zorro, heroicamente. “Nós? Nós, quem, cara-pálida?”, retruca o índio, juntando-se aos demais guerreiros.

Gentil senhora, que provavelmente deixou os netos se divertindo num parquinho sem a castradora supervisão adulta, aborda quem passa pela Estação Rodoviária. Entrega a todos um pequeno folheto estampando um girassol jogado na terra e o título: “Todos somos culpados”. Nós todos, quem, senhora cara-pálida?

A explicação para tão totalitário julgamento é dada por alguns versículos de uma carta escrita na Grécia, veja logo onde!, pelo apóstolo Paulo. Tirado do contexto (uma carta dirigida aos cidadãos romanos em algum momento entre os anos 51 e 58), o título do folheto parece nos acusar de termos, todos nós, causado a pior crise capitalista de todos os tempos.

Devagar aí, cara-pálida: foram os financistas, criadores de dívidas alheias, familiares e nacionais, que produziram o megadesastre. Jogar nas costas de “todos” a culpa e forçar-nos todos ao sacrifício para resolvê-lo é tão absurdo quanto punir o jogador que sofreu o pênalti. É pretender que Tonto seja também massacrado pelos guerreiros Sioux.

De acordo com essa balela, já que “todos” somos culpados, é também preciso que “todos” se sacrifiquem para reconstruir a homeostase necessária à reimplantação do “reino dos céus” ambicionado pelos flibusteiros financistas que produzem crises. Um reino em que só eles reinam, saboreando as delícias do paraíso, e 99,9% ralam para sustentar seu imerecido fausto.

Essa lorota lembra outra – a farsa de que “o povo” elege os desastrados e corruptos governantes que para resolver a crise metem a mão no meu, no seu, no nosso, no bolso de todos. De todos? Na verdade, menos no bolso protegido dos miliardários que criaram a barafunda toda – os tais “caras mais espertos da sala”. Eles dominam a mídia, financiam as campanhas eleitorais, criam leis e contam com armas públicas e privadas para zelar por sua segurança. Jamais perdem, só ganham.

É malandragem afirmar que o “povo” escolhe os governantes e a maioria parlamentar que aprova as leis e projetos provenientes da casta dominante. Quem escolhe os candidatos é uma pequena máfia de endinheirados que pagam as contas das siglas. O partido, com seu nome pomposo, em geral o contrário da verdadeira intenção, é usado pelos mandachuvas para impor as candidaturas de seus moleques de recado – os “contínuos” que vão fazer as tarefas por eles, desde tramas para extrair riqueza dos cofres públicos até limpar a latrina, contábil e juridicamente, quando os escândalos vêm à tona. Com essa fórmula, sempre se elegem a si mesmos.

É um velho cinismo. A revista A Lanterna Mágica, redigida em 1844 solitária e anonimamente pelo escritor, pintor, arquiteto, cenógrafo, poeta, dramaturgo, ensaísta e, ufa, caricaturista Manuel de Araújo Porto-Alegre (1806-1879), tinha por astro o personagem Robert Macaire. Ladrão, assassino e impostor, Macaire e seu fiel e estúpido cúmplice, Bertrand, faziam uma versão em negativo de Quixote e Sancho Pança ou de Zorro e Tonto.

Fingindo filantropia e aparentando respeitabilidade, o enrolador Macaire discursava contra a corrupção, a ganância e a desonestidade praticada pelos poderosos. De lá para cá, notou-se que a “oposição” moralista e rica do tipo bola da vez é apenas o lado invejoso da mesma moeda encastelada no poder.
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* Escritor
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Escola sem partido. E sem professor
Alceu A. Sperança*


Há um mundaréu de gente reclamando que o Projeto Escola sem Partido é um atraso de vida. Balela. Embora sem outro propósito a não ser desviar a atenção de coisas importantes (auditoria na dívida pública; averiguar o que deu errado com a flexinsegurança laboral na Europa; e nova Assembleia Nacional Constituinte para refundar a República), o Sem Partido é um projeto muito interessante e esclarecedor.
O mérito do projeto é mostrar subliminarmente, mas com nímia clareza, que a estrutura de ensino brasileiro sempre esteve a serviço de um partido único: o capitalismo, hoje na fase mais formidável de sua história de dois séculos, que podemos chamar de neoliberalismo crítico (mais crise que liberalismo).
Um partido único domina a estrutura de ensino no Brasil desde a “MP” (medida permanente) de Pombal, em 1758, reforma do ensino tão radical que proibiu os brasileiros de falar o próprio idioma. Fomos obrigados somente ao idioma do invasor luso, ao contrário dos paraguaios, que também falam o idioma do invasor espanhol mas têm direito à língua do povo – o Guarani.
Os EUA têm seis idiomas. A Espanha tem cinco oficiais. Suíça, Áustria e Singapura, quatro. Bélgica e Dinamarca, três. Canadá e Finlândia, dois. Muitos têm só um idioma oficial porque o povo sempre falou aquela língua depois que a nação se constituiu ou unificou, como Alemanha, Itália e França.
Muito além do esclarecedor Projeto Escola sem Partido, prestes a fracassar porque o partido único seguirá dominando a escola brasileira, aponta ali na esquina a escola sem professores. A Universidade 42, cujo primeiro campus emergiu em Paris, em 2013, com Xavier Niel, acaba de criar um segundo campus, agora no Vale do Silício, na Califórnia. Mais uma vez a Europa ocupando a América.
Não tem professores e também não é paga. O nome-número é uma referência ao Guia do Mochileiro das Galáxias, de Douglas Adams, para o qual o sentido da vida e a resposta para tudo estão no número 42. Mas Adams nem sob tortura explica por quê. O ponto de partida na Universidade 42 já é conhecido em boas escolas convencionais: ensino colaborativo e aprendizagem por projetos. Inovador? Muitos professores já fazem isso há um tempão, desde pelo menos Aristóteles, o filósofo grego.
Como em jogos de computador, os estudantes avançam no curso em níveis ou fases e competem com um mesmo projeto. Formam-se ao atingir o nível 21 (os outros 21 na vida completarão os 42) e isso geralmente leva de três a cinco anos, período em que deixam de ser receptores passivos de conhecimento e desenvolvem uma ânsia de saber e inventar que os acompanhará pela vida afora. Ao concluir o curso, recebem um trivial e nada inovador certificado.
A escola sem professores é defendida por mestres como Phil Race, para quem os assuntos difíceis são mais fáceis de entender quando explicados por alguém que os aprendeu sozinho, sem ajuda. Alheio aos projetistas da sem partido, Dan Butin, reitor da escola de Educação e Política Social do Merrimack College (Massachusetts) defende que o aprendizado colaborativo e por projetos ocupe todos os colégios e universidades.
Butim supõe, entretanto, que não é preciso abolir os professores. Eles sempre serão úteis e necessários. Com eles e sem o partido único que desgraça o ensino (e o mundo) poderemos finalmente começar uma era sem crises.  
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* Escritor
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Ocupar, o verbo da moda
Alceu A. Sperança*
O mundo atual resulta de uma sucessão de fatores que evoluíram desde o remoto comunitarismo primitivo. Passando pelo escravismo, o feudalismo e as já descartadas etapas do capitalismo “selvagem” (séculos XVIII e XIX) e “social-democrata” (século XX) chegaram ao presente capitalismo crítico neoliberal de hoje (com mais crise que liberalismo).
Desde aqueles tempos a esta parte, um verbo sempre se faz presente: ocupar. A história mundial pode ser resumida por uma série ininterrupta de ocupações – uma ocupação atrás da outra. Os frutos de tantas ocupações deram na mais avançada etapa da sociedade humana, para o bem (formidável evolução científica) e para o mal (a neoescravidão).
Não há porque estranhar que os jovens comecem a ocupar seu lugar nesse mundo, para aproveitar o bem e enfrentar a parte do “para o mal”. Ao ocupar as duvidosas escolas brasileiras, onde todos dizem que algo precisa ser feito mas o que se faz é sempre desastroso, os jovens brasileiros apenas reagem à paralisia econômica, à repressão aos movimentos sociais, à apatia dos omissos, à indiferença dos cínicos e à impotência dos que desistiram.
É uma reação ainda tímida, que até poderá ser sufocada por apatia, omissão, indiferença, repressão e impotência. Mas, a rigor, apenas segue uma onda geral: a ocupação. Ainda que mitigada, do tipo vampiro sugando sangue soprando para não doer, ela é regra geral aqui desde que os portugueses ocuparam as costas de Pindorama.
No capitalismo da atual fase crítica neoliberal (ou neoescravidão), depois de crescer poderosamente nas fases anteriores, as grandes corporações financeiras, comerciais e industriais ocupam as vidas humanas. Famílias endividadas ocupadas pelos bancos. Bilhões de vidas atreladas via grana e ideologia às transnacionais, como já se viu desde a crônica de Paulo Guilherme Martins – Um Dia na Vida de Brasilino (1961).
Com a gentrificação, ocupam os lugares nos quais o povo morava. Religiosos que outrora só pensavam nas coisas “divinas” ocupam mandatos eleitorais para favorecer os ricos, combinando teocracia e plutocracia. Ocupando a economia, os tubarões do capitalismo liberal crítico arrematam pequenas lojas, marcas e indústrias. O peixe maior engole o menor.
Ocupar é sempre a regra. Toda a economia colonial veio de ocupações – o Brasil é produto incontestável de uma vastíssima ocupação promovida primeiramente pelo reino português e depois pelos banqueiros britânicos. O que é a dívida pública, aquela que nunca viu a cor de uma auditoria, a não ser uma consequência dessas ocupações?
É cinismo criticar os meninos por ocupar escolas que danam suas vidas quando os tubarões chegam e ocupam tudo no mesmo ritmo em que os peixinhos pequenos disputam as minhocas presas nos anzóis. Competindo entre si quando deveriam se unir, os “peixinhos” Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela fazem o contrário: desocupam.
Há quase 40 anos criaram a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) para usar em benefício de seus povos a imensa riqueza da biodiversidade. No entanto, a maioria dos projetos são desenvolvidos lá por “ocupantes” de outros continentes para o bem alheio.
A “Otan” amazônica vai mal das pernas porque alguém bateu forte o pé e assustou os lambaris: “Caso o Brasil resolva fazer uso da Amazônia de forma que ponha em risco o meio ambiente nos Estados Unidos, temos que estar prontos para interromper esse processo imediatamente”, disse o general Patrick Hughes, chefe do Órgão Central de Informações das Forças Armadas gringas. É gente com vasta experiência em ocupações.
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* Escritor ////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

Povo enganado e Operação Sincerina
Alceu A. Sperança*
O Brasil é vítima de uma velha lei, segundo a qual o governante precisa fazer “muito espalhafato” (autopropaganda e criação de factoides). Ela consta em carta de Pedro I ao ministro João Severiano Maciel da Costa, recuperada pelo historiador Octávio Tarquínio de Sousa: “Não preciso recomendar-lhe que faça muito espalhafato (...); já governou e sabe muito bem como se engana o povo...”
O reinado de Pedro acabou ingloriamente. Foi-se também o segundo Pedro, na quartelada republicana de 15 de novembro. Vieram etapas republicanas pouco republicanas, ditaduras e redemocratizações que deram em democraduras (Dutra, Juscelino) talvez porque sempre se manteve a regra do espalhafato publicitário.
Que, aliás, Pedro I aprendeu com os antepassados. O pai, João VI, passou a perna até em Napoleão Bonaparte. A mãe, Maria I, A Louca, proibiu a indústria nacional, e se nota que ela continua proibida. Seu espírito ganhou um revival com o fracasso da política econômica da ditadura de 1º de abril, estendendo-se até o atual Big Center (Centrão, para os íntimos), que já governa há mais de 30 anos sem que a população perceba, pois a imprensa também ignora isso.
O bisavô, José I, “O Reformador”, autorizou a “MP” da reforma do ensino pombalina que liquidou a cultura brasileira em 1758, proibindo os brasileiros até de falar o próprio idioma. E assim, entra governo e sai governo, a lei elementar da governança continua o espalhafato. As bombásticas e escravizantes MPs e PECs que o digam.
O governo, a mídia, os eventos, todos se prestam ao exercício de enganar o povo com notícias manipuladas, inventadas ou ocultação delas, como as causas da dívida pública. Vide a balela de que a dívida estava paga e a empulhação de que mais vinte anos de Centrão autorizados por emenda constitucional vão levar o Brasil ao paraíso.
Depois de séculos de enganação, o povo brasileiro merecia um pouco de verdade, que a duras penas emana da Operação Lava Jato, mas muito governante anseia criar espalhafato para cortar as asas da PF e da Justiça antes que ponham abaixo grandes personagens vivos da República.
Ainda há tanta mentira circulando, tanto espalhafato fazendo simulações e enrolando a massa, que o Brasil merecia uma Lava Jato permanente – uma Operação Sinceridade. Ou Sincerina – se podemos apelidar assim a Sericina, curiosa matéria-prima que antes de tomar uma lava-jatada científica era um antro de corrupção.
Sericina é a gosma grudenta do casulo do bicho-da-seda. Ela poluía seriamente as águas no processo de beneficiamento da seda, mas agora os cientistas descobriram como transformá-la em auspiciosa solução.
Numa espécie de “delação premiada” que permite capturar tudo que é tóxico e destrutivo, de um lado, e de outro separar e valorizar metais nobres e valiosos, a Sericina foi presa pelos químicos Thiago Lopes da Silva e Meuris Gurgel da Silva, da Universidade Estadual de Campinas. Após um exitoso inquérito confessou que pode limpar a água, removendo metais tóxicos em estações de tratamento.
A combinação da Sericina com Alginato, derivado de algas marinhas, captura da água metais tóxicos como cromo, cádmio, zinco ou chumbo. E também separa metais preciosos como prata, ouro, paládio e platina, recuperando esses metais onde aparecem em concentrações baixas. Uma “Operação Sincerina”, capaz de combater com eficácia a corrupção e valorizar o que presta, é certamente o que ainda nos falta.
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* Escritor/////////////////////////////////////////////////////////////////////////
Ising e o paraíso incompleto
Alceu A. Sperança*

Para prestigiar o cinema nacional, alguém sugere assistir ao filme O Outro Lado do Paraíso, de André Ristum. Uma voz preconceituosa se ergue para dizer: “Deve ser mais uma arenga sobre o poder da fé, uma paulo-coelhice do gênero”. Como não se pode julgar o livro pela capa, também é burrice prejulgar um filme com base em rancores e desprezos.
Ao fim da exibição, o déjà-vu. Já passamos pelo golpe que o filme documenta, vimos quanta angústia decorre de um projeto de país e sociedade que depois de juntar entusiasmo, como nas “reformas de base” de Jango, vai se desvanecer sob fúria, violência e intolerância. O tempo passa, o tempo rola e aquele projeto de Brasil do Povo não decola.
Só cresce um imenso estado de impotência e desânimo, como se viu nas eleições, com farta abstenção, nulidade e a vitória dos partidos implicados na Lava Jato. As urnas misturam desalento e credulidade, sem trazer soluções ao nosso povo admirável, que, bem dizia Paranhos, o Barão do Rio Branco, “é muito melhor do que os homens das classes dirigentes”. Mas por conta das artimanhas do Big Center (Centrão, para os íntimos), os brasileiros ainda estão presos ao velho script “progressista” de escolher o “menos pior”.
 Ao narrar a história do menino Nando, que aprendeu política inspirado na vida do pai Antônio Trindade, Outro Lado do Paraíso insinua que não há um nirvana pronto e acabado para quem têm fé: tudo dependerá de trabalho para o sustento material, solidariedade humana e muito estudo.
Nando desde criança vive agarrado aos livros, ama e vai inspirar a criação da primeira biblioteca da periferia do paraíso brasiliense. No futuro será um escritor sempre confiante e combativo, lado a lado com o povo brasileiro para que mais bibliotecas venham a esparramar informação e cultura pelo paraíso ainda incompleto.
Nando vive a juventude sob o tacão de uma ditadura e testemunha que depois dela também não virá um automático paraíso: emerge uma falsa democracia, uma onça de papel – mas o laborioso pai o ensinou a não desistir de lutar. Terá que trabalhar por um país melhor, sem desânimo.
O que aconteceria se a proibição imposta pela ditadura nazista ao físico judeu alemão Ernst Ising significasse o fim das pesquisas sobre a teoria do magnetismo? Se desanimasse, talvez hoje não fosse possível criar um novo e fantástico tipo de computador, capaz de resolver problemas que sequer supercomputadores conseguem.
O trabalho teórico de Ising resistiu e agora já não é só teoria: duas equipes de cientistas – no Japão e nos EUA – construíram o que batizaram de Máquina de Ising, em homenagem ao idealizador do modelo matemático do magnetismo. A geringonça, ainda a caminho de ficar pronta, funciona como rede reprogramável de ímãs artificiais que atuam como efetivo sistema magnético. É um mundo novo brotando.
A velha desgraça do povo brasileiro de novamente sofrer uma crise destrutiva em sua economia e suportar as “soluções” enganosas vindas com MPs e PECs conseguirá abalar nosso ânimo? Depois de tantas derrotas será possível construir um Brasil próspero também para o povo e não só para aqueles 1% que sempre se locupletam? Venceremos a ruína da crise sistêmica e as armadilhas do Big Center?
Sim, se pensarmos como os seguidores do sábio Ising, que agora conseguiram montar na realidade o novo e maravilhoso computador que sua teoria antecipou. O paraíso, enfim, não virá sem trabalho duro para concretizá-lo.
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* Escritor

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PEC pecaminosa e Medida Pombal
Alceu A. Sperança*
O traço mais evidente da história do Brasil é a crueldade com que o povo é sempre explorado até o limite de suas forças pelos grupos que dominam o território, a cultura, as leis, absorvem as riquezas e garantem a seu favor a estrutura governamental. Uma raríssima vez em que os explorados levaram alguma vantagem foi na primavera de 1835, quando começou o transporte público via barcas a vapor entre as cidades do Rio de Janeiro e Niterói. Os brancos pagavam 100 réis pela passagem. Os escravos, apenas 80...
Milhões de índios, os primeiros povos brasileiros, foram escravizados pela combinação de força militar e catequese lusitana, minguando via genocídio. Eles e outros vários milhões de escravos trazidos da África, se tivessem as mesmas oportunidades dos exploradores, poderiam ter oferecido ao mundo o povo que Darcy Ribeiro supôs: uma gente bela, feliz, culta e rica.
Sob o controle da elite científica patrícia, o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas (INCT-Clima) errou feio ao elaborar o Atlas do Potencial Eólico Brasileiro. Com base em uma fórmula que levava em conta apenas torres de 50 metros de altura, chegou a estimar nosso potencial de geração elétrica em meros 143 gigawatts, seis vezes menor que a capacidade real.
Hoje, sabe-se que torres com mais de cem metros de altura elevam o potencial eólico tecnicamente viável para 880 gigawatts, segundo o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). O potencial do povo brasileiro também é muito maior do que estimou a “zelite” formuladora da famigerada MP do Ensino Médio, que pretende formar gente sob medida para explorar, como se produz chester para consumir no Natal.
Mais uma cria indigesta do Big Center (Centrão, para os íntimos), que governa e endivida crescentemente o Brasil há 30 anos, a provisória do ensino médio lembra a medida permanente do Marquês de Pombal, que numa só penada proibiu o idioma brasileiro, falado pela imensa maioria da população, e deu início à liquidação da cultura genuinamente nacional.
Pombal foi um dos introdutores do capitalismo em Portugal e seu vasto império colonial. Ele acabou com a escravidão, embora a mantivesse intacta no Brasil. Esse fato se deu 130 anos antes da Lei Áurea, em 1758, mesmo ano da “Medida Pombal” que reformou o ensino, obrigando o Português a ser o idioma oficial único em todo o reino e assim proibindo o povo brasileiro de falar a própria língua.
Para George Steiner, “quando um idioma morre, uma forma de entendimento e um jeito de olhar o mundo morrem com ele”. Manter o idioma dos brasileiros virou crime e assim a MP lusitana do ensino matou a língua e a cultura brasileiras.
Além de projetar a capacidade eólica nacional com modelos de torres abaixo de 50 metros e menosprezar o potencial do povo brasileiro em quilômetros, o Big Center marcha para mais vinte anos de poder assegurados com a “geladeira” imposta pela pecaminosa PEC 241.
O pecado da PEC é não cogitar que antes de cortar gastos sociais e pisotear a Constituição social-democrata de 1988 seria possível aumentar a receita auditando a dívida trilionária, combater a sonegação e repatriar fortunas ocultas no exterior lava-jatando os donos das contas.
Claro que isso dá muito trabalho e algum financiador de campanha se arrisca a virar réu. É mais fácil empurrar a PEC pecaminosa goela abaixo desse povo eternamente subestimado em seu potencial.
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* Escritor
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As cascatas do enriquecimento
Alceu A. Sperança*
Assustadoras estatísticas feitas no Primeiro Mundo – felizmente estamos livres desses horrores do hemisfério Norte! – indicam que os policiais, de maneira geral, fazem más escolhas em 50% dos casos que atendem.
Quando uma informação parece impressionante demais, como essa (e achar que a Coreia vai disparar aqueles mísseis em cima da gente – na década de 1960 falavam em Cuba), é aconselhável checar bem antes de engolir a coisa. Nesse caso, porém, a informação vem de um especialista: Michael Merzenich, professor emérito da Universidade da Califórnia (O Paraná, Bisneto de bandido vira anjinho, 31/7). 
Merzenich vende um treinamento que diz melhorar a tomada de decisão. Treinando 20 mil motoristas ativos e aposentados, diz que reduziu pela metade o número de acidentes de trânsito em que se envolviam. Dá medo a sinceridade do cara: assegura que o método faz um sujeito melhorar mas também pode orientá-lo a propósitos egoístas e destrutivos. A julgar pelas grosserias, violências e trapaças que se veem por aí, quem estará aplicando o treinamento?...
Crianças pobres e ignorantes serão adultos amargos e destrutivos se não forem educados para ter um desempenho melhor. “Essas crianças, ao mesmo tempo em que têm o maquinário cerebral de aprendizagem prejudicado, têm acesso a um repertório pobre, que não as prepara para a vida. Claro que acabam malsucedidas. (...) Mas o que a sociedade em geral faz? Culpa-as pelo seu mau desempenho. Culpamos massivamente as crianças com infâncias terríveis por suas experiências. Isso é estúpido”.
Como pobreza é desagradável, faz vomitar e dizem que é tipo virose – “pega” –, melhor mudar para algo mais palatável: a riqueza. Durante os anos do lulismo de conciliação – mandatos compartilhados entre o PT e o líder empresarial José Alencar depois trocado pelo PMDB –, sua oposição (PSDB, Dem, PPS etc) sempre dizia que o problema do Brasil não era a falta de recursos, mas de boa administração.
A cantiga “Tem dinheiro, basta saber administrar” tocou exaustivamente até virar um hit-coxinha, mas aí Temer assumiu e seus associados deram um jeito de cortar da saúde e educação o dinheiro que tinha de sobra e era só administrar melhor... Decidiram com a enregelante PEC dos vinte anos que é melhor doar a “sobra” para a prioridade absoluta do governo: pagar os juros da monstruosa dívida que o lulismo submisso e enrolão achou ter pago.
A opção preferencial pelos ricos adotada pelo filhote das entranhas do lulismo apassivador fica mais clara quando se sabe por que a dívida pública inflou até o nível trilionário, perto de se igualar ao tamanho do PIB. Foi porque o PMDB mexeu os pauzinhos na Constituinte em favor dos banqueiros. Há mais de trinta anos varre a sujeira para baixo do tapete bloqueando a auditoria da dívida e é quem nos governa.
Enriquece daqui, enriquece dali, a opção preferencial pela plutocracia revelada pelo governo que dizia haver dinheiro de sobra e bastava administrá-lo vem coincidir com a segunda fase do enriquecimento isotópico do urânio.
A primeira fase está quase completa – as Indústrias Nucleares do Brasil (INB) já em 2019 atenderão Angra 1 com dez cascatas de ultracentrífugas. A segunda fase do enriquecimento vai formar mais onze cascatas para Angras 2 e 3, viabilizando a exportação do excedente. Já aqui embaixo a cascata congelante da PEC 241 vai dar sequência à milésima fase do empobrecimento do povo brasileiro.
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* Escritor
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No Paraná, baderneiros sem partido
Alceu A. Sperança*
Em época de crise, aparecem discos-voadores, esqueletos de sereias, distrações tipo criar estados e nações, monges milagrosos. E muita doença, física ou mental, curável com remédios incríveis sugeridos com fé no Faithbook. Há, também, a meditação religiosa, tal como a máxima do GPS místico, formulada por Don Juan Matus, o sábio pajé de Carlos Castañeda: ao escolher um caminho, pergunte se ele tem coração. “Se tem, o caminho é bom”.
Pessoas de bom coração não são imunes à ilusão. Entre manter as coisas como estão, mudar para pior ou evoluir, optam pelas duas primeiras, não naturais nem recomendáveis: a paralisia social é desumana – é manter injustiças milenares, que perseguem a humanidade desde o escravismo. E mudar para pior, com PECs e MPs baixadas pelo novo rei da Nação, equivale a odiar os próprios filhos, herdeiros óbvios da piora.
Esse rei tem coração, Don Juan? As minhocas têm. É coração que não acaba mais. Quinze pares de corações. Aí é ser minhoca ou gauche na vida, como o anjo torto recomendou a Drummond. O polvo, um cefalópode (com pés na cabeça) como a lula, tem três corações e deve ser nobre, dado o sangue azul. Teria que odiar sexo, como um conservador de emoções anuladas pelo rancor e o preconceito, já que o macho é castigado com a morte pelos “deuses” marinhos quando aceita o chamado do amor. É amar e em seguida morrer.
O polvo, Don Juan, mesmo tendo três corações foi chamado de “idiota” por Aristóteles. Hoje, filósofos menos capazes tentam qualificar o povo de “idiota”, não por falta de coração – porque são milhões de corações partidos achando que “escola sem partido” é assunto sério. E assim se chocam, siris no balaio, em busca de um caminho e do cardiologista.
Milhões de corações iludidos do Clube do Sargento Pepper acham que algum Don Juan Matus, sábio, pai de todos, qual um velho Vargas Perón Rastafári de Narguilé, brotará magicamente da eleição de 2018 – embora dom Pedro II advertisse, em seu tempo, que “as eleições, como elas se fazem no Brasil, são a origem de todos os nossos males políticos”.
Quando os estudantes secundaristas ocuparam o Colégio Estadual do Paraná, reagindo ao édito imperial vulgarmente conhecido como MP do Ensino Médio, alguém, doutrinado pela velha ideologia dominante de que jovem é burro, “manipulado”, sem coração e maria-vai-com-as-outras, exclamou: “Pronto! Os baderneiros voltaram!”
Algumas horas depois a baderna estava configurada em todas as paredes das escolas ocupadas, numa lista de obrigações dos ocupantes que parece elaborada pela madre superiora de algum convento: nada de bebidas alcoólicas, sem essa de doutrinação partidária etc. Disciplinados, obedientes, seguindo a lista de orientações da Madre Superiora, que “baderneiros” são esses?
Ocupando as escolas, ensinaram ao povo de coração na mão que a escolha está entre propor uma educação evoluída, para formar sábios, ou continuar como está – uma escola dominada pelo mesmo partido único desde que começou a ser formulada, lá atrás, pelo Marquês de Pombal, até virar a fábrica de diplomar analfabetos que é hoje.
Indo fundo ao interrogar Don Juan, o professor Castañeda descobriu que “o caminho leva ao nagual mas o nagual não é o caminho”. O nagual é o vazio, nada a ver com o dia a dia. E assim, no futuro, quando alguém precisar de normas de boa conduta, vai clicar no Google não “Nagual”, mas “Regras da juventude baderneira na ocupação do Colégio Estadual do Paraná”.
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* Escritor
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A nova luz e o camarada Epicuro
Alceu A. Sperança*
  (foto: Gazeta do Povo)
Provavelmente foi o professor Hermógenes Lazier quem apresentou Epicuro, nome grego que se traduz como “Camarada”. Demonstrava que podemos gostar das ideias de alguém, caso de Rafael Greca, mas ainda assim precisamos ter presente que tais ideias são sempre limitadas pelo próprio tempo e compromissos que cada um assume – ou é obrigado a assumir, devido às circunstâncias em que vive.
Aí, quando falta o senso crítico e o desconfiômetro, até reproduzimos velhos erros e trapalhadas, como vomitar ao sentir cheiro de pobre. Um bom conselho, nesse caso, é atribuído ao príncipe Gautama: “O que se enquadrar na sua própria experiência e, depois de minucioso exame, for confirmado pela sua razão, conduzindo ao seu próprio bem e ao de todas as outras coisas vivas, a isso aceite como verdade e por isso paute a sua vida”. E assim vamos aprendendo uns com os outros e selecionando odores.
 Consagram a sábia expressão “Na natureza, nada se perde, nada se cria, tudo se transforma” como criada por Lavoisier. Ora, se nada se cria, nem essa noção foi criada pelo sábio francês! De fato, e ele também nunca se arrogou ser criador dela – formulada pelo poeta Titus Lucrecius Carus (96-55 a.C.), mais conhecido apenas como Lucrécio.
O próprio Lucrécio, um caso raro de poeta caluniado por um santo (Jerônimo, história que fica para outro dia) tinha bebido o conceito na fonte primordial de Epicuro, o Camarada, à sua vez caluniado por santos e demônios por pretender, qual um operário, uma vida com mais prazer que martírio.
Imagine o prazer camarada (ou epicurista) dos físicos da equipe de Kyle Ballantine, do Trinity College de Dublin (Irlanda), ao descobrir o que chamaram “uma nova forma de luz”. Os físicos em geral acreditavam (por isso é bom não acreditar demais!) que em todas as formas a luz respondia à constante de Planck, que define a escala dos efeitos quânticos.
Ballantine demonstrou que o momento angular de cada fóton pode assumir apenas metade do valor da constante de Planck, reivindicando ter achado, mais que só uma nova característica, uma nova forma de luz, não criada, porque nada se cria, mas transformada em nossa realidade e consciência por essa nova descoberta.
Se não há criação, apenas transformação, evolução e a descoberta do que antes era ignorado, por que ainda existe algo misterioso, quase místico, a desafiar o conceito de que tudo se transforma, a evolução e a seta do tempo não voltam atrás e o novo sempre vem? Essa coisa transcendental é a política brasileira.
Muita gente saiu e sairá às ruas para combater a corrupção. Desde as Jornadas de Junho de 2013 há um apelo crescente por mudanças concretas e não apenas conversa fiada e discursos que não correspondem aos fatos. Há uma ânsia não saciada de que a honra do líder garanta como verdade o que sai de sua boca.
Entretanto, as leis em vigor ainda não conseguem evitar os previsíveis resultados dirigidos pelo poder econômico para as manipuladas eleições à brasileira, dando na vitória maciça de candidatos ligados a partidos envolvidos em mensalões e na Operação Lava Jato.
O “espetáculo da democracia” não cria, apenas se transforma no circo do estelionato eleitoral. A propaganda dos candidatos, feita como publicidade de xampu ou margarina, cria um cenário idealizado, um clima artificial e uma realidade fantástica, apenas para consumo... do consumidor. Aí a margarina dá câncer, o eleito dá xabu e em Curitiba dá Greca.
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* Escritor
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Interfederação saúda e pede passagem


Alceu A. Sperança*

O poder é uma alegre fantasia para quem banca os custos da aquisição, mas uma torturante realidade para quem só é chamado ao folguedo uma vez a cada dois anos. É um eterno Carnaval, a micareta cotidiana de quem exerce mandato, mas garrote vil para quem acreditou nos estelionatários eleitorais: trair compromissos com os eleitores até dá em suicídio no Japão ou na China, mas no Brasil resulta no máximo em gastos adicionais com famosa banca jurídica especializada.

A máquina de costurar as fantasias do Entrudo contemporâneo é o marketing eleitoral, cujos antecedentes estão nas moedas com as caras e coroas dos antigos reis, ungidos pelos céus para governar a massa ignara e sem sofisticação que um dia pretenderá Estado laico, salário decente, viajar de avião e fazer rolezinho em shopping-center.

O pintor Pedro Américo não chegou a ser um estelionatário eleitoral. Em seu tempo, imperador era cargo hereditário e eleição apenas massa de modelar para artes de coronéis. PA foi um plagiador: a famosa pintura em que o príncipe xará supostamente grita “independência ou morte” foi clonada da obra de Ernest Messonier 1807, Friedland, que festejava uma vitória de Napoleão Bonaparte.

O próprio Messonier viu um esboço da cópia de seu famoso quadro e, veja só, elogiou a clonagem feita por PA, sem saber o destino glorioso que o plagiador daria à obra. O pintor francês morreu em 1891 e o Museu do Ipiranga, onde a pintura está exposta, só foi inaugurado em 1895. E além do plágio resta ainda a fraude: nada na pintura de PA retrata a cena real de 7 de setembro de 1822 descrita pela história. O cavalo zaino, por exemplo, era uma “besta baia” (mula)...

Na campanha eleitoral de 2016, pela enésima vez, viu-se os interesses econômicos que bancam os candidatos contratando bons marqueteiros para esculpir um belo pacote denominado “programa de governo”, fantasia que parece um carro alegórico tal qual aqueles feéricos monumentos feitos para desfilar na Marquês de Sapucaí e esfarelar à chuva.

Nas alegorias do Carnaval eletivo aparecem lantejoulas e miçangas brilhantes como criar “sedes administrativas” em bairros ou quiosques em terminal de ônibus onde se pode pagar imposto e fazer doação a campanhas amansa-miserável, o fast-food da ideologia vigente.

Nada além de lojinhas de conveniência da cidadania, sem tocar nem de leve em algo básico tal como democratizar a sociedade via novas regras do Estatuto da Metrópole, que põem no lixo a atual gestão do prefeito ditador autocrata.

A governança interfederativa é ignorada ou desconhecida por nove entre dez (ou talvez mais, em alguns municípios!) candidatos e marqueteiros. Em Cascavel, só se viu um candidato a vereador propondo adaptar a Lei Orgânica à metropolização, de modo a se adequar às determinações superiores do Estatuto da Metrópole.

É duro para um manhoso prefeito acostumado a comprar maioria na Câmara Municipal com troca de favores se pôr diante de uma legislação que proscreve os velhos métodos mafiosos usados para controlar as paróquias, mas desse Brasil ainda corroído pela corrupção não é desta vez que algo de novo sairá.

O Carnaval do poder ainda cobre nas cinzas do debate circense e discriminatório da TV toda uma Nação. Coisas como participação popular e democracia estão longe de se efetivar concretamente. Como na Novilíngua de 1984, ainda são meras palavras. Significam o oposto do que as letras juntas teriam que significar.


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* Escritor 

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A “República Soviética” da ilusão
Alceu A. Sperança*


Conselhos que não aconselham ninguém a não ser a si mesmos e sequer constam das leis orgânicas dos municípios fazem barulho para tergiversar sobre um problema que não pretendem tocar: qual é a causa real do sofrimento pelo qual a humanidade passa, a cada crise? Como não interessa achar a causa, tentam manipular os efeitos – cria-se um conselho, o conselho aconselha e tudo se resolve.
Crises são como campeonatos de futebol: a maioria dos times perde, mas aí vêm torneios, copas disso e daquilo, certames regionais, diversas divisões e os cartolas espertos sempre ganham. No mínimo valorizam a prata da casa para vender no mercado esportivo internacional.
O “conselhismo” que não toca nas raízes profundas das crises é antigo, mas teve sua recidiva em ato ardiloso de Dilma Rousseff para tentar fazer a vaca parar de tossir ou lhe xaropear a tosse. O Sistema Nacional de Participação (SNPS) foi um coelho tirado da cartola para contornar a pressão social detonada pelas Jornadas de Junho de 2013.
A ingênua tentativa de simular democracia por decreto esbarrou no baú do conservadorismo: a zelite nem quis lampedusar* o SNPS – "Sistema S ainda vai, Sistema PS, arreda!" Mas no Paraná ainda há quem goste da ideia de dar todo poder aos sovietes (conselhos, em russo) e assim “os conselhos de desenvolvimento se mostram como alavancas desse novo processo” (Conselhos vão organizar e otimizar investimentos, jornal O Paraná, 14/9/2016).
Como no decreto dilmista que gorou por incapacidade do PT de acatar as manifestações de Junho, o “neossovietismo” paranaense cria “conselhos de desenvolvimento” que teriam a função de “refletir, priorizar ações, contribuir e otimizar a aplicação e os resultados do dinheiro público”.      
Dilma não teve qualidade para dar continuidade à SNPS. Quando o decreto foi discutido no Congresso, acusaram-no de “bolivarianismo”, palavra sem sentido, e ela capitulou. O SNPS também não quer dizer nada: é só um nome pomposo para o que já existe. Se conselho por si só prestasse para alguma coisa, o da Petrobras não teria gerado tanta corrupção.
Assim como já existem há décadas conselhos de desenvolvimento em grandes municípios e regiões metropolitanas, criados pelo PMDB de Sarney, Montoro e Quércia, o lulismo queria criar uma estrutura em que pudesse ainda ter alguma influência, pois sua política de conciliação de classes foi um rotundo fracasso, como diria Brizola.
O PT dissolveu no pó da corrupção, entreguismo e ilusão da harmonia entre pescoço de “colaborador” e guilhotina de explorador tudo que os trabalhadores construíam em um século de intensas lutas, iniciadas nas manifestações de 1917, similares e bisavós das Jornadas de Junho de 2013.
Mas agora, na Era da Temeridade do Big Center (Centrão, para os íntimos), até o saudosismo com o “sistema soviético” da experiência russa encontra eco, na tentativa desesperada de enfrentar um baú de Pandora de crises que não terão saída nos marcos do capitalismo, a mãe de todas as crises, e de seu caçula neoliberalismo, irmão da atual crise.
Não se sabe, a rigor, a quem os “conselhos de desenvolvimento” vão aconselhar, pois quem manda na economia mundial não são prefeitos, governadores ou presidentes: é um conselhão composto por banqueiros e capos de corporações transnacionais. É o “conselho” que mais se desenvolve no mundo: 1% da população de aconselhados exploram 99% mal aconselhados.
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*Para Lampedusa, é preciso mudar para tudo continuar na mesma.
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* Escritor
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Corrupção na real e “natureza humana”
Alceu A. Sperança*
Quem vive em certa época, em dado lugar e por longo tempo acaba acreditando que é da “natureza humana” fazer aquilo que as pessoas medíocres em geral fazem. Chinês vive cuspindo a toda hora por motivos religiosos: a cusparada o livrará de maus espíritos que invadiram seu corpo. Um nojento autoexorcismo.
No filme Equals (Drake Doremus, 2015), distopia que mescla chatice e fascismo, a ruindade da película é compensada pela proposta de que um comportamento social não é benéfico à sociedade só pelo senso comum de que “tudo mundo faz”. Entre canibais, se valer a lei do “todo mundo faz”, pobre vegano! Se insistir na salada acabará na mesa como prato principal.
Vivemos em época e país em que a corrupção para conquistar mandatos, poder e riqueza é regra geral. Cruzar a lista de parlamentares e governantes com o vasto rol de dedurados na Operação Lava Jato mais um mar de denúncias encaminhadas pelo MP por improbidade administrativa faz emergir uma grossa ponta de iceberg.
A ciência (e não só o cinema contemporâneo!) por vezes mais atrapalha que ajuda quando compreendida superficialmente. Uma leitura descuidada de recente pesquisa a respeito do comportamento humano frente à corrupção e às trapaças em geral parece indicar que a chamada “Lei de Gérson” é tão da natureza humana quanto os canibais brigarem à mesa de pedra pelo privilégio de saborear um fêmur gordinho. Então seremos todos corruptos? A corrupção é da natureza humana, como a do escorpião é picar?
O psicólogo Amos Schurr, da Universidade Ben Gurion, de Israel, com base em experimentos com quizzes, jogos de memória e dados, supõe que o comportamento em grupo faz a trapaça virar uma prática aceitável, o que explica o comportamento do Big Center (Centrão, para os íntimos), equilibrando-se firme há três décadas no poder no Brasil, manobrando coisas como a pedalada fiscal ser crime se é Dilma quem comete e ser solução se é Temer quem a pratica.
Segundo Schurr, a gana para vencer uma competição tende a levar um indivíduo a ser desonesto. Pobre Barão de Coubertin, com seu “o importante é competir”! Nesse caso, a ânsia de obter comando e grana empurra a gente discurseira que tanto pede voto a trapacear como quem respira. Por isso as vacas tossem, os patos pagam impostos e Gérson legisla.
A equipe de Schurr ainda estuda a conduta antiética que surge depois do contato do indivíduo com ambientes competitivos e como certos comportamentos sociais e de grupo fazem as pessoas trapacear. Ele só estuda “como” e “por que”, pois onde entra grana e poder na parada é óbvio que a natureza humana do aplicado dr. Jekyll desaparece e em seu lugar emerge o corrupto Mr. Hyde.
Ferrão de escorpião, jogar para vencer é da natureza do capitalismo. Sacanear os semelhantes é defendido pelos trapaceiros como próprio da “natureza humana”, como o canibalismo, perseguir gente por ter pele, sexo, hábitos, crenças e costumes diferentes dos nossos.
Hoje, muitos prestam concurso público para servir patrioticamente ao Estado ou entram em campanha eleitoral ambicionando secretarias, autarquias e ministérios, mas os antigos brigavam a tapa, canibais querendo o fêmur gordinho, tentando conquistar a chique, elevada e bem paga posição de camareiro do rei.
Uma das tarefas desse cargo, similar ao de ministro, era limpar manualmente as vergonhas e o traseiro real depois que ele “humanizasse” a sua “natureza” no penico. Isso, em comparação com a puxação de saco de hoje em dia, também tinha tudo a ver com a natureza humana. A esta altura da evolução da espécie, entretanto, a teimosa permanência da corrupção em traseiro real e saco presidencial cheira desumanamente mal.
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* Escritor
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Depois da tosse, o drible da vaca
Alceu A. Sperança*
Na mil vezes apunhalada Lei Maior do Brasil – a Constituição –, a dignidade é um direito fundamental que não pode em hipótese alguma ser suprimido no cidadão. É como pele ou unha: quem as arranca de alguém comete crime hediondo de tortura, ápice da desumanidade.
Um brasileiro só não tem dignidade quando a família, a sociedade e o Estado são indignos – é o que está na lei. Dignidade, enfim, é como osso ou neurônio: todo mundo têm. É impossível ser gente e não ter ossos ou neurônios, e assim também é impossível ser gente e não ter dignidade.
Há um estranho marketing político-eleitoral, escola ou doutrina, entretanto, que orienta os candidatos a prefeito e vereadores a prometer que vão “dar dignidade” aos eleitores. É o mesmo que prometer dar pele, unha, osso ou neurônio. Se ao menos dignidade fosse cabelo, a alguns a oferta seria até palatável...
Mas dignidade, enfim, não é um produto passível de ser dado, emprestado ou vendido, mimo embrulhado para presente. É coisa que o indivíduo tem porque é dele e ninguém tasca. Aliás, foi por um caso de afronta a uma dignidade que o interior do Paraná perdeu seu único médico diplomado, no início da década de 1830.
O bávaro João Henrique Cristiano Fidelmann, vindo na primeira leva de imigrantes alemães, escolheu Ponta Grossa para ali viver e clinicar. Trata daqui, trata dali, acabou envolvido pela baixeza da política paroquiana. Nessa época, as famílias antagonistas não trocavam farpas no Facebook – agrediam-se na porta da igreja, tramavam vinganças e emboscadas, a versão paranaense do Far West.
Certo dia, o camarista Francisco José Dias de Almeida, de Castro, pretendendo justificar ausências em sessões legislativas, apresentou atestado médico subscrito pelo facultativo. A Câmara recusou o documento e alegou que o atestado só seria válido se o médico apresentasse o diploma e comprovasse ser brasileiro.
Reunindo toda a dignidade de que era capaz, o único médico da região dirigiu calmamente seu sotaque à Câmara e apresentou o diploma a quem quisesse xeretar a prova. Tudo visto e checado, retirou-se do recinto. Desde esse dia nunca mais foi visto clinicando nas redondezas. Foi embora, indignado, porque dignidade também é não aceitar o menosprezo ao ser humano.
O que dizer do menosprezo a todo um povo – o brasileiro – e a uma Nação, o Brasil? Nos tempos cruéis em que a dignidade era arrancada dos brasileiros até com indignas torturas e as eleições para presidente foram abolidas, os brasileiros lutaram muito desafiando a opressão em camisas amarelas com um X num quadrinho e o dístico “Diretas Já”.
Conseguiram eleições diretas para presidente, governador e prefeito, mas o que se vê País afora são estelionatários eleitorais prometendo até “dar dignidade” e garantindo que os direitos de quem trabalha não serão roubados “nem que a vaca tussa”. Triste ilusão achar que basta haver eleição direta para haver democracia e dignidade! Há uma sinfonia de tosses de vacas desde os mais modestos grotões ao Palácio do Planalto.
Candidato a prefeito prometer segurança pública porque dá “ibope” na urna é um drible da vaca no eleitor. Por isso campanha eleitoral virou expressão equivalente a propaganda enganosa. Isso é indigno do povo brasileiro. É lhe arrancar pele, unhas, ossos, neurônios. É submeter toda uma Nação à tortura, o crime hediondo da ditadura que re/volta dando o drible da vaca na democracia.
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* Escritor
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O prefeito do tigre asiático
Alceu A. Sperança*
 “Elogio em boca própria é vitupério”. Se conhecem o ditado, os marqueteiros eleitorais o desprezam: o conselho que dão ao cliente-candidato é bater no peito e se orgulhar de ser melhor, mais competente, bonito e santo que os concorrentes.
Tudo que promete fazer será grande ou maior. Alguns alardeiam espírito religioso e até conhecem o provérbio “comer mel demais não faz bem, como a busca da própria glória não é glória”. Ainda assim correm em busca da glória, pagam especialistas em propaganda para doutrinar quem os glorifique e tratam de se autoelogiar com entusiasmo.
Se em políticos sem desconfiômetro o autoelogio é prática habitual, é decepcionante ver cientistas, mais sábios que os pretensiosos candidatos a prefeituras falidas, caindo na mesma indignidade de “se achar” grande ou maior coisa, sem a menor vergonha.
No livro Neuro-o-quê?! Neurociência! A ciência e a arte do cérebro, os autores, pesquisadores e estudantes ligados ao Brazilian Institute of Neuroscience and Neurotechnology (Brainn), quanta brasilidade neste nome, como da tal “Liberty and Innovation Marathon Brazil”!, retratam-se como super-heróis, como se protagonizassem gloriosas propagandas eleitorais.
Os super-heróis do livro se outorgam a missão de promover uma “grande” viagem para dentro do cérebro humano, desvendando como ele funciona para melhorar suas capacidades. Tomara que uma dessas virtudes, no fim das contas, seja a humildade.
Ao aparecer como “grandes”, “maiores” e salvadores da Pátria, os candidatos também usam truques miméticos em que se disfarçam do que não são e se atribuem qualidades que não possuem, além de adoçar medidas amargas, ocultando-as ou simplesmente mentindo por trás de uma novilíngua na qual o azedo não produz caretas, mas prazer.
Certo candidato prometeu que uma cidade do Paraná, sob seu comando, iria virar uma próspera metrópole, um novo “tigre asiático”. Ora, a geografia!... Em todo caso, embora não haja em Pindorama tigres para chamar de “asiáticos”, ainda que se atribua os olhos amendoados dos nativos a uma longa caminhada dos povos do Oriente distante aos trópicos da Terra Brasilis, é verdade que já tivemos tigres brasileiros.
Maior mercado de escravos das Américas, o Rio de Janeiro parecia a quem chegava de navio o lugar mais limpo do mundo: a brancura das casinhas ao sol era como um “comercial” de candidato em que a cidade sob sua égide é uma Eldorado de candidez e maravilhas. Quando o turista entrava nas casas logo ficava horrorizado com o mau cheiro e a sujeira. A aparência de limpeza era passada aos olhos à distância pelo uso da cal no revestimento das paredes.
“A urina e as fezes dos moradores, recolhidas durante a noite, eram transportadas de manhã para serem despejadas no mar por escravos que carregavam grandes tonéis de esgoto nas costas”, narra Laurentino Gomes em 1808. “Durante o percurso, parte do conteúdo desses tonéis, repleto de amônia e ureia, caía sobre a pele e, com o passar do tempo, deixava listras brancas sobre suas costas negras. Por isso, esses escravos eram conhecidos como tigres”.
Sendo mais fácil e barato ter escravos, foi, portanto, a secular renitência da escravidão que retardou a criação das redes de saneamento no Brasil. Daí nossos tigres não serem asiáticos: eram afro-brasileiros. Hoje, há gloriosos candidatos a prefeito de metrópoles tigresas ignorando que o saneamento não é coisa de sua Prefeitura: é atribuição da Região Metropolitana, como o tal “desenvolvimento sustentável”.
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* Escritor
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Ora, a Lei! Ou a hora da Lei?
Alceu A. Sperança*
As leis orgânicas dos municípios viraram pó, trituradas por prefeitos autocráticos com o aval de vereadores relapsos. É até irônico, talvez um sarro que tiram dos eleitores e contribuintes, sempre introduzir tal medida ou decreto citando a Constituição ou a Lei Orgânica do Município: “Considerando o artigo tal da Lei Orgânica, é proibido aos pobres morar em áreas que serão valorizadas”...
As leis maiores da Nação, do Estado e do Município não passam de produtos retalhados em gôndolas de supermercado, onde o freguês pega e põe no carrinho o que interessa e deixa de lado, até perder a validade, o que não quer. As leis parecem ter essa serventia de coisas que se usam quando e como o autocrata deseja. São como tocos de vela só procurados quando dá pane na energia.
 A Constituição de 1988 é uma espécie de zagueiro do Íbis, que todo mundo dribla fácil. Quando foi indicado para o cargo de ministro do STF, o jurista Luís Roberto Barroso afirmou que “a política ordinária no Brasil se faz, em alguma medida, por meio de emendas constitucionais, o que não é bom”. Atrapalhou? Pec. Pec à vontade e sem castigo.
Retalhada, desprezada, descumprida, a Constituição é um bastião social-democrata que por ter nascido um passo depois do neoliberalismo da gangue Friedman-Pinochet-Thatcher está a um passo da revogação, porque eles morreram mas venceram e os pobres perderam: desconsidere-se a Lei Orgânica, que os defende! 
A Carta Magna terá o mesmo destino da lei imperial de 7 de novembro de 1831, que declarou livres “todos os escravos vindos de fora do Império” e impôs penas aos escravocratas importadores de cativos. Uma lei admirável, humanista, libertária. Só que ninguém cumpriu.
A lei tinha o propósito manter a escravidão mas agradar à Inglaterra, ponta de lança do capitalismo ascendente, que nos emprestava dinheiro a juros exorbitantes. Aí a zelite pensou: “Sem mais escravos, sem mais produção. Sem produção, sem ganhos. Sem ganhos, sem pagar dívidas. E pagar dívida é a prioridade”.
Logo, deixa a lei de lado, importa escravos e põe pra trabalhar enquanto não aparecer uma desagradável mulher governante para atrapalhar. Ela apareceu, mas só nasceria quinze anos depois da lei de 1831 e até Isabel assumir o trono como princesa regente eles lucrariam ainda mais algumas décadas explorando os escravos.
Apesar de a lei libertária estar em pleno vigor, nunca antes na história deste Império tantos escravos foram importados, continuaram sem liberdade e tantos escravocratas foram consagrados como barões e viscondes por gerar riquezas (não para o povo, mas para o pagamento da dívida pública). A lei é uma espécie de massa de modelar da classe dominante: usa-a quando lhe serve, muda quando atrapalha, simplesmente descumpre quando não interessa.
É a lógica dos golpes, da expulsão de pobres para fins de gentrificação, da liquidação dos direitos conquistados pelas famílias em séculos de desenvolvimento do capitalismo: o que não serve à casta dominante, ignora, apaga, enquadra em algum “considerando” da Constituição ou aplica ato adicional, institucional, Pec, aditivo, lei antiterrorismo, o que rolar.
Ou, se ficar muito difícil, violar a lei descaradamente até que alguma lavagem a jato ou teco-teco venha perturbar por algum tempo o dolce far niente dos vencedores.
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* Escritor
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Dilma não conseguiu ser Ma
Alceu A. Sperança*
Princesa Isabel e Dilma Rousseff: ambas impedidas de governar
O dramaturgo e jornalista espanhol Gonzalo Ballester dizia que “a arte serve para o progresso humano ou não serve para nada”, e o mesmo poderia ser dito sobre política ou economia. Uma vida que sirva só para ganhar/gastar dinheiro, como a de Donald Trump e quejandos, pouco terá de “progresso humano”. Assim também uma posição de poder que sirva só para uma família, quadrilha ou seita, como reinados e ditaduras, pouco servirá à humanidade.
Para a escritora grega Arianna Huffinton, “no longo prazo, dinheiro e poder são como um banco de dois pés: você pode se equilibrar sobre eles por um tempo, mas acabará caindo”. Assim Dilma, a quarta mulher a governar o Brasil, terá o mesmo destino das três anteriores.
Maria I, a Louca, foi afastada do poder por ter uma suposta doença mental – uma intensa fé religiosa que em homens seria considerada santidade, não loucura. A austríaca Leopoldina decretou a independência do Brasil e como recompensa foi espancada pelo marido imperador, morrendo em seguida.
Reza (ou cospe) a filosofia de boteco que o malandro ao surrar a companheira não sabe por que está batendo, mas ela sabe por que está apanhando. Dilma, aliás, está apanhando, e cumpre a tradição de alegar que não sabe por que. Já a Princesa Isabel não era louca nem estrangeira. Logo, foi impedida de chegar em definitivo ao trono só por ser mulher.
Dilma Rousseff sai da vida presidencial para entrar na história. Vargas se matou e ela também se suicida com o disparo de um panfleto de rendição – a carta “Ao Senado Federal e ao Povo Brasileiro”, em que reconhece erros mas não diz quais são e assim encerra, inocentemente, um governo que jamais foi dos trabalhadores.
Não conseguiu ser boa gestora e deixou de ser Ma, o hiato feliz em que a força criadora irrompe com algo novo – um passo na evolução. Ma é conceito da cultura japonesa. Conhecido na Europa desde a década de 1970, só agora foi trocado em miúdos entre nós.
Mesmo assim, a professora Michiko Okano, no livro Ma: entre-espaço da arte e comunicação no Japão, dá um nó nas cabeças acostumadas só às coisas, sem perceber o que há entre elas e é mais que o ar. Se os líderes brasileiros conhecessem Ma, não iriam meter a coisa pública na privada: guardariam a separação justa e honesta entre ambas.  
Para a historiadora Michiko, Ma é um espaço entre coisas mas não só isso: é “um espaço intermediário onde algo novo pode irromper”. Para diferentes filósofos e artistas, Ma é o “mínimo essencial”, como um econômico haicai de Leminski, romance de Graciliano ou conto de Dalton Trevisan. Niemeyer também teve sua hora Ma ao projetar a Marquise do Parque do Ibirapuera: há irregularidades físicas e justiça artística. Vãos inexplicáveis e honestidade nas formas. O nada é tudo, o vasto cobre o vazio. Cadê Nelson Nastás para discutir a obra?
Ma, coisa que Dilma não conseguiu ser, é aquele respeito que não se vê mas está na distância que os orientais guardam entre si ao se cumprimentar. É a paciência que raros têm de ouvir e acatar os argumentos de quem pensa diferente. É ter insight, não dar murro na mesa como a presidente costumava fazer e é a causa de ter perdido o apoio de senadores malandros, antes fiéis, que agora resolveram bater nela.
E assim, qual “mulher do malandro”, Dilma apanha dos senadores sem saber por que. Perde tudo, embora nem na Operação Lava Jato esteja incursa... Quarta mulher a governar o Brasil, quarta a ter o mesmo triste destino.
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* Escritor
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Bennu, a democracia que vem do céu

Alceu A. Sperança*


Trabalha-se e verte-se sangue a todo instante. Se existe algo mais democrático e comezinho que o sol, só pode ser o sangue canalizado nas veias ou derramado nas guerras, tiroteios, trânsito, caçadas e agressões. Ao contrário do sol, que é de graça, e do sangue, que já temos, as humanas e sentimentais democracia, justiça, liberdade, igualdade e fraternidade são caras e ainda não existem para todos neste mundo. Um dia serão tão vulgares quanto a cor vermelha do trabalho e do sangue, mas por ora ainda são artigos ao alcance de uma pequeníssima parte dos homens.

Os candidatos a heróis que se julgaram “predestinados” pelas divindades não passavam de megalômanos a um passo da frustração e da insanidade, mas é possível que o Brasil seja de certa forma uma nação predestinada à democracia, por conta de sua natureza, possibilidades e gentes.

Hoje é trivial, usada pelas classes despossuídas como símbolo do trabalho, mas para se vulgarizar a cor vermelha precisou vencer o elitismo. É possível que a aventura do Brasil rumo à democracia tenha começado quando os grandes potentados e a elite religiosa escolheram a então raríssima cor púrpura como símbolo de uma exclusiva dignidade.

As vestes purpúreas dos “predestinados” da realeza e do alto clero, iluminadas ao sol democrático e farfalhando ao vento igualmente incapaz de discriminar seres humanos, afirmavam apenas provisoriamente a pretendida superioridade frente às descoloridas e modestas roupas dos escravos e servos.

Não cabia aos últimos das forjadas castas sociais usar o vermelho vivo que sustinha empinados os narizes dos donos do mundo antigo. A cor da riqueza e do poder vinha com a captura de raros moluscos do Mediterrâneo, cuja combinação de tintas dava o vermelho purpúreo brilhante que tingia as vestes dos nababos. O Brasil e seu pau de tinta estenderam também aos súditos, embora ainda não aos escravos, a possibilidade de tingir as roupas de vermelho de modo a se parecer com os grandes potentados.

Era um passo rumo à democracia das tintas, mas como vários moluscos fornecedores da púrpura cardinalícia foram extintos, o pau-brasil também virou uma raridade e, assim, ainda era caro, sua cor inacessível aos escravos, a não ser que se tingissem do próprio sangue até que a coagulação lhes roubasse a cor da vida. O vermelho é também a cor da revolução porque a democracia das cores só foi finalmente alcançada com a Revolução Industrial, trazendo a descoberta das anilinas, extraídas da hulha.

Desde 1999, tremelicando de medo do Apocalipse, sabemos que está a caminho da Terra um poderoso candidato a copiar a democracia do sol, do ar e da anilina. Os céus mandaram o ameaçador asteroide Bennu, que se atingir nosso planeta dará a arrogantes e humildes, o 1% biliardário explorador e os 99% explorados, o mesmo destino: o pó.

Os cientistas enviaram um comitê de boas-vindas ao asteroide, com a missão de alcançá-lo em 2018 e lhe beliscar um pedaço para conhecer história e intenções. Bennu era um deus-pássaro egípcio que ao envelhecer se suicidava no fogo e renascia das chamas como a Fênix, renovando-se.

Se a humanidade expiar as desigualdades conquistando aquilo que só existe nos discursos e jamais foi praticado em benefício de todos seres humanos – democracia, justiça, liberdade, igualdade e fraternidade – talvez venha com elas a possibilidade de conjurar a desgraça do deus-pássaro e garantir vida e felicidade aos nossos descendentes.


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* Escritor
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Bisneto de bandido vira anjinho

Alceu A. Sperança*



É possível tirar de casa um garoto de 10 ou 12 anos, bom estudante, e transformá-lo em um monstro assassino? É, responde aquele que talvez seja o maior especialista mundial em morfologia e funcionamento do cérebro humano – o cientista Michael Merzenich, professor emérito da Universidade da Califórnia, sediada em San Francisco.

Foi o que aconteceu com o homem que mais aterroriza o mundo, hoje. Quando menino, o Califa Abrahim, líder do Estado Islâmico, foi criado por uma família profundamente religiosa. Sempre estudioso, dedicou-se à história de seu povo e se doutorou. Quando a ONU derrubou Saddam Hussein, foi preso em Bucca, um campo de concentração estadunidense. Ali sofreu horrores e a lavagem cerebral que o fez um dos terroristas mais caçados do mundo.

Merzenich diz que o treinamento cerebral para a maldade é fácil de fazer, mas revertê-lo é difícil e requer muito esforço. Todavia é possível, anima ele, “tratar crianças com longo histórico de abuso e negligência, condições que danificam o maquinário cerebral que controla o aprendizado”.

Até a década de 1960 os neurocientistas acreditavam que o cérebro seria um órgão imutável, codificado geneticamente. Merzenich virou esse conceito de pernas para o ar: demonstrou que é possível criar novos circuitos e conexões neuronais em resposta a estímulos e experiências.

O bisneto de um ladrão de cavalos nos Pampas pode ter modificado o cérebro com o passar das décadas a ponto de ser hoje um anjo, sem o menor rancor pelo ladrão que roubou seu carro popular. Afinal, os 110 cavalos de potência estavam com o seguro em dia...

As teorias de Merzenich e outros neurocientistas contemporâneos abriram perspectivas revolucionárias para recuperar crianças com dificuldades de aprendizado ou pessoas com lesão decorrente de trauma ou doenças como o AVC, já que o cérebro muda de acordo com o que pratica. Um experimento para recuperar nervos na mão de um macaco mostrou que as células do córtex sensorial se reorganizam para criar um novo mapa mental do membro.

Desde 1996 a Scientific Learning Corporation desenvolve softwares para aprendizado infantil com base nos modelos criados por Merzenich, também sócio da Posit Science, que vende o treinamento cerebral BrainHQ. “O cérebro foi construído para mudar de acordo com as experiências vivenciadas e a forma como é usado”, disse ele em palestra proferida no Brasil.

Segundo nossa ótica angelical, aquele menino religioso e dedicado aos estudos que hoje tem a cabeça a prêmio por US$ 10 milhões, era benigno e hoje pratica o mal. Mas com os experimentos de Merzenich poderia se treinar, mudar em uma semana e assim seguir pelas próximas décadas.

“Posso treinar o cérebro a mudar sua capacidade de processamento ou posso fazer o oposto e degradar essa sua habilidade”, afirma o cientista. “Mostramos que é possível treinar uma pessoa por 15 ou 20 minutos e, assim, regular processos bioquímicos nesse maquinário. (...) Vai aprender mais rapidamente, como se eu tivesse lhe dado uma droga que aumenta o nível de atividade cerebral”.

Se bondade ou maldade dependem só de simples sintonias em nossos miolos, por que há masmorras degradando tantos seres humanos? Difícil saber o que dá mais medo: as bombas do Califa Abrahim ou a possibilidade de manipulação escultural do nosso cérebro.


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* Escritor
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Um mundo de erros e mentiras
Alceu A. Sperança*

O que mais cativa na invenção do MemComputer, máquina esperta que procura imitar o funcionamento do cérebro humano, é a pesquisa por um dispositivo essencial para que além da esperteza tenha a verdade como componente. Tal dispositivo será um grupo de códigos para prevenir erros.
Nisso a nova máquina pouco difere do homem. O MC até imita bem nossa forma de pensar, mas o mecanismo humano para evitar ou corrigir erros não chega a ser uma “brastemp” – aquilo a que damos nomes sugestivos como “consciência”, “devagar com o andor” ou “desconfiômetro”.
Obra de cientistas norte-americanos e italianos, o MemComputer é mais uma fantástica inovação da alta ciência, mas seus criadores, sinceros, não escondem que a impressionante capacidade do MC não basta para evitar uma forte perda de dados. Com isso, a exemplo dos computadores quânticos, o MC apenas será útil quando completado com os imprescindíveis códigos que evitam erros.
O MC perde informações mais ou menos como um grande artilheiro do nosso futebol: dá dribles fantásticos, humilha com tremendos “lençóis” e faz golaços de placa, mas ao abrir a boca diz que o esporte é uma caixinha de surpresas. Bem treinado, vitaminado, bombado, mas meio besta.
Errar e mentir são coisas bem próximas e o dito popular de que “papagaio come milho, periquito leva a fama” se aplica ao trabalho. Você traja um legítimo abrigo Adidas paraguaio, aí um palhaço chega e diz, como se o apanhasse roubando doce de criança: “Usando coisa de multinacional, né?”
Pelo menos desde que os fenícios singraram os mares em busca de clientes para seus produtos os bens produzidos pelos trabalhadores são internacionais. A soja daqui alimenta gado europeu e gente asiática. O processador que sustenta o micro a partir deste teclado é obra de trabalhadores chineses. A riqueza é gerada pelo trabalho, porque matéria-prima não se processa de conta própria.
Arrogantes, os exploradores garantem que eles próprios tiveram a ideia, criaram a marca, inventaram a fórmula e os trabalhadores, as máquinas e as matérias-primas são meros instrumentos dos quais dispõem ao estalar do chicote.
Com uma sinceridade elogiável, à altura da qualidade do produto, o uísque Jack Daniel’s decidiu deixar a mentira e a arrogância de lado para revelar ao mundo a verdade sobre a receita de sua deliciosa beberagem. Sempre se viu nas enciclopédias que a fórmula e o processo de destilação desse maravilhoso uísque foram criados e transmitidos ao empreendedor Jack Daniel, dono da marca, pelo pastor Dan Call.
Era mentira. Na verdade, confessa a empresa, depois de 150 anos de omissão, quem ensinou ao pastor as técnicas de purificação fundamentais para a elaboração da bebida foi Nearis Green, escravo do religioso.
Bem dizia Lope de Vega que “a verdade de nada se envergonha, a não ser de estar oculta”, daí a grande importância da Comissão da Verdade revelar às novas gerações a desumanidade das ditaduras, para que jamais nosso povo tenha que aturar novamente o derramamento de sangue ordenado por autoridades que deveriam zelar pela felicidade dos filhos da Pátria.
Pouca verdade foi apurada e crimes hediondos ficarão sem punição. Por ora, sabemos só a verdade sobre o uísque. Quem sabe, quando os cientistas encontrarem os mecanismos que evitam erros no MemComputer, possam compartilhá-los com os seres humanos, para que também funcionem um pouco melhor. Sobretudo quando assumem posições de poder e decisão.
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* Escritor

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Doença, morte e vermes gananciosos
Alceu A. Sperança*
A onda neofascista que varre o mundo com desumanidades contra os direitos conquistados em séculos de história, o culto aos rancores e discriminações, as perseguições opressivas e violências latrocidas criam um amplo caldo de cultura para disseminar o medo e a doença.
Os plutocratas lucram com a exploração do medo, semeando guerras. Com a globalização das enfermidades, até criadas em laboratório ou espalhadas com o empobrecimento das famílias e seu sofrimento debilitante, faturam horrores no vácuo de um Estado privatizado, perfeito na cobrança de impostos e relapso na proteção social.
O asqueroso caso de Martin Shkreli, 32, dá o que pensar. Esse jovem escolheu a carreira brilhante, sólida e bem-sucedida de explorar a doença para enriquecer. Sua profissão é “gestor de fundo de hedge”, cujas principais ferramentas são a informação, a intuição e a esperteza.
É exemplar o caso de Bill Ackman, gestor que fez muita malandragem gananciosa dentro do sistemão e depois saiu para denunciar o apocalipse a que o mundo das finanças se dirigia. Com isso, enriqueceu apostando no colapso. Ackman hoje é considerado um bom moço, por ter avisado que o tsunami estava chegando, mas Shkreli forçou a barra demais.
Comprou os direitos sobre o Daraprim, medicamento indicado para tratar infecções raras e mortais que acometem pessoas com baixa imunidade, como pacientes transplantados e portadores de Aids. Aí reajustou o preço do produto, numa tacada só, de 13,50 dólares para 750 dólares por drágea.
Faturando cínica e agressivamente com a extrema necessidade dos pacientes de adquirir o remédio, Shkreli explicou que, no fundo, foi generoso com os doentes: “Eu poderia ter aumentado mais e gerado mais lucros para os nossos acionistas. Essa é a minha função principal”.
Moralmente foi ao fundo do poço, preso sob acusações de fraude em investimentos, mas não é um vilão único em meio a bons samaritanos: em três anos, os doentes pioraram e ficaram mais pobres com a crise, mas os preços da Merck aumentaram 29%, da Pfizer 34% e da AbbVie, 112%, segundo a consultoria SSR, que pesquisa a área de saúde.
Todo empreendedor canalha quer ser um Shkreli quando crescer para assim virar um verme de aparência humana. Mas a vida segue, e enquanto os nababos gananciosos extraem riqueza do sofrimento humano, a natureza em sua implacável evolução insiste na vida.
Há mais de mil genes que funcionam até quatro dias após a morte, revela pesquisa desenvolvida por cientistas da Universidade de Washington. São genes ativados momentos antes da morte com a missão de reforçar o sistema imunológico e combater o estresse. Com isso, parte do ser que morreu continua ainda vivo por um bom tempo.
Dentre os genes que sobrevivem após a morte estão aqueles que até agora só se sabia ativados em embriões, para ajudar no desenvolvimento do feto. Por que a ativação dos genes do desenvolvimento, coisa natural antes do nascimento, também ocorre depois da morte?
Ao contrário do canalha que lucra com a doença, o pesquisador Peter Noble tenta encontrar ali, na morte – radical “socialista” que a todos iguala –, uma explicação e utilidade para esta surpreendente descoberta, de forma a criar meios para tornar nossa vida melhor. Já para outros, nada nobres, pouco importa que morram todos, desde que os vermes espertos ganhem fortunas explorando o sofrimento humano.
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* Escritor
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O herói do Brasil nos trilhos
Alceu A. Sperança*

Na década de 1950, o PSD, uma espécie de PSDB de hoje, mantinha uma aliança precária com a UDN, por sua vez similar ao PMDB. Os dois grupos se detestavam, mas sabiam que Vargas entraria no vácuo se rachassem. Hoje, PMDB e PSDB dizem que farão o Brasil “entrar nos trilhos”, claro estando que os trilhos e o traçado vêm do exterior. O povo só assenta os dormentes.
O PSDB é filho do racha do PMDB, acusado de traiçoeiro e mafioso pelos tucanos, espertos na análise. Se não se colarem a grude, arroz ou cianoacrilato para fazer do governo Temer algo que pelo menos pareça dar certo, abrirão vácuo a Lula e seus arreglos com banqueiros, máfias e transnacionais em 2018. Mais trilhos importados para o herói-povo assentar os dormentes.
E aqui estamos, o país travado com mais um impeachment, comédia em que o herói perde no final. O processo de 2016 reedita certas impichações anteriores – com a diferença de agora ser feito pacificamente, num grande circo midiático. Houve também um impeachment midiático anterior, lacerdista – que Vargas abortou com sangue, o próprio, em agosto de 1954.
Já 2016 tem certa semelhança com 1829. O imperador Pedro I, a exemplo de Dilma Rousseff, tinha o costume de dar murros na mesa e impor sua opinião. Na época, irritou-se com o Legislativo, que boicotou a CPFM, perdão, um aumento de impostos arranjado para pedalar um déficit calculado entre 5 mil e 6 mil contos. Em lugar disso, os legisladores decidiram uma redução de 10 mil contos nos gastos.
Aí começou o impeachment do grosso e violento Pedro I. Afastado, deixou o Império do Brasil como chupeta ao “vice”, o delicado filho Pedrinho, com cinco anos de idade, em 1831. Note que as crises políticas são forjadas em rachas do núcleo duro do poder e a solução que arranjam resulta sempre na derrota do herói da história: o povo brasileiro.
O golpe que impediu a Princesa Isabel de governar o Brasil, em 1889, foi algo parecido. O Marechal Deodoro, doente, começou gritando “viva o imperador” e terminou sufocado pelos gritos dos cadetes de Benjamin Constant: “Viva a República!” Naquele momento estava cassada a terceira mulher que governou o Brasil. A diferença é que não havia TV e a princesa foi morar na França.
O golpe mais violento de todos, no 1º de abril de 1964, liquidou o presidente legal, João Goulart, jamais perdoado por aumentar o salário mínimo em 100%. Os outros foram quarteladas ou fingimento, como o de Collor. Neste caso, tiraram de cena um boquirroto para pôr no lugar um “vaselina” fala mansa (Itamar), com o mesmo resultado previsível: a imposição do neoliberalismo no país.
Mas nem tudo é má notícia. Cientistas avisam que a camada de ozônio já se recompõe na Antártida. Também emocionante é uma lavradora, heroína do povo, reencontrar uma arara azul, desaparecida na natureza havia 15 anos, lembrando a animação Rio, de Carlos Saldanha.
A natureza, porque evolui, sempre dá um jeito de melhorar. A economia, porém, repete até o pior do século XIX, sem confirmar as esperanças na “Era de Aquário” do século XXI. A natureza tem a democracia do sol, que é para todos. A civilização, ao contrário, baseia-se há séculos no mesmo sistema que oprime o herói, sempre engabelado e vencido em urnas e golpes.
E dê-lhe assentar dormente para os trilhos dos banqueiros, máfias e transnacionais! Filho de um ferroviário, até o papa Jorge Bergoglio, cuja missão é conservar velhas tradições, reconhece que o sistema é injusto “desde a raiz” e mata. Mata gente heroica, trabalhadora, ferroviários e araras azuis.
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* Escritor
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Os involucionistas e as superbactérias

Alceu A. Sperança*
Fora Dilma, Hillary, Merkel, rainha Elizabeth: quem estava mesmo por dentro era Rosa Luxemburgo ao supor que a alternativa ao socialismo seria a barbárie. Já se vê no que deu o “socialismo” de François Hollande: uma assustadora tossida de vaca. Ao primeiro mugido rolaram por terra direitos dos trabalhadores conquistados em séculos de lutas repletas de sacrifícios. Vai dando barbárie na cabeça.
Estaria o ser humano em decadência, incapaz de dar um rumo positivo à civilização? Há uma teoria segundo a qual a humanidade experimenta uma involução, consequência dos avanços da medicina, da educação e da Justiça, que impedem os “incapazes” de desaparecer, garantindo-lhes vida, saber, renda e direitos.
Estúpidos, os brutamontes nacionalistas se humilham perante seres frágeis, gentis ou estrangeiros que via meritocrática lhes “tomam” as vagas nos melhores empregos. Privatizar a medicina e a educação, liquidar o SUS e a escola pública, instaurar ditaduras e pôr direitos abaixo, projeto atualmente em curso mundo afora pela plutocracia, é a receita para deter a involução e retomar o ciclo evolutivo, assegurando a supremacia do mais forte.
Os atenienses remavam com mais força e por mais tempo que os atuais campeões olímpicos, as mulheres Neanderthais eram mais fortes que Arnold Schwarzenegger e Homero venceria qualquer rapper num concurso de trova, alegam os involucionistas. Para alimentar essa horrenda teoria, a involução levou o mundo a piorar: a desigualdade aumenta e a economia não voltará a crescer aos níveis pós-II Guerra.
Com a humanidade em franca degradação, o ser humano voltará a evoluir, para não continuar menos privilegiado pelos “deuses” que as bactérias? A quantia delas no intestino de uma pessoa é superior ao número total de células humanas. No conjunto completo e por maioria fica bem claro a “quem” a natureza favorece...
As bactérias não tecem, não fiam nem elegem presidentes ou sustentam monarcas ociosos, mas vão matar um ser humano a cada três segundos até 2050, aponta relatório ao governo britânico feito pela equipe do economista Jim O’Neill, criador do acrônimo Bric (Brasil, Rússia, Índia e China).
O’Neill afirma que a medicina de socorro aos mais pobres – rico nunca sentirá falta de atenção privilegiada – vai regredir à Idade das Trevas se os governos não investirem pesadamente no combate às bactérias e às infelicidades humanas que as fazem ainda mais eficientes na ação de detonar gente a cada abalo na defesa imunológica.
Para os defensores da teoria da involução isto seria uma “bênção”, porque a evolução dos antibióticos é apontada como a causa da megaprodução de superbactérias, comprovando uma teoria mais decente, que, aliás, evoluiu até virar a Terceira Lei de Newton: a de que a cada ação corresponde uma reação igual e contrária.
Partindo para concretizar seus objetivos, os involucionistas discriminam os mais fracos, encarceram os insatisfeitos, oprimem os incapazes, trucidam os oponentes e humilham os diferentes. Levará cacete quem ousar propor que a humanidade vai prosperar porque a evolução é uma lei invencível, a seta do tempo não retroage e o Materialismo Histórico prevalecerá. E enquanto os evoluídos levarem sopapos dos involucionistas, as superbactérias avançarão com seus flagelos contentinhos.
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* Escritor
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 Mulher Maravilha, Dr. Silvana e Minions
 Alceu A. Sperança*
Estão em moda os filmes baseados em games e histórias em quadrinhos, como as da Marvel Comics – gibis que a gurizada trocava na frente do Cine Teatro Coliseu antes das matinês. Tão na moda que até as eleições deste ano reproduzem o universo fantástico da ficção infanto-juvenil.
Hillary Clinton no papel de “Mulher Maravilha” e Donald Trump estrelando o “Doutor Silvana” darão metade da bilheteria possível no pleito estadunidense: lá, voto facultativo, normalmente metade dos eleitores vai às urnas. Essa metade que vota se reparte mais ou menos meio a meio entre dois candidatos. Esses votos não valem no final, pois a eleição presidencial americana é indireta. Com isso, a urna e a democracia formal são mais fictícios que as historietas e games de heróis e monstros.
De novidade neste mundo controlado por menos de 1% de nababos plutocratas, o que há de novo no front e no cinema é o universo dos Minions, personagens criados pelo roteirista Brian Lynch, que também já bolou alguns dos famosos bonecos Muppets, acusados de subversão pela ultradireita, muito bem representada pela TV Fox, de Rupert Murdoch.
Para a Fox, as animações em que personagens bobinhos derrotam terríveis vilões fazem parte de uma conspiração “liberal” (é assim que os gringos chamam os comunistas, veja só) para persuadir as crianças a rejeitarem o capitalismo.
Piggy, a porquinha, em coletiva à imprensa, declarou: “A acusação de que os Muppets são comunistas é tão risível quanto considerar a Fox News um canal de notícias”... A piada de Piggy consiste em que o noticiário da TV, aqui e no mundo, é um pertinaz exercício de ficção.
Os Minions são pequenos operários. Trajando seus macacõezinhos, atrapalhados e ridículos, têm a compulsão de trabalhar para vilões. Com uma gíria própria, literalmente incompreensível, fazem-se entender pela movimentação, palavras soltas e dublagem de canções. Cumprem imediatamente as ordens com dedicação e alegria: são tudo aquilo que qualquer patrão, malvado ou não, desejaria.
O traço comum aos Minions, todos gêmeos, não é serem quase iguais, com exceção dos que têm nomes: é a alegria com que trabalham para os criminosos. Sua razão de existir é trabalhar. Sua obrigação, obedecer às ordens dos cafajestes.
Operários dóceis, amáveis e obedientes com seus macacões de trabalho industrial servindo alegremente aos piores vilões, os Minions são a resposta de Lynch aos senhores preocupados com animações que suspeitam ser uma espécie de O Capital disfarçado em bonecos para doutrinar crianças e levá-las à revolução. Agora, os desenhos mostram minioperários servindo alegremente, sem questionar, aos mais desalmados vilões de todos os tempos.   
Já se sabe o que vai dar na fantasia cinematográfica das eleições do partido único estadunidense. Dividido em duas alas, uma clone da outra, só seus símbolos são de fato diferentes – o elefantinho republicano e o burrinho democrata. Ambos dariam excelentes malvados favoritos em qualquer animação. No fim desse filme, já que toda eleição virou puro estelionato, o povo sempre perde.
As eleições copiam as histórias em quadrinhos, mas será que o mundo do trabalho vai seguir a animação dos Minions? Desastrados, eles dialeticamente sempre liquidam os patrões malvados aos quais servem. Essa cambada de subversivos já são a segunda maior bilheteria das animações de todos os tempos, inflada pelas crianças chinesas. Se você assistir, talvez virem o jogo e subam ao topo.
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* Escritor
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Arreda, neutrino safado!
Alceu A. Sperança*


Foi uma surpreendente descoberta, há duas décadas: os neutrinos têm massa e são transformistas, contra a opinião de quase cem por cento dos cientistas da época. A façanha científica só em 2015 rendeu o Prêmio Nobel de Física ao japonês Takaaki Kajita, do Observatório Superkamiokande (Universidade de Tóquio), e ao canadense Arthur McDonald, do Observatório de Neutrinos da Queen’s University.

No esporte, jogadores de várias nações se juntam para fazer golaços em clubes e deixar a seleção nacional a ver navios, incapazes de fazer um mero golzinho num fraquíssimo Peru. Também existe internacionalismo entre os membros de equipes científicas, mas Kajita e McDonald trabalharam sem se conhecer e chegaram à mesma descoberta: os neutrinos mudam de identidade e “opinião”.

Mais ou menos como na tosse da vaca, em que a dupla Dilma-Temer se elegeu prometendo que os trabalhadores não perderiam direitos e desandaram a fazer o contrário do prometido já no dia seguinte às eleições, os neutrinos não são nada “neutros” quando se trata de virar o que não eram.

A exemplo dos políticos, os neutrinos também se dividem em três tipos. Na política, meia dúzia são de direita e outra meia dúzia se diz de esquerda, embora estes não passem apenas de dois ou três. Os restantes 80% a 90% fazem parte do Big Center (Centrão, para os íntimos). Por seu turno, os neutrinos se dividem entre elétrons, múons e taus.

O comportamento dos políticos brasileiros e dos neutrinos dá o que pensar. Sob certas circunstâncias deixam de ser o que são e se transformam no que não são – como trabalhistas que viram tucanos, socialistas franceses liquidando direitos dos trabalhadores e “verdes” apoiando poluidores.

Existe algo mais que faz os políticos tupiniquins ter jeito de neutrinos transformistas: eles agem sobre nós sem que a gente perceba. Os neutrinos passam por nossas cabeças, troncos e membros o tempo todo, sem que possamos notar. Da mesma forma, os políticos nos enfiam a ideologia pelos meios de comunicação, escolas, igrejas, crenças e convicções familiares. É por isso que há grande chance de um indiano louvar o popular deus-elefante Ganesha e um latino-americano usar um crucifixo, símbolo de morte.

Em geral são coisas velhíssimas e superadas: os neutrinos que nos agridem a todo instante foram produzidos há milhões de anos, vindos de fontes extragalácticas e de estrelas. Muito além da estrela do PT e suas engabelações, o trânsito de neutrinos em nossos corpos e consciências também tem origem nas estrelas, inclusive no sol.

Quem faz a comparação dos neutrinos com os políticos mais compreensível é o físico Robert Garisto, editor da Physical Review. Para ele, o neutrino tem origem própria, mas seu estado quântico pode evoluir para uma combinação dos três “sabores”, com as proporções entre os três tipos oscilando no tempo. Nada de novo, pois, se um político se diz de centro, tem um discurso de “esquerda” e uma prática de direita.

Quem olhar à volta verá exatamente isso no ambiente social de sua comunidade enquanto uma porção de neutrinos, neste exato momento, entram e saem de cada ser humano, enfiando-se em seu cérebro e metendo-se em sua vida. Não é o que fazem os políticos, esses falsos neutros, ao desviar o dinheiro dos impostos para campanhas eleitorais e fazer o contrário do que prometeram?


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* Escritor
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A balela da mídia como “quarto poder”

Alceu A. Sperança*

Até pode haver o quarto estado da água, o tunelamento, como alegam os cientistas. Mas a imprensa ser o “quarto poder” é só uma recorrente balela, manobra diversionista que a zelite emprega no Brasil para engabelar o povo. Caem nela ingênuos petistas e o patinho do empresariado, crentes fiéis à arapuca armada pelo Big Center (Centrão, para os íntimos), confiando que da mesma chapa estelionatária eleitoral sairá alguma solução para o Brasil.
Millôr Fernandes já havia desmoralizado a tosca ideia de que a imprensa teria algum poder além do papel de moleque de recados privilegiado da ideologia, ideias hegemônicas impostas pelo verdadeiro poder: “Basta ler dois ou três jornais para verificar facilmente que, hoje, o quarto poder já deve estar em vigésimo lugar”.
Uma dúzia de famílias controla quase toda a imprensa nacional, mas são submissas, no máximo associadas, ao verdadeiro poder. Cox e Hearst (EUA), Murdoch (Grã-Bretanha) e Berlusconi (Itália) também cumprem essa função de intermediários entre o poder real e o público.
É infantilidade supor que os magnatas da mídia idealizem e criem o poder do sistema financeiro e das transnacionais. Basta ver os anunciantes para saber a origem da “opinião” de cada grande veículo de imprensa. Gandhi chegou perto da verdade ao supor que “como uma torrente em fúria submerge o campo e devasta as colheitas, assim uma pena sem controle não serve senão para destruir”. E “se o controle vem do estrangeiro, seu efeito é ainda mais venenoso que a falta dele”.
O pesquisador John Pilger escreveu que em 1983 os principais meios de comunicação pertenciam a 50 empresas, reduzidas em 2002 a apenas nove conglomerados transnacionais. Rupert Murdoch previu que no futuro haverá apenas três grandes empresas de comunicação – uma delas, claro, a sua. Uma dezena e meia de sites absorvem quase todo o tempo que os norte-americanos passam na tela. Para Pilger, todos servem a um só objetivo: “Produzir cidadãos mal informados e conformistas. Consumidores obedientes”.
Se algum poder a mídia tem é o de servir de veículo e instrumento para o verdadeiro poder, centrado no topo da cadeia alimentar da economia/ideologia: o sistema financeiro e as corporações transnacionais a quem esses “consumidores” vão obedecer.
Só depois do poder real, embora convenientemente invisível e coisa “neutra” para a imprensa, vêm o Estado nacional e seus três poderes. Millôr foi generoso ao supor a imprensa lá pelo vigésimo poder. No Brasil, muitos furos acima da mídia na cadeia do poder real, está o Centrão, que governa há 30 anos e resiste a todas as turbulências.
Além do tunelamento, há pouco o mundo foi surpreendido com a notícia de que já é possível conservar intactas grandes plataformas com delicados equipamentos na superfície agitada do mar: a equipe do professor Markus Haider, da Universidade Tecnológica de Viena, criou o flutuador Heliofloat, que resiste às piores ondas.
Feito de um material macio e flexível, como certas espinhas, o Heliofloat parece inspirado no Centrão, que se mantém firme no controle do governo brasileiro desde que, por maciez e flexibilidade, ganhou o Brasil das mãos dos fracassados ditadores do 1º de abril.
Manobrando o PSDB, o PT e outros partidos servis, o Centrão aí está, forte e rijo, flutuando acima das crises, dos tsunamis e marolinhas. É um poder muito acima da grande imprensa, mera ferramenta para os “dezenove” poderes acima dela.
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* Escritor          


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Saliva e suor, nióbio e pré-sal
Alceu A. Sperança*
No capítulo anterior desta novela ficou acertado que o leitor seria brindado com a revelação dos materiais, além do pau-brasil, nióbio, pré-sal, soja e demais itens do primarismo exportador, a ser mais usados para pagar a imensa dívida pública iniciada quando o imperador Pedro I comprou a independência, aumentada com a Guerra do Paraguai, feita bilionária com a ditadura do 1º de abril e trilionária pelo Big Center (Centrão, para os íntimos).
Esses materiais são a saliva e o suor. A saliva dos presidentes, ministros e bases aliadas para driblar com retórica e evasivas uma competente auditoria na dívida, necessária para avaliar, num ajuste de contas entre República e cidadãos, o montante de fato devido e o que foi inflado pela conivência criminosa dos ditadores e seus substitutos.
A saliva é também (ou principalmente) usada para convencer o povo a suar, trabalhando como nunca. Já são quase 90% das famílias brasileiras endividadas, pagando uma carga tributária que seria até convincente caso não fosse tão regressiva e tivesse contrapartida em eficiência.
A estrutura do Estado não pode ser “mínima”, como querem os entreguistas, mas pode ser pelo menos duas vezes mais eficiente, já que o moroso Poder Judiciário, por exemplo, custa quatro vezes mais, em relação ao PIB, que a justiça da Alemanha e cinco vezes a do Chile, que pune torturadores. Os gastos do Executivo e Legislativo já são bem conhecidos – e pra que Senado, senhores, se a Câmara já é a representação cuspida e escarrada de todos os nababos que mandam neste País?
A saliva dos governantes do Big Center salpica de discursos que apregoam desenvolvimentismo e progresso, ano após ano, décadas a fio, mas a desigualdade permanece e depois de um voo de galinha, com pequenos avanços sociais à custa de muito sacrifício, há o risco de a galinha se estelar no chão e o pato ser pago, enquanto a vaca tosse e a hiena fascista dilacera vidas com rancor, perseguição, preconceito, mais cuspe e escarro, muita repressão e violência estatal.
O suor, claro, é do povaréu em geral e da classe média, à qual cabe custear as migalhas com que a zelite premia os miseráveis por ser pobres e obedientes e sustentar com bilhões a pompa e a circunstância da plutocracia brasileira.
Muita saliva foi gasta para explicar o inexplicável, ou seja, como e porque a dívida brasileira é tão grande e perversa, sangra tanto a Nação mas não há auditoria para verificar o realmente devido e o que vem da especulação dos Calabares que ocupam os principais cargos do poder e apunhalam o Brasil, cuspindo sobre ele sua baba venenosa, contaminando a verdade e asfixiando a transparência.
Como a dívida permanece entregue à baba dos poderosos da República e ao suor dos brasileiros, passemos ao próximo capítulo da novela: a “mágica” do empreendedorismo, saída proposta para a onda de desemprego. Tudo é negócio: é só aprender os truques, arapucas e iscas para atrair os incautos e lhes vender produtos de pouco valor por altos preços.
Em 1910, meses antes da passagem do Cometa de Halley, os malandros vendiam como pão quente máscaras contra os supostos gases letais que viriam com o visitante celestial. Hoje, vê-se por aí o anúncio de espertalhões vendendo camisinhas de vênus com proteção contra a Zika, para aproveitar a “oportunidade” das Olimpíadas. Os malandros de 1910 e os de 2016 tiram o “s” de crise, mas a maioria da população sofre com sua saliva, mais venenosa que qualquer gás de cometa.
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* Escritor


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Da “Paubrás” à dívida trilionária
Alceu A. Sperança*
Crer em profecias é um risco nestes tempos de incertezas. Poucos se atrevem a bancar o Nostradamus para dar palpites sobre o que vai acontecer amanhã ou na semana que vem. Quem tenta prever algo melhor que desgraça quebra a cara.
Claro, sempre aparecem intérpretes do velho Nostra para tirar novas ilações de cada centúria. Até resgataram um verso no qual ele previu que em 2015 o inferno se recusaria a receber mais mortos. Nesse caso, os refugados são os atores dos filmes de zumbis que infernizam as telas.
Um estudioso, não um profeta, o professor gaúcho Adelar Baggio assustou a plateia que o escutava atentamente na Associação Comercial e Industrial de Cascavel (Acic), em julho de 1990, no Ciclo de Debates Informática e Tecnologia – Os Novos Desafios do Desenvolvimento.
Na Europa, contou, há em testes proteínas sintéticas mais baratas que a soja e até 1996 os agricultores do Paraná vão quebrar. Textualmente: “Não se iludam: a agropecuária é algo que pode afundar o Estado, como já fez com outros”. Para sorte dos ruralistas, a soja continuou mais barata e fácil de produzir que as demais opções proteicas imaginadas.
Não é demais (toc, toc na madeira!) ficar de olhos bem abertos e ter um planinho B para evitar o que houve com o pau-brasil. Sua tinta vermelha, monopólio de uma “Paubrás” seiscentista, era muito requisitada para fornecer a cor púrpura das vestes da nobreza e do alto clero.
Assunto tratado no livro O Brasil é Nosso: Compramos e pagamos caro por ele, o imperador Pedro I pagou a Independência com empréstimos escandalosos tomados junto aos banqueiros ingleses, taxidermistas que tiram o couro dos credores sem matar os animais.
Arcados sob o peso de um custo exorbitante pelo “serviço” da dívida, nós, os neoescravos, devemos ainda mais à medida que pagamos. As cláusulas contratadas eram tão cruéis que o imperador, envergonhado, quis liquidar a dívida de vez aplicando o primarismo exportador, como sempre antes na história deste país.
Escalado o precioso pau-brasil para liquidar a dívida brasileira com a Inglaterra, num arrastão ordenado por Pedro I em 1826 foram promovidas derrubadas impiedosas que estenderam o massacre até ao redor de 70 milhões de árvores. Agora seriam pagos os juros do primeiro empréstimo externo tomado pelo Brasil em troca da independência.
A fórmula mágica do imperador deu com os burros n’água. A dívida não foi quitada porque no século XIX já se popularizavam as baratas anilinas, fornecidas pela hulha, esteio da primeira revolução industrial e forte concorrente do petróleo. A dívida, portanto, vem com uma independência dependente e dispara com o avanço tecnológico na Europa que deixa os endividados para trás e gastando a toa.
A devastação liquidou as matas de pau-brasil, hoje espécie vulnerável sob risco de extinção. E a dívida só cresce, já beirando os R$ 4 trilhões. A soja ainda vai se garantindo, mas o Brasil continua primário, mal pago e atrasado tecnologicamente. A quarta revolução industrial veio e Pindorama sequer assimilou a terceira.
Hoje, pau-brasil, pré-sal, nióbio ou soja não bastam para custear a dívida que os ditadores do 1º de abril bilhonaram e o Big Center (Centrão, para os íntimos) tornou trilionária nos últimos 30 anos. Outros espetaculares materiais serão os preferidos para suportar a imensa dívida nacional. Salive o leitor por mais notícias, suando no batente até o próximo domingo, quando iremos em frente neste assunto.
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* Escritor

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A “ponte” para o mesmo lugar
Alceu A. Sperança*

Maquiavel, o astuto pensador florentino, ensinou que “não há nada mais difícil de realizar nem mais perigoso de controlar do que o início de uma nova ordem de coisas”. Digamos que sim, para não começar brigando. Mas o governo-tampão Temer, que terá até seis meses, traz de fato uma nova ordem de coisas? Agora, sim, vamos à briga!
Tudo o que se vê na mídia disfarça como novo ou mudança aquilo que já estava no script. O que nos leva do sábio florentino ao siciliano Giuseppe Tomasi di Lampedusa: “Se queremos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude”.
O que Temer faz é só apressar aquilo que Dilma pisava em ovos para fazer, mas queria fazer e já estava fazendo. Cumpria a rigor o script desde a festiva GLO e só andava meio perdida, sem saber como obedecer impunemente ao “mercado, o nervoso”, por ainda ouvir os insistentes ecos dos gritos por mudanças de junho de 2013.
Uma ordem nova não interessa a quem lucra com a atual. Não se espere que banqueiros, transnacionais e sua claque associada local facilitem algo realmente novo. A arma que usam para impedir que o novo chegue mais rapidamente – porque sempre vem, virá e nada há que possa brecar a evolução e a seta do tempo – é o medo. O velho, íntimo e raramente confessado temor, que mais tem a ver com a resistência às mudanças que com Temer.
Os velhos luditas tentavam defender a classe trabalhadora, sim, mas do jeito errado: atacavam a mudança, o avanço, o novo, e poupavam a classe que os explorava. Preferiam ser explorados a ter máquinas trabalhando em seu lugar. Hoje, ninguém mais quebra robôs ou computadores. Quebram-se sozinhos por obsolescência planejada.
O medo é detonado pelo desconhecido. Não se sabe se o futuro será melhor que agora. Muitos morriam de medo de cometas e eclipses por achar que o mal vinha do céu: a palavra “desastre” significa “desvio dos astros”. Se as instituições vão mal, porém, de nada resolve clamar aos céus: é preciso olhar, e muito bem, ao redor. André Gide: “Quando começares a compreender que o responsável por todos os males da vida não é Deus, que os responsáveis são só os homens, não te conformarás mais com esses males”.
Temer é o vice de Dilma, só está em exercício. A presidente é ela e a agenda do Planalto é a de sempre. A “ponte para o futuro” conduz ao mesmo lugar. Deveríamos temer os discursos que não correspondem aos fatos: diziam que estávamos no “pleno emprego” e havia uma “nova classe média”, mas o que se vê é desemprego e dívidas disparando. A velha desigualdade e mudanças que nada mudam.
Toda manhã o carroceiro trazia a garrafa de leite. Os garotos ganhavam grana para os gibis arrumando pinos no boliche. Vovô primeiro ouvia a voz suave da operadora telefônica antes de ligar para vovó. E o dia se completava quando o escravo, ao cair da tarde, vinha acender os lampiões assoviando a Marselhesa.
Tudo isso passou e tudo o mais também passará, porque “o novo sempre vem”, cantava Belchior. Mas “cuidado, meu bem, há perigo na esquina: eles venceram e o sinal está fechado pra nós”. Sim, porque a mudança é lampedusiana. A intenção de que só pareça que mudou para continuar na mesma.
Se algum medo faz bem, há que temer a paralisia, a estagnação. Temer a lagoa das crenças superadas e não o rio das descobertas e inovações. Água parada cria mosquito da zika e água corrente reflete a lei elementar da vida: o movimento, a transformação, o novo que sempre vem.
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* Escritor
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Noite violenta e 7,5 bilhões de sóis
Alceu A. Sperança*

O que merece uma adolescente ansiosa para ir à escola? Malala Yousafzai mereceu um tiro na cabeça. A jovem paquistanesa cometeu o ato “terrorista” de defender o direito das meninas de ir à escola, que um Estado paralelo, supostamente inspirado em valores religiosos, proibiu na região em que ela nasceu.
Isso não aconteceu na Idade Média: em 9 de outubro de 2012, Malala entrou num ônibus escolar. Um homem a chamou pelo nome, apontou-lhe uma pistola e disparou três tiros. O pai dela, um professor, disse que não foi uma pessoa que atirou na frágil Malala: foi uma ideologia. A duras penas, Malala conseguiu sobreviver, mas sabe que se retornar ao país natal será novamente alvejada pelos tiros da intolerância, desta vez mortalmente.
 Ela sente saudades das colegas de escola e não se adapta bem aos costumes ocidentais, mas os intolerantes que a escolheram como vítima conseguiram o oposto do que desejavam: Malala comanda uma campanha mundial pela educação das meninas em todos os países e, além de continuar estudando, estuda ainda mais e lê muito.
Quando as pessoas a invejam por ganhar o apoio e a visita de líderes mundiais, celebridades e astros do rock, ela observa: “Superstars do rock não precisam fazer a lição de casa” – que o pai professor exige todos os dias, sem falta. O irmão observa que depois dos tiros ela ficou “viciada em livros”.
A estrelinha Malala sobreviveu, mas a estrela da democracia no mundo sofre neste momento um ataque fortíssimo. Uma tenebrosa noite começa a descer sobre o planeta, como a ecoar os tiros disparados contra a menina Malala. Pessoas são enxotadas dos lares, perdem direitos, caem na pobreza e sofrem perseguições por defender a humanidade, a cultura e a justiça. É BBB: bala disparada, borracha no lombo e besteirol midiático.
Desolados com o drama da estrelinha Malala, voltamos os olhos aos céus. Lá está a superestrela Eta Carinae. Uma das mais luminosas da Via Láctea, é a estrela mais observada na Terra depois do Sol. Ela fez parte da primeira geração de estrelas que iluminaram a “idade das trevas” do Universo, diz o professor Augusto Damineli, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP.
Residindo provisoriamente hoje na Inglaterra, a estrelinha Malala talvez jamais volte a levar um tiro e fique novamente à beira da morte, mas Eta Carinae, que trouxe a luz para a era das trevas do universo, vai fatalmente morrer. Em estado terminal, a superstar, com o tamanho de 90 sóis e a capacidade iluminativa de cinco milhões deles, passa por transformações terminais e vai explodir em breve.
Como se tivesse levado um tiro, Eta Carinae, localizada a 8 mil anos-luz da Terra, apresenta um buraco por onde os cientistas estudam a possibilidade de confirmar ou reduzir a pó tudo o que se conhece neste mundo a respeito de estrelas. Desde que estudar sempre é preciso, em sua agonia cósmica a superestrela vai nos ensinar muito sobre o universo.
Já a estrelinha sobrevivente, Malala Yousafzai, continuará viva e ensinando que meninas estudiosas serão mães de qualidade e terão filhos melhores. Eta Carinae, descobriu-se recentemente, repartiu-se em duas: A e B, e brilha como nunca. Malala se reparte em milhares e leva a luz do conhecimento a milhões de crianças de todo o mundo. Só assim a assustadora noite da intolerância que hoje ameaça a humanidade poderá ser dissipada. A escuridão fascista não vencerá a claridade de 7,5 bilhões de sóis-corações humanos.
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* Escritor
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Tempos de falar e pedir justiça
Alceu A. Sperança*

O segundo jornal a circular em Cascavel, A Verdade, na década de 1950, tinha por lema versos do poeta espanhol Félix Lope de Vega (1562–1635): “A verdade de nada se envergonha, / a não ser de estar oculta”. Dita, escrita, murmurada ou gritada, a verdade só estará negativa ficando oculta – por isso toda opressão é odiosa, na medida em que celebra como verdade a versão palaciana e reprime as vozes discordantes com sangue, suor e lágrimas.
Acaba de sair pela Editora Edunioeste o livro Combatentes: tempos de falar, obra organizada pelos professores Alfredo A. Batista e Carla Luciana Silva, reunindo depoimentos proferidos na Audiência Pública da Comissão Estadual da Verdade, em Cascavel, por diversas pessoas que sentiram a mão pesada da ditadura do 1º de abril caindo sobre suas famílias, consciências e direitos.
Há muita emoção nos depoimentos, contraponto para o silêncio de quem sofreu tanto ou mais que os depoentes e se recusou a prestar depoimentos temendo se debulhar em lágrimas ao reviver as crueldades sofridas. Não seriam lágrimas de humilhação, mas de superação. Ainda assim, lágrimas a mais além das vertidas no cativeiro da opressão.
O agradecimento às lágrimas que a memória reeditou não implica uma condenação ao silêncio envergonhado de quem não teve ânimo ou coragem para dizer a sua verdade, arrancando-a do cativeiro mental. Este silêncio, na forma possível, foi compensado pelas reflexões ponderadas de Aluizio Palmar, persistente guerrilheiro que ofereceu contribuição decisiva à promoção da audiência da Comissão da Verdade na Unioeste. Elas sintetizam o evento e o livro: “Acabou o tempo de silêncio. Agora é um tempo de falar, o tempo de pedir justiça”. 
Se algo pode ser acrescentado a essa obra tão importante para o conhecimento da verdade sobre os dolorosos momentos pelos quais passaram os perseguidos pela opressão ditatorial é que junto do tempo de falar há também o tempo de escrever, coletar documentos e processá-los num tempo também de ler, e ler muito, porque os analfabetismos funcional e político afastam nosso povo da verdade.
Os idealistas supõem que a verdade seja uma impossibilidade, mas o estudo da realidade concreta conduz à verdade possível aceita pela razão e pela emoção. Para Marx, a verdade é sempre um paradoxo quando julgada pela mediocridade que se agarra à aparência efêmera das coisas. A verdade não vem fácil: requer trabalho e investigação.
Perdem-se na agonia dos tempos as condenações, censuras, humilhações, prisões, exílios e mortes dos que sofreram por ousar dizê-la, como Galileu Galilei e Giordano Bruno. O primeiro, acuado pela crença hegemônica. O segundo, condenado à morte em fogueira, com uma tábua de pregos na língua, para que nem no suposto “Além” falasse o que descobriu investigando a verdade da natureza.
Mesmo também um idealista, mas do alto de sua condição de “pai” da sociologia moderna, Antoine Blanc de Saint-Bonnet avisou: “Os fatos falarão com a sua grande voz. A verdade deixará as altitudes da palavra, entrará no pão que comemos. A luz será fogo!”
O livro Combatentes: tempos de falar é fruto da luz que vem do fogo da memória dos que sofreram. Ilumina um pouco mais este país tão sofrido, engabelado pelos pelegos e falsos democratas de diversos tempos, que, entretanto, jamais nos impedirão de construir um novo tempo. Uma sociedade sem classes, na qual pensar, escrever e dizer não acabem em tortura, prisão, exílio e morte.
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* Escritor
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Temer Frankenstein e seu ministério
Alceu A. Sperança*
O já virtual futuro presidente Michel Temer encarna neste momento o doutor Frankenstein, fantástico personagem de Mary Shelley que montou uma criatura nova coletando pedaços de gente morta. A “criatura” de Temer é um monstrengo formado com partes de ex-ministros dos presidentes Lula, FHC e Dilma e de seu próprio PMDB, além de outros nacos adquiridos no famoso Varejão.
Se essa colagem de pedaços vai dar algum resultado positivo é coisa que só o tempo dirá. Separados não deram em grande coisa, mas não cabe agora profetizar o que virá quando essa criatura ministerial começar a percorrer os caminhos reais da sociedade brasileira. O personagem de Mary Shelley era escorraçado pelo povo por onde passava e até seu criador se horrorizou com ele, repudiando-o. Na história do Brasil, veremos.
Membro de uma das equipes que descobriram simultaneamente os até agora apenas teorizados Férmions de Weyl, num avanço tão incrível para a ciência contemporânea quanto extrair vida da morte, o cientista Su-Yang Xu contou que se encaminhou para a etapa final da descoberta agindo mais ou menos como o doutor Frankenstein na ficção científica e como Temer ao montar o futuro Ministério.
Diz que juntou física teórica, química, ciência dos materiais “e, mais importante, a intuição”. O quê? Intuição é mais importante que tudo o mais? O cientista acha que sim: “Este trabalho mostra realmente por que a pesquisa é tão fascinante, porque ela envolve tanto pensamento racional, lógico, como iluminações e inspiração”.
Isso que Su-Yang Xu chama de “iluminações e inspiração”, a rigor, nada mais é que uma elaboração fina, eletroquímica ou algo assim, da matéria cerebral, que une conhecimentos anteriores e experiências atuais e sempre dá em alguma coisa, até em nada.
Na maioria dos casos, repetir mantras garante mente sossegada e corpo búdico, no sentido de gordinho que fica muito no seu canto e não faz necessários exercícios físicos, como os viciados em TV e videogueimes. O fato é que Su-Yang Xu sustenta a importância das “iluminações” em sua descoberta, mas os demais cientistas participantes dos procedimentos não deram o mesmo destaque à “intuição”: seus relatos são de trabalho duro, por anos a fio.
Um trabalho, aliás, iniciado no distante e mal iluminado ano de 1929. Foi quando ocorreu a primeira grande crise capitalista (70 anos depois haveria outra, ainda mais avassaladora). Nessa época, o matemático alemão Hermann Weyl anunciou ter resolvido a equação de Dirac – e sua solução implicava a existência de uma partícula sem massa, que ganhou seu nome (“ponto de Weyl”).
Uma partícula sem massa não seria algo como a materialidade de uma intuição? Pode ser que sim, mas não deixa de ser intrigante que as partículas de Weyl tenham sido teorizadas num ano de grave crise e descobertas na prática, em laboratório, após a eclosão da próxima grande crise mundial.
Nos dois casos, porém, fica evidente que, intuitivamente ou não, a necessidade e o trabalho são os dois grandes eixos do avanço da civilização. A intuição aqui não diz nada sobre o futuro Ministério montado por Temer/Frankenstein. Mas garante que depois da descoberta das partículas de Weyl a ciência terá um desenvolvimento ainda mais fantástico do que o doutor Frankenstein e sua criadora Mary Shelley jamais poderiam sonhar.
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* Escritor

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O grafeno mudará o mundo. E a gente?
Alceu A. Sperança*

A julgar por O Fim do Poder, livro do professor Moisés Naim, já aconteceu o “apocalipse” que Antonio Gramsci propunha: “A crise consiste em que o ultrapassado está morrendo e o novo ainda não consegue nascer. E nesse ínterim aparecem muitos sintomas doentios”. Naim, ex-diretor do Banco Mundial e líder do Grupo dos Cinquenta, organização que reúne os CEOs das empresas mais influentes da América Latina, aceita que o ultrapassado de fato está morrendo, e vai tarde, mas dá o novo como já nascido.

Ao contrário de reconhecer os sintomas doentios, Naim faz a alegria das ongs e arapucas “cidadanistas” ao supor que o fim do poder tal como o conhecemos se dá porque os líderes têm sua margem de decisões diluída entre muitas pequenas ou médias organizações. Uau, democracia quae sera tamen!

 É algo como trocar a palavra de ordem “todo poder aos sovietes” (1917) por “todo poder ao facebook” (2017). Um neto de mineira bem desconfiada, d. Mariana, poderia supor que subliminarmente ele diz o seguinte: “Não precisa mais combater o poder dos bancos e grandes corporações. Quem manda agora é você, clicando numa rede social...”

Vindo de quem vem e a quem serve, pé atrás é pouco, mas isto não desqualifica o livro, sustentado em argumentos fortes, como a afirmação de que “as corporações se tornaram mais vulneráveis a escândalos capazes de destruir sua reputação e seu valor de mercado” – vide Enron.

Cientistas políticos e econômicos não dão conta de sanar os sintomas doentios que Gramsci via na crise, mas no geral a ciência traz a cada segundo mais avanços, quebra paradigmas e desmoraliza crenças. É espantoso como tudo acontece em tão pouco tempo – mal dá para tomar fôlego.

O grafeno, por exemplo. Quando todo mundo exaltava o silício e o considerava o “ouro” da era da computação, o grafeno chega timidamente e come pelas beiradas até botar o silício nas cordas quanto a qualidade e potencial. Os cientistas dizem que esse material tem no mínimo seis possibilidades fantásticas de aplicação capazes de mudar o mundo para melhor em curtíssimo prazo.

Não há, porém, cientistas encontrando em gente, o velho e bom ser humano, aplicações capazes de melhorar este mundo cheio de sintomas doentios. Sim, o grafeno vai mudar o mundo, mas como a gente pode mudá-lo? Em Quedas do Iguaçu, esse poder “finalizado” jogou o povo da cidade contra o povo do campo, que luta por reformas. Ora, o povo da cidade também quer reformas. Deviam lutar juntos.

Mas o Ministério da Saúde não adverte que os povos são jogados uns contra os outros pelos que detêm os cordéis do poder político e econômico para evitar que se unam. Esse poder chegou ao fim onde, Mister Naim?... Fukuyama já contou essa piada, trocando “poder” por “história”.

No circo romano, os escravos gladiadores lutavam uns contra os outros e os cristãos enfrentavam leões, jogados na arena para cumprir o sangrento papel de atacar os homens com a fúria estimulada pela jaula e a fome. Hoje, feras humanas se agridem a tiros, insultos, preconceitos, impeachments e guerras. Os leões não são mais necessários.

A pesquisadora brasileira Cristiane Morais Smith avisa que trabalha em algo ainda melhor que o grafeno. Alvíssaras! Mas ainda falta quem descubra paz, justiça, democracia, igualdade, liberdade e fraternidade. Haverá utilidade prática e efetiva para estas seis aplicações – ou jogar gente pobre contra gente miserável rende mais que o grafeno ou o carbino?


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* Escritor 
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Paranaenses nadando em dinheiro
Alceu A. Sperança*

A indústria nacional regride ao tamanho da década de 1950. Apesar da maledicência e da fulanização, que no Brasil valem mais que reconhecer responsabilidades e corrigir omissões, seria ridículo atribuir todo esse desastre apenas a Dilma e Lula.

O peso desses dois no “conjunto da obra”, ou seja, a demolição do Estado e da social-democracia do Brasil, é muito menor do que imaginam os indignados e os contentinhos com o sistema. No romance A República dos Sonhos, Nélida Piñon sentencia, por seu personagem Venâncio: “É sempre uma classe inteira que trai uma nação”. Há, portanto, mais traidores do que imagina nossa vã impicharia.

A professora Leda Paulani, em memorável palestra, fez um histórico essencial da economia brasileira no qual Dilma e Lula parecem dois grãos de areia na enorme praia das crueldades praticadas por aquela “classe inteira” mencionada por Venâncio.

Começa com Portugal usando o Brasil como objeto de espoliação e fonte de oferta de metais preciosos e matérias primas no contexto da acumulação primitiva pelo capitalismo europeu. Em seguida, o Brasil foi destinado à produção de bens agrícolas e matérias primas baratas, alavancando a acumulação no Centro capitalista europeu e nos EUA.

A partir da segunda metade da década de 1950, a economia brasileira é objeto de deslocamento espacial do capital, que instala indústrias em polos como o ABC paulista ou a CIC, na RM de Curitiba, em busca de mercado que faltava em tempos de superacumulação industrial na Europa e EUA.

Já na década de 1970, milagre da ditadura, o Brasil tem uma economia tomadora de empréstimos. O país passa a ser o devedor que faltava a um capital financeiro robusto e ávido por aplicações no contexto de uma crise de sobreacumulação irresolvida no Centro capitalista.

Como tudo pode piorar, o atual momento é a economia brasileira como plataforma internacional de valorização financeira, ofertando ganhos financeiros em tempos de capitalismo rentista. Isso foi inaugurado nos governos Collor e Itamar Franco, no início da década de 1990, aprofundado nos governos FHC, e mantido inalterado nos governos Lula e Dilma.

Avaliando rapidamente cinco séculos de história, Lula e Dilma aparecem muito mal na foto, mas não passam de alguns pontinhos quase sumidos no cromo. Sua presença grita pela omissão, empurrar com a barriga, deixar como está pra ver como é que fica. Porque, no fim das contas, eles nada decidiram: tudo já foi determinado antes (e apesar) deles. A tal “democracia” que defendem é mero apego aos carguinhos do aparelhismo.

Se realmente o Brasil regredir, como anseia a hidrofobia fascista rancorosa que rola por aí, logo o Brasil retornará às ditaduras sangrentas e à Inquisição, já observada nas estéreis discussões sobre sexo dos anjos em parlamentos incapazes de abordar problemas com seriedade por falta de soluções funcionais a apresentar.

Se vale sonhar, poderia até retroagir aos tempos em que os paranaenses ainda não eram os cidadãos mais endividados do Brasil: compravam os bens mais valiosos sem perguntar o preço. Mandavam o próprio mercador tirar o dinheiro do saco para pegar o que quisesse, como reportou o historiador luso Antônio Vieira do Santos. Classe é isso, seu Venâncio! Depois de nadar em dinheiro, amargar a dívida.


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* Escritor

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História que se repete como hábito
Alceu A. Sperança*
O Impeachment 2016 é uma coisa estranhíssima. Não porque pode banir uma gestora de discutíveis dotes, o que será até normal caso se comprove algum crime cometido, mas pela óbvia intenção de colocar na Presidência, pela terceira vez, um líder do PMDB que galga o poder não por escolha do eleitor, mas pela desgraça do titular. Dá até a impressão de ser uma rotina deliberada.
Marx afirmou que a história se repete uma vez como tragédia e outra como farsa. No caso do PMDB, a tragédia foi a morte de Tancredo, que deu no presidente José Sarney. A farsa foi Collor, um estelionatário eleitoral, que deu em Itamar Franco e seu ardiloso Plano Real. O que Marx diria de mais um líder do PMDB chegar à Presidência sem ser eleito na cabeça de chapa? Talvez que a história se repita na terceira vez como hábito...
Muitos presidentes foram depostos ou levados a se escafeder com renúncia, golpe, doença ou morte. Por inconformidade com resultados eleitorais as tentativas nem sempre dão certo, como os vários pedidos encaminhados pelo PT para cassar FHC – e adivinhe quem livrou o professor tucano, em 1998. Sim, ele, Michel Temer.
A República jamais viria com eleições. A Princesa Isabel, já virtualmente no poder, ganharia todas. Aliás, detonou os republicanos no pleito de 31 de agosto de 1889, com 85% dos votos. O sucesso do golpe de 15 de novembro veio de uma armação engendrada – sem temer, em minúsculo – pelo professor Benjamin Constant.
Mais efetiva foi a Revolução de 1930, uma trama perfeita orquestrada por Osvaldo Aranha. Os outros golpes foram fuleiros, embora tão ilegais quanto violentos. Algumas foram quarteladas, como a mais opressiva e longa, açulada pela Operação Brother Sam – o golpe do 1º de abril.
Mudar, de fato, nenhum mudou grande coisa – por isso os brasileiros têm sempre essa renitente sensação de déjà vu, com a história se repetindo como tragédia, farsa ou hábito. Sequer os dois golpes mais transformadores – República e 1930 – foram “uma Brastemp”.
A República poderia ter sido melhor que a monarquia, mas recaiu em velhos hábitos, negociando poder e fortuna com barões, duques e viscondes. A dialética é pródiga em mostrar que a nova ordem ainda mantém o que a anterior tem de mais forte. Stálin foi o quê, além de um czar? Melhor foi Rio Branco, o Barão a quem a República deve seu melhor.
A Revolução de 1930 depôs de fato a aristocracia e instalou a classe média no poder, mas resguardou velhas manias antipovo do Império e da Primeira República ao descambar para um regime fascista que se esgotou com a II Guerra e a democratização allegro ma non troppo de 1947.  
De golpe em golpe, de eleição em eleição, seja quem for o imperador, presidente ou primeiro-ministro, nenhum serviu aos interesses do povo brasileiro, o que nos leva a Bertolt Brecht: “Já tivemos muitos amos! (...)/ Seus coturnos? Quem viu um! Viu todos... / Não comparamos. / Não queremos novos amos: / Não queremos amo algum!”
Não dá para resolver a gravíssima situação do Brasil com a opção duvidosa entre a falsa solução do impeachment e a manutenção de um governo incapaz, como se uma das duas premissas fosse virtuosa. Do impeachment ou do governo que ficar ou entrar nada virá de bom ou favorável para os trabalhadores e a classe média – pior ainda para a “nova CM”, ou seja, pobres escravizados pela insustentável leveza do cartão de crédito.
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* Escritor

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 “Tão botando sal no meu mingau!”
O que tem a ver um asteroide que caiu há 20 milhões de anos com a crise hídrica brasileira? Alguma coisa tem, porque aprendemos com vovô que “tudo se relaciona” (e vovó, escorada na igualdade de gênero, chamaria a isto “primeira lei da dialética”).
A angustiante luta pela água, encarecendo à medida que o petróleo perde valor, levou a uma intensa e indiscriminada perfuração de poços que em algumas regiões criam mais um problema angustiante: a salinização irreversível dos aquíferos. É assim que uma água doce e pura, disponível há mais de 18 mil anos, como no Recife, sucumbe a algumas décadas de “civilizado” consumismo sem controle.
Não importando se os poços são “pobres” (superficiais, em vilas resultantes da gentrificação) ou “ricos” (artesianos, nos condomínios de luxo), a soma dos tratores não altera o viaduto: os aquíferos sofrem a intrusão de água do mar e, assim, ocorre a salinização que ao longo do tempo levará à perda total.
Para o pesquisador Ricardo Hirata, do Centro de Pesquisas de Águas Subterrâneas da Universidade de São Paulo, dá-se aí o fenômeno da “tragédia dos comuns”, que na verdade é a tragédia do individualismo: é quando a soma das soluções individuais (neste caso, a perfuração desregulada) acarreta um problema para todos (superexploração dos aquíferos).
Bem usadas, porém, as perfurações poderiam, em breve e com baixo investimento (dispensam tratamento químico e não produzem resíduos sólidos), proporcionar um metro cúbico de água boa a mais por segundo em São Paulo, segundo o cientista. Mas como usar bem, se o semideus mercado imobiliário financia as campanhas eleitorais de prefeitos e vereadores? O relaxamento das leis e as vistas grossas dos fiscais completam a “tragédia dos comuns”. 
Sim, mas o que a irresponsabilidade do poder público privatizado, egoísta e lava-jatado tem a ver com a queda de um asteroide há 20 milhões de anos? Seria culpa do juiz Sérgio Moro ou da Dilma? Suicídio ou Delcídio?
Foi sem impeachment, mas caiu. Formou a Cratera de Colônia, com 3,6 km de diâmetro, em Parelheiros, na Região Metropolitana de São Paulo. Hoje em vias de ocupação pela expansão imobiliária, o buracão antes formava um lago que funcionou como reservatório das águas da chuva e cheias de rios próximos.
Um projeto de conservação se arrasta no papel desde 2007, quando um pequeno trecho foi batizado como “parque ambiental”, sem fazer recuar a voracidade do apetite imobiliário, que engole a cratera desde pelo menos 1989, quando o boom urbano se acelerou.
O pesquisador Victor Velázquez sugeriu que o poder público e a população, conscientizada sobre a importância do lugar, um laboratório natural, transformassem a cratera e seu entorno em geoparque, para receber pesquisadores, estudantes e turistas de diversas partes do Brasil. Vencerá a melhor ideia ou vai dar a lógica, ou seja, o parque ambiental continuará minúsculo, asfixiado por projetos imobiliários inadequados e shoppings?
O Ribeirão Vermelho, principal curso d’água da Cratera de Colônia, deságua na Represa Billings, de onde sai o abastecimento do Sistema Guarapiranga, garantindo parte do fornecimento de água à metrópole paulista. Aí se chega à relação com a crise hídrica, a subutilização dos recursos naturais e o mau costume de sufocar áreas de preservação com construções desnecessárias. Agora conta outra, vovô. Aquela história assustadora da segunda lei da dialética.
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* Escritor
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O Homem da Lua, um filme para crianças


O ditador do mundo combate o sonho das crianças na premiada animação do diretor e roteirista alemão Stephan Schesch,


O Homem da Lua (Der Mondmann) vive sozinho neste grande satélite. Um dia, entediado, ele decide visitar a Terra, e para isso se agarra em um cometa.


Quando chega ao novo planeta, ele se encanta com as belezas naturais, mas logo descobre que não existe apenas bondade neste local. O Presidente do Mundo, certo de que o Homem da Lua é um invasor, decide afugentá-lo. Para se salvar, ele deverá contar com a ajuda dos amigos e das crianças.


O filme, que é de 2012 mas começou a ser exibido no Brasil no ano passado, utiliza a animação tradicional para contar uma história singela, que envolve a ingenuidade do tal homem da lua e também os conflitos provocados por alguns humanos ao considerarem que sua visita é, na verdade, um ataque vindo de outro planeta.


Com roteiro do próprio diretor e de Sarah Clara Weber, que também participa da direção, este desenho animado se baseia em obra homônima de Tomi Ungerer, que escreveu o texto e desenhou as ilustrações de sua obra, um dos maiores best-sellers da literatura infantil, traduzido para doze idiomas.


Francês, nascido em 1931, Jean-Thomas "Tomi" Ungerer já escreveu mais de 140 livros que vem encantando gerações de crianças em todo o mundo. No entanto, é detestado por muitos adultos, que não o perdoam por ser “subversivo”, ou seja, faça uma crítica ácida sobre os “podres poderes”, que em “O Homem da Lua” é sintetizado no irascível ditador que submeteu o mundo todo a uma só bandeira.


Em 1998, Umgerer Ungerer recebeu a medalha internacional Hans Christian Andersen por sua obra como ilustrador de história infantis. Seu pai, Theo Ungerer, foi também um artista, além de engenheiro, tendo trabalhado com relojoaria astronômica.


Na década de 1960, quando começava a distribuir seus primeiros livros infantis, colaborava com a denúncia da guerra do Vietnã produzindo pôsteres de protesto. A história do ingênuo e sensível homem da lua perseguido pelo ditador do mundo vem dessa época, vindo a público em 1966.

Sua cidade natal – Strasbourg – criou uma instituição em sua homenagem: o Museu Tomi Ungerer Centro Internacional da Ilustração. Ele descreve a si mesmo como “primeiramente e acima de tudo um satírico narrador de histórias”. Ele também escreve para adultos, mas suas críticas são tão ferozes que não é tão estimado pelos marmanjos como é pelas crianças!   

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Ministros, cavalos e pleno emprego

Alceu A. Sperança*

Finda a farsa da “nova crasse média” e de que o Brasil alcançou o paraíso do pleno emprego, o desemprego salta às alturas. Com a inflação lambendo o picolé do salário congelado, as reduções de jornada e ganho permitem arranjar bicos empreendedores para ganhar o mesmo de há dez anos.

A professora prefere virar muambeira, babá ou diarista, até em tripla jornada, a entrar numa sala de aula cheia de moleques cujos pais não lhes dão educação porque trabalham... em tripla jornada. “Ah, mas pra tudo tem solução, seu João! Privatiza tudo, o Estado e a vida, e não se fala mais nisso”.

Há idílicas narrativas de tempos gloriosos em que realmente havia pleno emprego: os vadios eram apanhados a laço e obrigados a trabalhar. O decreto do “pleno emprego” de 1815 obrigava todo homem sem propriedades a ser “servente” de alguém que as tenha, com a obrigação de portar uma papeleta atualizada pelo dono (da terra e do peão) a cada três meses.

Quem não “serve” a um dono é considerado “vagabundo”. Peão apanhado sem prova da escravatura branca é alistado à força num batalhão que vai combater índios e uruguaios. Depois, “o criollo bravio, que servira de carne de canhão nos exércitos patriotas, se convertia em pária, peão miserável ou milico de fortim”, evoca Eduardo Galeano em Veias Abertas da América Latina. Esse aguerrido criollo, peão experiente, talvez até se desse bem ocupando um lugar de ministro em um governo desesperado para se salvar do desastre.

Para Guimarães Rosa, “quem fala muito dá bom-dia a cavalo”, mas cumprimentar cavalgaduras pode não ser tão lamentável quanto ter o traseiro castigado pelo chicote da própria língua. Faça de conta, então, que jamais ouviu ou leu Lula da Silva sentenciar que “quando rico rouba, vira ministro”.

Ministros, afinal, são a nata de uma Nação e agora o próprio da Silva é ministro. Ladrões, com certeza, foram aqueles denunciados ao rei português pelo padre Antônio Vieira: “Perde-se o Brasil, Senhor, porque alguns ministros de Sua Majestade não vem cá buscar o nosso bem, vêm cá buscar os nossos bens”.

Eterna e mundialmente difamados, os ministros não escaparam à implacável sabedoria chinesa. Quando aquinhoado com mais um filho, o camponês diz: “Se nasceu sadio, dará um bom trabalhador. Se for lesado talvez sirva pra ser ministro”

Baltasar de Gracián também desprezava os ministros. Só mandava ficar de olho em quem os nomeia. Nunca se diz que o líder tinha bons ou maus ministros, defendia o sábio aragonês, mas se ele era bom ou mau artífice: “Escolha com cuidado, examine os seus ministros porque a eles você está confiando sua fama imortal”.

Por essa ótica, o ministro Lula é um tucano. O homem-chave de seu governo foi o banqueiro Henrique Meirelles, que acabara de ser eleito deputado federal pelo PSDB de Goiás e foi comandar o Banco Central lulista.

Delcídio do Amaral e Kátia Abreu também eram tucanos. Ambos foram incorporados a posições de alta liderança e importância no lulismo da coalizão PT-PMDB, que com o próprio tucanato perfazem a elite política nacional, poliedro de peças intercambiáveis que, simplificando, dá no Big Center (Centrão, para os íntimos).

Agora no PMDB, para onde José Serra também quer ir, Meirelles está na bica para ser outra vez o homem-chave do neopresidente ou primeiro-ministro Lula, que já admitiu ser um “liberal”, ou seja, capitalista. E la nave va, como o Titanic também foi.

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* Escritor
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Três mulheres, três impeachments
Alceu A. Sperança*
Se essa farsa de fato acontecer, já que a eventual cassação de Dilma não vai mudar nada no país, não terá nenhum ineditismo o impeachment da quarta mulher a governar o Brasil. Começou com o impedimento da primeira, d. Maria I, a Princesa do Brasil. Quando Mariazinha nasceu, o pai, rei José I, era o Príncipe do Brasil. Primogênita, quando José assumiu o trono luso, em 1750, Maria recebeu o título.

Já rainha, foi Maria, antes de Dilma, a grande carrasca da indústria brasileira. Seu alvará de 5 de janeiro de 1785 impunha fortes restrições à atividade fabril. No reinado de Maria, aliás, ocorreu uma espécie de bisavó da Operação Lava-Jato. Nela foi processado e executado o alferes Joaquim Xavier, vulgo Tiradentes. Lula, pelo menos, não será enforcado...

Maria supunha o pai no inferno por perseguir jesuítas. Foi esse “delírio religioso” que a fez perder a função de governante, assumida pelo príncipe João, filho dela com um tio, Pedro de Bragança, nome também dos dois futuros imperadores. Resumo: foi impichada por loucura.


A princesa austríaca Leopoldina, segunda mulher a governar o Brasil, deu ao país três contribuições notáveis: decretou a independência, desenhou a bandeira do Brasil (com o verde da família Bragança, do marido Pedro, combinado com o amarelo de sua própria família – Habsburgo) e iniciou a imigração europeia ao país. A atração de braços europeus veio substituir a mão de obra escrava, que sua neta Isabel, terceira mulher a governar o Brasil, pôs fim de vez com a Lei Áurea.


Leopoldina assumiu as funções de princesa regente em setembro de 1821, quando Pedro saiu pelo Brasil tentando evitar a Independência, veja só. Até alguns dias antes do decreto de Leopoldina, em 2 de setembro de 1822, Pedro ainda jurava fidelidade ao rei de Portugal, seu pai João VI. Leopoldina decretou a independência quando ele estava em São Paulo.



Bem antes que ela declarasse o Brasil independente, o marido Pedro a trocara por um punhado de amantes, das quais a mais conhecida foi a Marquesa de Santos. Pedro Américo jamais a pintou como autora da declaração da Independência, atribuída só à bravata “independência ou morte”, inventada pelos marqueteiros de Pedro.



Supõe-se que ela morreu em 1826 em consequência de sopapos desferidos pelo marido-imperador durante um acesso de raiva – ainda não havia a Lei Maria da Penha. Assim sua participação na história se apagou. Resumo: imperatriz impichada por espancamento seguido de morte.



A terceira mulher a governar o Brasil foi a princesa Isabel de Bragança, bisneta de Maria I e neta de Leopoldina. Ela assumiu o governo em três ocasiões, durante viagens do pai, Pedro II, em 1870–1871, 1876–1877 e 1887–1888. Nesse período, Pedro II começa a dar sinais de debilidade (morreria no exílio, em 1891) e ela estava já bem preparada para governar.



Em outubro de 1887, a zelite escravocrata e conservadora, inconformada, pedia um plebiscito sobre a República, por julgar a princesa Isabel “uma mulher obcecada com uma educação jesuítica e casada com um príncipe estrangeiro” – o Conde D’Eu. A República jamais viria pelo voto da plebe, mas por um golpe militar, em novembro de 1889. Resumo: Isabel foi impichada preventivamente antes de assumir o quarto e definitivo mandato. E agora vem essa farsa aí...

alceusperanca@ig.com.br
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* Escritor


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Tempos corruptos e pervertidos
Alceu A. Sperança*
Aprendemos com os sábios antigos que o passado já morreu e o futuro ainda não nasceu. Essa convicção nos força a concentrar as energias só no presente. Eis que vem a ciência, cujo desenvolvimento destrói todas as velhas crenças, para demolir mais uma convicção, agora sobre como os homens lidam com o tempo.

Shakespeare já intuía a nova descoberta. Seu Hamlet, amargurado, brada: “Os tempos de hoje estão pervertidos. Oh, maldição!” Em Miséria da Filosofia, Marx descrevia o século XIX como “tempo da corrupção geral, da venalidade universal (...) em que qualquer coisa, moral ou física, tendo-se tornado valor venal, é levada ao mercado (...)”.
Como se viu, o século seguinte continuou na mesma toada e este XXI ainda vai patinando nas velhas guerras, corrupções e desigualdades. A cavaleiro de uma futurologia distópica, Frederick Winslow Taylor (1856–1915), o criador do sistema de organização científica do trabalho e controle do tempo conhecido como taylorismo, fez amar o passado e temer o amanhã, ou seja, o nosso hoje: “No passado, o homem vinha em primeiro lugar”, admitia Taylor. “No futuro”, praguejou, “o sistema deve vir primeiro”.

Agora vem a professora Joan Vaccaro, pesquisadora da universidade australiana de Griffith, bagunçar a crença geral ao propor uma nova teoria sobre o espaço-tempo. Ela nega que a seta do tempo estabeleça apenas a inexorável evolução do passado para o futuro. Contrariando deuses e sábios de todos os tempos, até o contemporâneo Stephen Hawking, ela diz que há meios de voltar, sim, ao passado. Uau!


Embora haja avanço no tempo, diz a bruxa-pesquisadora, “há também sempre algum movimento para trás, uma espécie de efeito de sacudidela, e é esse movimento que eu quero medir usando estes mésons K e B”. Além da sacudidela, a teoria abala o conceito de presente (aquele que deveria ser vivido), negando que ele exista.


Mas então aquilo que Papai Noel traz é o quê? Como Noel também não existe, consideremos, de acordo com a teoria de madame Vaccaro, que o futuro surgir do presente implica aceitar um presente fixo, um momento “imexível”. Esse tal presente, o “pai” do futuro, é que fica em xeque. As equações da pesquisadora revelam que esse presente fixo não existe.


Oh, maldição, que falta faz a Inquisição para queimar a bruxa! Só há um fluxo, diz ela. É esse fluxo que empurra o passado para o futuro, impulsionado pela agitação do mundo subatômico, mais nervoso que mercado capitalista. As repercussões dessa descoberta na filosofia, caso se confirmem os experimentos da cientista australiana, detonarão o paulo-coelhismo reinante.


Afirmações tais como “viva o presente” serão apenas tolices caso o laboratório de madame Vaccaro comprove sua teoria, que pretende ser a resposta ainda jamais dada acerca da origem da Dinâmica, não confundir com a antidemocrática Dinamarca, onde por decisão da rainha o terceiro partido mais votado é que governa.


Se a cientista estiver certa, “viver o presente” significará viver coisa nenhuma, já que o presente, tal como o imaginamos, será uma ilusão desfeita, como liberdade, igualdade, fraternidade, democracia e socialismo, que ainda não existem de fato em lugar algum do mundo. Embora os redeglobizados não saibam, aquele garoto coreano do Norte rasgou a Constituição do avô na qual figurava a palavra “comunismo”. Vivemos a maldição de um tempo pervertido, oh, Hamlet!

alceusperanca@ig.com.br
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* Escritor
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O buraco negro e a caixa-preta
Alceu A. Sperança*
“Buraco negro” e “caixa-preta” não têm esses nomes por preconceito racista ou desumanidade similar, se bem que a segunda é geralmente vermelha. De qualquer maneira, ficou melindroso lidar com as palavras em meio aos caçadores de atos “politicamente incorretos”, que já condenaram Monteiro Lobato. É a patrulha diversionista, que desvia a atenção do principal (a exploração do ser humano e da natureza) para questões secundárias (ditas cidadanistas).

Sabe-se que a caixa-preta revela toda informação possível sobre uma aeronave após um desastre, mas há um branco total quanto à caixa do desastre brasileiro: a dívida pública. Como ela se compõe? O que é realmente devido? O que adquirimos para dever tanto? Por que tanto mistério em torno dessa conta enorme e monstruosa se somos nós que a pagamos?


Todo dia há novas descobertas sobre os buracos negros. A mais recente é a confirmação da teoria de Albert Einstein sobre as ondas gravitacionais. Aprendemos muito na TV e na internet sobre as OGs, mas não há investigação alguma para lavar mais branco o maior caso de corrupção da história do Brasil – o mecanismo enfiado ilegalmente na Constituição pelo Big Center (Centrão, para os íntimos) permitindo que a dívida pública tivesse esse crescimento frenético e espantoso.


É ingenuidade e desinformação acreditar que a corrupção seja a maior causa da crise brasileira – crise que o vice-presidente Michel Temer e seus contentinhos supõem inexistir, embora os pobres a sintam no bolso. Corrupção também existe na Suíça, a lavanderia da corrupção mundial, e isso não afeta sua economia mais que os indicadores econômicos globais.


O buraco negro é mais em cima. A corrupção é maior que o PT e o PSDB. Por isso o poeta Cazuza via “o futuro repetir o passado” e as ideias não corresponderem aos fatos. Como é que no mundo em crise e o Brasil estagnado a acumulação de capital nas mãos de poucos só aumenta? O tempo não para e “assim se ganha mais dinheiro”, Cazuza.


A corrupção é combatida pela Justiça e a Polícia Federal trabalha como nunca antes na história deste País. Por falar em dívida, aliás, temos um dever de gratidão dialética com o PT e seus satélites, que permitiram inaugurar uma nova etapa na infeliz República dos tristes trópicos.


A dívida de gratidão para com o PT et alia está em que, sem isso, a zelite do Centrão iria continuar sugando a Nação como os vampiros, que mordem e sopram para aliviar a invasão. Sem o amadorismo que revelaram ao meter a mão no jarro não haveria a delação premiada. Os truques usados para ganhar eleições e contratos continuariam intocados.


Todos os dias os cientistas aportam novas revelações a respeito de buracos negros, distantes vários milhões de anos-luz, mas não se encontra um só governante capaz de explicar por que a dívida, tão grande, tão suspeita e tão gigantesca, não sofre uma auditoria competente, como aquela que no Equador fez os valores caírem para menos de 70% da suposta dívida.


A caixa-preta da dívida e o buraco negro da concentração da renda, que chupa o suor dos trabalhadores, continuam maltratando o futuro do Brasil. PT e contentinhos, agora que a porta está arrombada, poderiam cair com honra, abrindo uma auditoria para a dívida.


Se nem isso fizerem merecerão a decadência inglória, já que neste momento liquidam vergonhosamente os direitos conquistados em décadas de lutas, prisões, torturas, desaparecimentos e assassinatos. Sua piscina também está cheia de ratos.


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* Escritor
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Ladrões, ricos e admirados
 Alceu A. Sperança*
No livro À Mão Esquerda, Fausto Wolff escreve que “o povo vê em seus algozes modelos a ser seguidos”. Isto se deve às sucessivas vitórias dos algozes e contínuas derrotas do povo. Quando quis independência (1822), o povo a viu para os escravistas, não para os cativos. Quando quis uma República (1889) a viu sequestrada pelos nobres ruralistas mineiros e paulistas, barões e viscondes. Quis democracia com a Constituição Cidadã (1988) e aí está o Big Center (Centrão, para os íntimos) governando há 30 anos, montado numa dívida monstruosa, corrupção e o povo mais uma vez derrotado.
O Barão do Rio Branco se entristeceria com tantas derrotas, ele que escreveu a Joaquim Nabuco: “O nosso povo é muito melhor do que os homens das classes dirigentes”. Hoje, com as prisões de líderes políticos e empresariais, impossível não lhe dar razão, porque o povo trabalha como nunca, mas a classe dominante inventa dívidas e ele paga a conta.
Os larápios famosos que saem das páginas de política e economia para a de polícia merecem ser invejados, como o italiano Charles Ponzi, que passava o bico em quem o considerava um gênio? Ser respeitado na praça deu a Ponzi a autoria da maior fraude do século XX, estimada em 50 bilhões de dólares.
Se foi preso? Claro que sim, mas saiu da cadeia e ficou riquíssimo. Um mestre na arte de trapacear, prometia altíssimos lucros a quem lhe desse dinheiro – e os otários corriam para lhe entregar milhões de dólares, ansiosos por mais grana rápida e fácil. O golpe que ele criou é hoje conhecido como “pirâmide”. Fantásticas fortunas passaram por suas mãos, até que um dia maior golpista do mundo migrou para o Brasil, onde morreu na miséria, em 1949.
Elmyr de Hory também gostava de grana e malandragem, mas seu negócio era arte, que estudou na Alemanha e França, aluno de Fernand Léger, o cineasta e pintor cubista precursor da pop art. Também foi preso e saiu da cadeia para encher os bolsos: vendia pinturas de artistas famosos, que falsificava com esmero. Começou produzindo quadros de Picasso.
As galerias se enchiam com suas obras de nomes famosos. O truque não era reproduzir pinturas existentes, mas criar novas produções no estilo dos copiados. Não seria desmoralizado pintando uma nova Mona Lisa, porque a original tem endereço famoso e é vista diariamente.
A casa caiu quando ele vendeu um “legítimo” Matisse em 1950 para o Museu de Arte da Universidade de Harvard, que não engoliu o quadro, inexistente no portfólio verdadeiro. Foragido, soube que suas falsificações se valorizaram espantosamente: o mercado sabe fazer dinheiro! Arranjou dois financistas como sócios e na clandestinidade abastecia grandes galerias com as obras falsas, vivendo no luxo.

Quando começou a relaxar, os especialistas em arte perceberam a falta de qualidade e o denunciaram à Interpol, mas não podendo provar que ele fraudava as pinturas, a Justiça o condenou por ser homossexual, veja só!

Já famoso, agora podendo ganhar dinheiro com obras reais, de estilo próprio, narrou uma autobiografia também falsa para o escritor Clifford Irving, por sua vez um farsante literário, dando origem ao filme F for fake (Orson Welles, 1974). Dois anos depois o pintor se matou. Ponzi e de Hory alcançaram a celebridade com suas malandragens e morreram ingloriamente. Eles e os sanguessugas da Lava Jato seriam modelos a ser seguidos pelo povo, Faustão? 


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* Escritor
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Serviço Social, amor e misericórdia
Alceu A. Sperança* 

Assistir ao filme Love & Mercy (Amor & Misericórdia), de Bill Pohlad, e concluir na mesma semana a leitura do livro Trabalho, Questão Social e Serviço Social, do professor Alfredo Batista (Edunioeste), ambos de 2014, levam à incômoda sensação de que de alguma forma o cineasta e o escritor trataram mais ou menos do mesmo assunto.
Sendo o filme biográfico, isto aqui não é spoiler. O pano de fundo é uma das mais bem-sucedidas bandas dos anos 1960 – The Beach Boys. Quando o tecladista e baixista Brian Wilson, influenciado pelos Beatles, quis ir fundo em novos sons, para além das baladinhas de garotas, carros e praia, foi hostilizado e tido até pela família como louco.
Jogado nas mãos de um terapeuta sem ética (Eugene Landy), viu-se recluso e escravizado anos a fio, até que a namorada Melinda, com a fórmula “Love & Mercy”, que dá título ao filme e é uma canção de arrepiar, libertou Brian da dominação física e psicológica, na qual era obrigado a se entupir de remédios que aniquilavam sua genialidade, forçado a produzir álbuns de conteúdo alienante para enriquecer os donos do negócio.
O drama pessoal do músico, que depois de livre da escravidão física e psicológica foi declarado por Paul McCartney “um dos grandes gênios americanos”, teria pouco a ver com o Serviço Social, beach do professor Alfredo Batista, não fosse o fato de que os corações e mentes dos profissionais desse setor são disputados desde os anos da imposição do neoliberalismo – o “pensamento único” – da mesma forma que o talento de Brian Wilson.
Batista demonstra como foi construído o arsenal de truques para domar as manifestações dos trabalhadores contra a exploração intensificada pelo neoliberalismo. Essa trucagem, ao se sofisticar, ganhou padrões legais e midiáticos hegemônicos e incontrastáveis, dos quais a Lei do Voluntariado foi equivalente à vitória do pensamento único.
O “voluntariado” e as famosas boas intenções caridosas com as quais Dante encheria o inferno, são usados, segundo Alfredo Batista, para “camuflar o grau de exploração da força de trabalho”. “Construído sob a perspectiva clássica conservadora”, esse conjunto de conceitos “foi incorporado pelos trabalhadores, que colocaram suas premissas a serviço do capital, o qual se apropriou de seu corpo e de sua alma”.
Brian Wilson tinha à disposição tudo o que o dinheiro podia comprar, desde que criasse discos para reproduzir a vontade do mercado. Foi bloqueado pela estrutura escravizante que o dominava de lançar o disco Smile conforme sua criatividade determinava. Seu letrista, Van Dyke Parks, que também escreveu para Ringo Starr, é demitido abaixo de humilhações.
Com sua obra mutilada, o álbum sai mitigado segundo os desejos dos dominadores. Fim da história? Não: Melinda o ajuda a escapar do cerco de remédios alienantes e contratos asfixiantes. Como em todo cabo de guerra sempre há um vencedor, o gênio de Brian Wilson venceu. Smile saiu como ele queria e foi considerado um dos melhores discos da década de 2000.
Os operadores do Serviço Social, por sua vez, estão metidos num cabo de guerra em que de um lado estão os dominadores de corpos e almas do mercado e do outro os trabalhadores, moldados como robôs humanos até ser descartados pelos robôs só de metal e plástico. O Serviço Social ainda precisa sair da reclusão e se descobrir, como Brian Wilson finalmente conseguiu. Haverá “Love & Mercy” para o Serviço Social e sua gente ou tudo que nos resta é ir à praia e ouvir canções bobinhas?
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* Escritor
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A Rosa arrancada e a 4ª revolução
Alceu A. Sperança*
 Alguém até diria: “Eles se meteram em problemas porque quiseram. Agora, danem-se!” Frente a uma dívida imensa, impagável, entregam-se ao desânimo e dizem que não há o que fazer. Mas um espírito humanitário não se aceita indiferente: pessoas infelizes e perdidas precisam de ajuda. Quem são esses desesperados, para quem o melhor que fazem não basta para solucionar os problemas que criaram? São os ricos do mundo.
Ao concluir a recente reunião do Fórum Econômico Mundial, na Suíça, lamentaram que a quarta revolução industrial vai causar a destruição de vários milhões de empregos nos próximos cinco anos nas principais economias mundiais. Nem se preocupam com a periferia, onde a crise não é ocorrência fortuita – é a de sempre.
Segundo os coordenadores do Fórum Econômico, a quarta revolução industrial trará “grandes perturbações não só no modelo dos negócios, mas também no mercado de trabalho nos próximos cinco anos”. Se perguntassem a um brasileiro, ouviriam que pelo jeito da situação o Brasil deve já estar na quinta ou sexta revolução industrial...
As revoluções industriais começaram com o uso do vapor para acionar máquinas. A segunda combinou eletricidade com linha de montagem. Otimista como ninguém, Lênin achava que o comunismo seria a soma da eletricidade com o povo no poder, mas os caras mais espertos da sala e sua grana ainda dominam os dois – a natureza e o povo.
A terceira revolução está aí em curso, atestada pela eletrônica e robótica. A quarta revolução, já armada sobre nuvens nerds e corações solitários do sargento Pepper, invade mentes e regula corpos, numa impressionante combinação de fatores como a internet dos objetos, os megadados e a psico-quanta-alguma-coisa.

Impossível não lembrar vovô resmungando contra a reificação: gente virando coisa. E a eletricidade, para Lênin o máximo, poderá ser obtida por qualquer um em qualquer lugar à medida que a revolução avançar. É um universo de possibilidades, mas nunca houve tanta renda acumulada por poucos, tanta pobreza distribuída entre muitos e tantas fontes de riqueza ociosas.

Marchamos para a sinuca: libertação ou barbárie, como propunha dona Rosa, aquela que arrancaram. Dívidas que não podem ser pagas e só aumentam. Desemprego explodindo e direitos estraçalhados. Haverá salvação? Os ricos supõem que não. Torcem o nariz para a anunciada Era das Máquinas Livres. Miguel de Cervantes, o criador de D. Quixote, supunha que virá: “Como sabe o céu fazer de nossas adversidades nossos maiores proveitos!”

Já se viu que a luta por energia precisa de algo bem melhor que os raios do falecido Zeus, pois é da tradição que os deuses morram ao ser ignorados. Mandar energia, o céu até mandou: o telescópio Hubble anuncia uma nebulosidade invisível em acelerada marcha rumo à Via Láctea, a uma velocidade de 1,12 milhão de quilômetros por hora. A Nuvem de Smith vai desencadear uma explosão espetacular, com gás suficiente para gerar aqui dois milhões de novos sóis. É sol que não acaba mais.

O enviado celeste chegará em alguns milhões de anos, o que nos dá prazo suficiente para resolver os problemas que afligem nossos familiares e vizinhos. Arrancaram nossa Rosa e os cravos murcharam, mas a primavera não pode ser detida. Se algo aprendemos bem na escola é que primaveras e revoluções sempre vêm. E já estamos no inverno da quarta.

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* Escritor
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Buraco negro e Tiririca presidente
Alceu A. Sperança*

O destino mais provável de toda crença é ser desmentida ou superada pela descoberta da verdade. Desde que os buracos negros e as estrelas anãs são estudados, os cientistas acreditavam que a luz emitida por galáxias próximas à Via Láctea provinha dos buracos negros que supõem existir no centro das galáxias, de acordo com a Teoria da Relatividade.

Mas a luz, descobriu-se há pouco, não vem dos buracos negros: vem das estrelas anãs. Foi uma grande decepção para muitos teóricos. Quem quiser se manter fiel à crença anterior e protestar, favor dirigir-se à equipe de astrônomos da Pesquisa Celeste Digital Sloan, no Novo México, EUA.

Mundo eletrizante, novas descobertas e crenças ruindo, mas na política as eleições só reforçam o cinismo da economia dominada pela lógica neoliberal. O planeta anda tão virado pelo avesso que até o suposto “espetáculo da democracia” apresenta resultados tão surpreendentes quanto a descoberta gigante sobre as estrelas anãs.

Quem venceu a eleição para presidente em Portugal? Os conservadores, mas com um candidato do Partido Social-Democrata. É como fogo gelar e sombra queimar ou o Coritiba vencer o Campeonato Paranaense e o Atlético levar a taça para a Baixada. Na Dinamarca (Hamlet bem que avisou), os social-democratas venceram a eleição mas não conseguiram assumir o governo. Mas bah, tchê, golpismo tucano na Dinamarca? Pois é, a rainha juntou os partidos da direita (Liberal, Popular, Conservador, Democrata-Cristão e Aliança Liberal) e convidou um derrotado para governar.

Se até os sábios acreditam em coisas erradas ou se confundem diante das implacáveis verdades do universo, imagine quão perdidos ficam os eleitores frente aos estelionatos eleitorais: quem vence não governa, as ideias difundidas na campanha eleitoral são desprezadas e os próceres fazem o contrário do que prometeram.

O caso do Brasil é só um entre muitos estelionatos. Obama cansou de trocar os pés pelas mãos e talvez só limpe a biografia se entregar o governo com as relações normalizadas entre EUA e Cuba, para cuja missão contou com a pequena ajuda guevariana de Chico, o papa argentino. Mas o acordo com o Irã, forçoso reconhecer, foi um golaço.

Com a palhaçada do impeachment, a tendência é continuar tudo igual para o Big Center (Centrão, para os íntimos), que governa o Brasil há 30 anos e pretende ficar outros tantos no poder. Isto será mesmo palhaçada ou somos exigentes demais? Veja-se a legislação: se o impeachment não vier do Congresso, mas da Justiça, caem Dilma e Temer na mesma tacada e aí entra Renan Calheiros, presidente do Congresso.

Sem chance: está enrascado na Lava Jato. Aí entra Eduardo Cunha mas, ó, mundo cruel, também está na mira da Polícia Federal. Então assume o deputado mais votado, Celso Russomano? Não: foi condenado por peculato. Assim, dizem, o segundo mais votado assume a Presidência: Francisco Everardo Oliveira da Silva, o palhaço Tiririca...

Claro que a zelite do Big Center jamais permitirá, mas haveria certa “justiça poética” nisso, depois de tanto nariz vermelho usado nos protestos... Falando sério, nossa bagunça eleitoral e partidária é espantosa, mas não chega a ser pior que a da Bélgica. Lá, é o quinto partido mais votado que governa. Diante de tantas coisas malucas que rolam neste mundo, difícil não dar razão ao escritor ucraniano Leonid Sukhorukov, para quem “sabedoria é o ponto de encontro entre a dúvida e a certeza”. O contrário disso talvez seja o encontro da palhaçada com o buraco negro.

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O rooseveltiano e o superpesado
Alceu A. Sperança*
 A cada eleição, fica ainda mais evidente a sabedoria que inspirou Talleyrand a dizer que “uma arte importante dos políticos é encontrar novos nomes para instituições que com seus nomes antigos se tornaram odiosas para o público”. Vê-se que nos EUA o fracasso do Partido Democrata em parecer tão mais diferente que o Republicano levou o sistema a ensaiar uma “nova esquerda”, com a cara de Bernie Sanders e seu “socialismo” soi-disant rooseveltiano.
Sanders tem arrecadado para a campanha mais ou menos a mesma fortuna que Hillary Clinton (esta só fatura mais porque é amada pelos donos das prisões). É o jeito estadunidense de espelhar o “Podemos” espanhol e o “Syriza” grego, engabelações semelhantes.
Nos europeus, o discurso novidadeiro mescla-se aos slogans e gritos radicais para convencer as massas de que existe uma saída eleitoral para a desgraceira da crise, quando é óbvio que a crise é produzida pelo próprio sistema para corrigir suas cegadas tirando uma camada a mais do couro de quem trabalha. Que quanto mais trabalha, mais deve.
Nas eleições de outubro no Brasil, os mesmos velhos esquemas virão maquiados pelas equipes de marketing para oferecer algo “novo”, “inovador” ou “reciclado”. Surgem partidos do nada, com “princípios” tão difusos que parecem mais “fins”. Sem contar os “programas”, contorcionismos mais imorais que girar a bolsinha na Esquina do Pecado.
A zelite passa o rodo nas lideranças políticas, comprando consciências e produzindo uma enorme revoada dos partidos da ordem, “odiosos para o público”, para os “alternativos”, criados para cumprir esse papel: servir de guarda-chuva a quem não tem coragem suficiente para ser sincero e dizer o que pretende. O PV defendia a maconha, mas nos Dias atuais a engole para evitar o flagrante...
O linguista estadunidense Noam Chomsky disse à jornalista Abby Martin, da Telesur (Venezuela), que os partidos, nos EUA e Europa, têm um espectro amplo, “mas num sentido estranho (...) do centro à extrema direita”. Para esses grupos, diz ele, “basicamente, não importa o que o povo pensa”, porque cerca de 70% do público, os desprivilegiados, na base da pirâmide social, “não têm influência sensível sobre as políticas de seus próprios representantes”.
Mesmo quando vota, o lúmpen não sabe como fazer o representante funcionar, sem meios para pressioná-lo: “Ora, eu sei que confia em mim, mas para fazer o que você quer tem que arranjar grana para a campanha!” Chosmky vê o mundo comandado por “um tipo de plutocracia com formas democráticas”, no qual as eleições não passam de piada: “O financiamento de campanhas desempenha um papel substancial, não apenas para definir quem será eleito mas que políticas serão praticadas”.
Será que o taxativo sábio do Eclesiastes estava certo quando supôs que não há nada de novo debaixo do sol? A rigor, não sendo na política e na gestão do Estado a serviço da plutocracia, algo novo sempre aparece. Pois não é que os cientistas descobriram há pouco um superbóson que deixaria Higgs de queixo caído?
O novato tem energia entre 125 e 127 GeV, massa quatro vezes maior que a partícula mais pesada conhecida até agora (o quark top), seis vezes mais que o estimado para o bóson de Higgs. Na ciência, todo dia parece coisa nova e surpreendente, mas na política a mesmice é um espanto, Monsieur Talleyrand!
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* Escritor  
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Analfabetismo funcional:
uma realidade brasileira
Rafael Pinheiro*
Atualmente, o analfabetismo funcional alcança um número considerável de brasileiros, cerca de 13 milhões. Refletir sobre esse preocupante índice é uma forma de estabelecer uma engrenagem para erradicar com o analfabetismo e todos os aspectos que o sustentam: discriminação, exclusão e dificuldade em comunicação.
Fala-se em educação, hoje, evidenciando um caráter amplo, democrático, plural e irrestrito. A escola brasileira garantiu (e ainda garante) o ingresso do aluno à educação de base, cumprindo um dos pilares da sociedade moderna. Mas, a permanência de crianças e jovens no espaço educacional, é um desafio gigantesco, demonstrando uma triste realidade.
O plano de valorização da educação e, consequentemente do aluno, permeia problemas que envolvem uma ampla cadeia reflexiva, instaurando desdobramentos complexos, contraditórios e em alguns casos assustadores. A educação não depende só de novos incentivos, edifícios e materiais coloridos e atraentes, mas, também, de um olhar clínico para diversos envolvimentos, desenvolvimentos, rupturas e análises com resultados satisfatórios, como, por exemplo, o número considerável de analfabetos funcionais no Brasil: uma realidade preocupante.
O analfabetismo divide-se em duas vertentes: o analfabetismo absoluto e o analfabetismo funcional. No primeiro caso, a pessoa não teve nenhum ou pouco acesso à educação. No segundo caso, a pessoa é capaz de identificar letras e números, mas não consegue interpretar textos e realizar operações matemáticas mais complexas. As duas formas de analfabetismo comprometem o desenvolvimento pessoal e social do indivíduo.
De acordo com o diretor de relações com o mercado do Instituto Monitor, Eduardo Alves, mais do que limitar a inclusão da pessoa enquanto cidadão, o analfabetismo restringe o desenvolvimento profissional. “Isso reflete no país como um todo. Vivemos em um momento de ‘apagão de talentos’, de falta de mão-de-obra especializada, e está tudo relacionado com a base da educação brasileira, que ainda deixa a desejar”, explica Alves.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), publicada em 2014 pelo IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o analfabetismo tem caído no país, mas ainda alcança 13 milhões de brasileiros acima de 15 anos, o que corresponde a 8,3% da população. “O ponto mais preocupante revelado pelo estudo é que o analfabetismo atinge todas as regiões do país. Isso mostra que é urgente o foco em políticas públicas para erradicá-lo, como já foi feito em outros países. Nesse sentido, a educação a distância colabora nesse processo, pois alcança lugares remotos do país e oferece um ensino mais personalizado, de acordo com as necessidades e habilidades do aluno”, defende Alves.
A condição de analfabeto funcional é caracterizada pela incapacidade de exercitar certas habilidades de leitura, escrita e cálculo necessários para a participação ativa da vida social em diversas dimensões. A permanência de dados preocupantes com relação ao analfabetismo funcional pode ser diagnosticado de uma (das muitas) maneiras: o acesso universal à educação, propiciou uma contingência incalculável nas instituições escolares, mas, por outro lado, o processo de escolarização fracassou em alguns pontos, tendo, assim, a frequência dos alunos, porém, nula – sem conhecimento, sem ensino, sem acompanhamento, sem solucionar as dúvidas que eclodiam na rotina escolar.
A concepção e instalação de novos aparatos pedagógicos e linhas de aprendizagem reformuladas, algumas propostas começam a brotar em sistemas de ensino, com um objetivo em comum: erradicar o analfabetismo.
O ensino a distância, popularizado nos últimos anos como um atributo necessário a estudantes que anseiam certificação acadêmica, mostra-se um atrativo, principalmente, para aqueles que acham que não se enquadram mais no ensino tradicional, dentro de sala de aula, ou que se sentem intimidados em estudar (com uma idade mais avançada) na companhia de outros alunos.
Explorando os diversos recursos da tecnologia, com interface moderna e conteúdo permanentemente atualizado, o sistema EAD oferece programações a distância com conhecimento, capacitação profissional, além de uma pedagogia inovadora, autonomia do aluno, interatividade entre aluno-professor, acesso ao ambiente virtual de aprendizagem em qualquer tempo e lugar, através de celulares, tablets, notebooks e computadores.
Segundo o diretor de relações Eduardo Alves, o ensino a distância é a chave para minimizar o alto índice de analfabetismo funcional.  “Não é só a oferta de cursos que garante o retorno da pessoa aos estudos, novas metodologias de ensino podem ser um estímulo para esse estudante. Além de alfabetizá-lo, o EAD possibilita que ele passe a dominar as ferramentas tecnológicas e seja inserido no mundo digital também”, destaca.
Com o apoio do EAD, os cursos direcionados para jovens e adultos poderiam ser ampliados. “A inclusão social é uma necessidade do Brasil e a educação a distância é essencial neste processo. Com materiais didáticos desenvolvidos para que o aluno seja capaz de estudar sem a presença constante de um professor, flexibilidade de horário e com um custo reduzido se comparado com as escolas tradicionais”, conclui o diretor.
A palavra inclusão nunca este tão em voga como nos últimos tempos. Fala-se em inclusão a todo o instante, em diversas camadas da sociedade e, com isso, podemos observar uma preocupação que cresce de maneira (ainda) sutil no ambiente escolar, diagnosticando problematizações, realizando discussões, debates temáticos e inserindo – no contexto base da palavra, as diversidades que completam nossa realidade. Auxiliando, respeitando, humanizando e projetando ótimas referências e esperanças. Atendendo e compreendendo a todos – sem exceção.
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*Do site Direcional Escolas
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Como são burros os coxinhas!
Alceu A. Sperança*
 A bandalheira política que se assiste no Brasil de hoje, como da semana passada, ano anterior ou décadas precedentes, dá a nítida impressão que este é um país que não vai pra frente desde que, em 9 de janeiro de 1881, foi publicada a Lei do Voto Universal. O sujeito não precisava mais ser rico e católico para votar, mas ainda tinha que ser homem.
Satisfeitos com a introdução do sistema representativo no Brasil, conservadores e liberais se alternavam no poder e para os brasileiros já começava a ficar bem claro que os conservadores adotavam algumas ideias liberais para esticar os mandatos. E, na mesma toada, os liberais resvalavam para o conservadorismo quando também queriam se garantir no poder e não perder o apoio dos “homens bons” (os ricos).
Conservadores e liberais ficaram tão parecidos que a República veio e os apanhou de ressaca após um baile – aliás, ocorrido na Ilha Fiscal, nome emblemático num país em que o tal “ajuste” é a prioridade. Na oposição, os liberais eram aguerridos, cheios de propostas. No poder, murchavam. Caíam nas mesmas práticas retrógradas dos antecessores.
O liberal desiludido Moreira de Barros, relata Pedro Calmon em História da Civilização Brasileira, “achava que já não havia distinção entre os dois partidos, podendo trocar os nomes”. De fato, era comum haver um governo liberal sustentado por conservadores. A oposição assumia o poder e ao contrário de aplicar as bandeiras das reformas fazia a reforma das bandeiras. Igualzito hoje, diria nosso gaúcho.
No afã de defender sua chefa, o presidente do Ipea, Jessé Souza, um dos caras mais espertos do Brasil, chama os sábios brasileiros de “tolos” e se assume como o mais esperto de todos ao lançar o livro A tolice da inteligência brasileira, na qual detona caras tidos como espertíssimos, como Sérgio Buarque de Hollanda, Roberto DaMatta e Fernando Henrique Cardoso.
A rigor, a principal tese defendida por Souza no livro é que maus costumes como a corrupção e a ineficiência governamental não provêm da mescla de fatores que originaram a formação do Brasil – colonialismo, catolicismo, patrimonialismo etc – porque em outros países também existem os mesmos maus costumes e não foram colonizados (ou venceram o colonizador pela força), têm formação protestante e praticam uma governança tida como avançada.
O entendimento de que no Brasil tudo é pior advém, para Souza, do “complexo de vira-lata”, que supõe criado ou alimentado pelos tolos da inteligência brasileira: os coxinhas acham que se o Brasil copiar os EUA tudo vai se resolver, porque lá, acham, caetanamente, tudo é divino maravilhoso.
Claro que não é, mas ao atacar a “tolice” da inteligência brasileira e a coxinharada que cavalga a estupidez militante e indignada, Souza comete a tolice de ignorar o fato de que o mundo todo é governado pelo mesmo pensamento único que produz, afirma e faz vitoriosas a corrupção, a financeirização, o Centrão, etcetrão.
Esse vitorioso pensamento único, na esteira de Fukuyama e outros pensadores pós-modernos, enfia todos os gatos no mesmo saco: colonizadores e colonizados, católicos e protestantes, patrimonialistas, burocráticos, gerenciais e empreende-dores. Não se vê em Souza uma só linha a esse respeito, ou seja, sobre a causa que iguala os coxinhas aos racistas europeus e faz da corrupção vira-lata ou puro-sangue frutos da mesma árvore.

alceusperanca@ig.com.br
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* Escritor

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O trabalho é o pai da invenção
Alceu A. Sperança*
Já ficam banais na mídia as arengas dos carimbadores de paternidades. A busca pelo DNA da invenção do telefone celular é só mais uma dessas caçadas ao pai ignorado, em geral definido como quem melhor fez propaganda do real ou suposto invento. Afinal, o pai da aviação foi nosso Santos-Dumont ou os gringos Wright Brothers?
Os manos, conhecidos pelo sigilo com que poupavam suas máquinas da comparação com outras experiências em curso, limparam um pouco a biografia ao reconhecer que deram sequência aos experimentos aéreos do alemão Otto Lilienthal. Moído após a queda de uma altura de 17 metros, em 1896, o moribundo Otto ainda conseguiu exclamar: “Sacrifícios precisam ser feitos”. Frase digna de um pai.
A paternidade da fotografia é atribuída a Louis Daguerre, que patenteou a técnica, fruto de parceria com Joseph Niépce, em 7 de janeiro de 1839. Só que 110 anos antes, em 1729, Tiphaigne de la Roche havia publicado uma perfeita descrição do processo fotográfico, inclusive em cores.
“Em primeiro lugar trata-se de examinar a natureza do corpo viscoso que intercepta e conserva os raios, em segundo lugar as dificuldades para o preparar e usar, em terceiro lugar o jogo da luz e desse corpo enxuto”, escreveu de La Roche. Ora, depois dessa mastigada a coisa toda fica bem mais fácil!
Mas antes que alguém o qualifique de “verdadeiro pai da fotografia”, é justo revelar que ele também havia bebido em boa fonte. Johann Albert Fabricius, em 1566, dava conta no tratado De rebus metallicis que certos corpos são suscetíveis de fixar imagens. Ora, e o que é a fotografia senão o que já haviam descrito Fabricius e de La Roche muito antes de Daguerre e seu sócio Niépce?
Fabricius era um rato de biblioteca. Divertia-se em ler os livros e desmoralizar os autores descuidados, o que faz dele um precursor dos críticos literários de hoje. Teria sido ele, então, o pai da fotografia? Se o cara vivia enfurnado em bibliotecas é evidente que ele bebia suas preciosas informações em livros, ou seja, no relato de quem veio antes.
Já estando provado que o ovo é o pai da galinha, no caso da “paternidade” dos celulares há um frenético cipoal de flashes vertiginosos na intensa cobertura midiática aos modelos que surgem a toda hora. Ocultam, assim, os longos estudos precedentes que lhes abriram o caminho.
O desenvolvimento contemporâneo dos produtos é mais um mergulho no que já se sabe do que praticamente a “descoberta” de algo novo. No mais das vezes trata-se de achar um uso melhor para aquilo que ainda não era bem usado – daí se chamar apropriadamente de “inovação” e não, inexatamente, de “invenção”.
A telefonia móvel já era usada em trens da Alemanha em 1918, nada além de trambolhos bem diferentes dos aparelhos que cabem na palma da mão, como os do engenheiro russo Leonid Kupriyanovich, datados de 1955. Antes dele, o Laboratório Bell, em 1947, definia o nome do aparelho: o sistema se baseava em interligar diversas antenas, que os técnicos chamavam de “células”.
Se a necessidade é a mãe da invenção, o trabalho é o pai. Tudo o que temos e os maravilhosos produtos que teremos amanhã resultam sempre do trabalho. Inventos são “filhos” da capacidade humana de estudar a fundo aquilo que já se sabia a respeito de determinado assunto e mergulhar nele, como já diziam Bach e Thomas Edison, cada qual a seu modo, com 1% cento de inspiração e 99% de transpiração.
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* Escritor
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Alma pequena, mas contrato milionário

Alceu A. Sperança*

Na raiz do mito fundador dos Choctaw, indígenas da América do Norte, os jogos com bola foram criados como política de saúde em uma época de doenças. Fariam os homens fortes e dispostos ao trabalho em equipe. As danças, movimentos coerentes e combinados ao som ritmado e harmônico, para esses índios, surgiram da necessidade de preparar as mentes e cultivar o caráter do povo.
Temos aí, na ancestralidade indígena, as origens do futebol e da política, ambos até certa época ligados a valores diferentes dos atuais, hoje entre o fundo do poço e a boquinha da garrafa. A política era uma ação de unidade pelo bem comum. O esporte, saúde, força, alegria e bem estar. Além desses valores positivos, também tinham como fundamento o caráter coletivo das manifestações.
Um partido fiel ao seu coletivo é uma agremiação superior e a história lhe reconhecerá o devido valor. Os republicanos saíram arrasados das eleições de maio de 1889, num desempenho pior que a derrota por 7 a 1 frente à Alemanha na Copa, mas foram suas ideias que comandaram a derrubada do Império, em novembro daquele mesmo ano.
Equipes como Barcelona e Corinthians, para citar clubes muito populares, têm na estrutura coletiva a base para as vitórias. Sem esse espírito, não basta ter os melhores craques: onze ególatras em campo, Pelés ou Maradonas, seriam derrotados por uma equipe solidária e sem medalhões.
Nos tempos de supremacia absoluta do capitalismo em sua etapa superior (a financeirização), a sacralidade da política enquanto ação pelo bem comum e a alegria do esporte como estágio superior da força e da qualidade de um povo já foram há muito engolidas pelo interesse econômico-financeiro.
É tudo um negócio com a finalidade única de consagrar na propaganda, na mídia e nos altares dos rankings, aqueles que vão negociar, negociar e negociar, nos campos e tribunas, em favor dos negociantes que compram seus passes.
A tal “janela” para a transferência de parlamentares é uma portinha a mais no balcão de negócios da política. Ao falar em off, os próprios parlamentares chamam o Congresso de “Varejão”. Os mais irônicos satirizam os palácios legislativos como “conventos de freiras”, insinuando que falam muito em religião mas praticam ações “demoníacas”, ou seja, ligadas ao vil metal.
Compram-se líderes religiosos, associativistas e partidários da mesma forma com que se compram craques em escolinhas de futebol. Instituições como os clubes, as federações – e até a Fifa, com seu exigente padrão – já caíram na vala comum da locupletação financeira.
O círculo vicioso dos “empreende-dores” liquidou o que havia de humano e superior na política e no esporte, que transitaram do marrom amadorista disfarçado à cor malandra da “economia verde” e do dólar. O ciclo só será rompido quando a consciência político-esportiva do povo romper o véu de sombras que a ideologia reinante estende sobre o mundo, com a qual propaga impunemente só existirem duas formas aceitáveis de relações humanas: compra e venda.
O Natal, perdão pelo truísmo, nada tem a ver com nascimento, só com o tilintar da caixa registradora. Com a crise, tilintou menos. Comerciantes e industriais em desespero se ajoelham, balbuciando rezas que já haviam esquecido. Mesmo lembradas com todos os esses e erres, todavia, elas não perdoam a submissão ao pensamento único de que tudo vale a pena mesmo a “alma” sendo pequena, desde que o contrato contenha muitos e tilintantes dígitos.
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*Escritor


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Bicharia, sequestro de senhas e mandatos 

Alceu A. Sperança*

  “Está provado que tens no sangue e nas tripas um jardim zoológico da pior espécie”, diz Monteiro Lobato a Jeca Tatu no prefácio à quarta edição de Urupês, em 1919. “É essa bicharia cruel que te faz papudo, feio, molenga, inerte. Tens culpa disso? Claro que não”.
Canopus, Capricornus e Shopperz são os veículos de alguns dos programas invasores mais chatos e teimosos que de alguma forma sorrateira se infiltram nos aparelhos eletrônicos, resistem aos antivírus e retornam, qual fosse mágica de Mr. Heloy Marcelo, depois de eliminados dez, vinte, cem vezes.

Você exclui e reinicia a máquina após a varredura e remoção. E de volta estão eles aqui “traveiz” e travando, alegrinhos, enchendo a tela de pop-ups e outras pragas. E novos vão aparecendo, saídos do nada, sem ser chamados, espionando suas preferências e capturando tudo. Se você for daqueles desconfiados uma barbaridade, morrerá de medo cada vez que digitar senhas e números de documentos, cartões de crédito etc.

Qualquer clique feito para excluir ou bloquear vale como aceitação e facilita o alastramento do inimigo na máquina à maneira de metástase assassina, levando o aparelho que lhe conecta ao mundo primeiro à lentidão e logo ao esgotamento da paciência do usuário. Que passa mais horas tentando se livrar das porcarias e ameaças que efetivamente trabalhando. É a tortura virtual de um ditador real.

Buscadores se metem em lugar do Google mesmo que você o marque preferencial cem, duzentas vezes. Na hora da busca, aparece do nada um iStartsurfer ou Parallax, que funcionam mal ou nem fungam, porque o antivírus os bloqueou parcialmente, e aí a paciência já foi para o vinagre.

Isso é apenas o que você percebe e causa aborrecimento imediato, porque ainda há mais pragas malandras que se aproveitam de cada clique para roubar segredos, capturar provisória ou permanentemente dados que ou morrem de vez na próxima formatação ou só serão resgatados mediante grana sem rastro que jamais pagará CPMF.

Essas milhares de pragas virtuais condenaram a sagrada propriedade privada à extinção e você nem se tocou disso, velho Marx. O equipamento deixa de ser seu quando uma praga solerte ali se introduz e se reproduz permanentemente, até o usuário quebrar tudo de pura raiva. Claro que se aborrecer com essas pragas é tão inútil quanto se queixar dos políticos. Nas datas aprazadas haverá eleições e alguém vai se eleger, de preferência alguém que nos detesta.

Você sempre vota contra eles, rejeitando essa bicharia cruel. Mesmo se abstendo e indo pescar no dia da eleição, sofrerá com a apuração dos votos. Ela estará em todos os canais fingindo ser o “espetáculo da democracia”. Logo verá que das urnas não saiu nada para melhorar sua vida ou lhe dar esperanças. Confiava que elas viriam dos jovens fichas limpas, mas envelhecem e sujam rapidamente as respectivas.

Aí você lembra que o mesmo se dá com os indesejáveis programas que apagou do computador mas sempre voltam, independentemente da sua vontade. Já nada mais é seu, nem a Nação – 1% de sequestradores dominaram tudo, do governo para baixo. Assim cai por terra a vã filosofia de Joseph De Maistre, aquele do “cada povo tem o governo que merece”. Tens culpa disso, dessa bicharia cruel? Claro que não!
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A lei eterna da bagunça universal

Alceu A. Sperança*

Para Jean-Jacques Rousseau, “ofensas são o argumento de quem não tem razão”. O rancor e a indignação, no mais das vezes, não passam de inveja. Nota-se muito na alternância de poder: não há nada mais parecido com um saquarema (conservador) que um luzia (liberal) no poder, dizia o senador Holanda Cavalcanti no século XIX.

Os fascistas costumam insultar o filósofo Antonio Gramsci (1891–1937). Vivendo em fingida homeostase, sentem-se fortemente perturbados diante de uma afirmação irrespondível: “A crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo ainda não pode nascer. Nesse interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparecem”.

O velho está morrendo – e aqui nem é o frustrante 2015 – e o novo terá um parto de risco, tantos são os “sintomas mórbidos” que aparecem, vistos na Ucrânia, no massacre de índios, nos brutais atentados em Paris, nos bombardeios com drones, na fábrica de conflitos, angústias, corte de direitos e endividamento geral – dando lucros, seja doença, destruição ambiental, monstro de concreto em nascentes, sofrimento humano ou guerra, que venha!

Os sintomas doentios e caóticos da crise só não causam estranheza aos cientistas, que investigam a natureza e arrancam seus segredos sem se deixar tolher pelas ilusões falsamente religiosas que embalam as guerras e as perseguições aos diferentes. Um sintoma doentio é a confusão entre democracia e eleições. Para d. Pedro II, “as eleições, como elas se fazem no Brasil, são a origem de todos os nossos males políticos”. Uma eleição em que se pode prometer tudo e não cumprir nada é o oposto completo de democracia.

A morbidez dos sintomas da crise está de acordo com a segunda das duas cláusulas pétreas no universo. A primeira é a seta do tempo: flecha disparada, pedra atirada e promessa de eleição não podem voltar atrás. A política moribunda de hoje confronta agressivamente a lei geral do universo, na medida em que dez entre dez eleitos não cumprem o que prometem, a começar pelas tais “prioridades”.

As verdadeiras prioridades, ocultas, são transferir a grana dos cofres públicos para patrões, sócios, parentes e aumentar a dívida pública. Claro, todos têm o benefício da dúvida até que uma rápida lavagem a jato prove o contrário. Nenhum deles, entretanto, consegue contrariar a segunda lei imutável do universo: o aumento da entropia.

Quem tem estômago fraco e não suporta Gramsci pode se retirar da sala, porque as palavras a seguir serão muito mais ofensivas. A entropia é a desorganização crescente do universo. Aquilo que desejam como homeostase, a conciliação entre as classes, tudo que chamam de “ordem e progresso”, é uma tremenda bagunça.

Isso ainda não havia sido provado em ambiente microscópico e agora foi – para maior pavor dos que se indignam com a bagunça universal e insultam a filosofia e a ciência. A mecânica quântica, a exemplo dos políticos, fazia pouco da lei da seta (admitia ser possível voltar no tempo), até físicos brasileiros, irlandeses e alemães meterem a colher na “ordem” universal e comprovarem a seta do tempo, finalmente, em um sistema quântico isolado.

Vêm aí cobras e lagartos da boca dos ofensores, porque essa descoberta acaba de acontecer no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro. Vê-se, portanto, que nem a mecânica quântica nem os políticos patrícios conseguiram contrariar a lei da seta, mas a lei da bagunça (entropia) é com eles mesmos!

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* Escritor
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Mosquito, mamangava e política morta
Alceu A. Sperança*
A natureza é maravilhosa e a mais encantadora de suas maravilhas é que tudo evolui, embora nem sempre como gostaríamos. Veja o Aedes aegypti (vulgo mosquito da dengue, febre amarela, zika & chikungunya): como os lírios do campo, ele não tece nem fia, mas evolui. E depressa, de acordo com pesquisadores do Instituto Butantan. Adapta-se ao ambiente hostil das grandes cidades e entre suas novas proezas está resistir a inseticidas. Já não requer muita água para se reproduzir – e nem precisa estar limpa. E não pica mais só de dia: romântico, se a luz artificial brilhar, pica à luz da lua.
Os pesquisadores supõem que a evidência evolutiva do mosquito esteja na asa, por herança genética. Quais seriam as “asas” dos seres humanos, herdadas de seus antepassados? A capacidade de aprender e a incansável busca pelo conhecimento deveriam ser as nossas “asas” evolutivas, mas aí chega um líder político e sugere que livros são desnecessários – qualquer um pode ficar rico e ter poder sem estudar, bastando ser ladino e submisso aos financistas.
Por que o mosquito evolui e se dá bem nas metrópoles, onde todos o odeiam e combatem, mas gente, pessoas que deveriam ser atendidas carinhosa e gentilmente pelas instituições, mantidas pelos impostos pagos pelos trabalhadores, perdem a paciência em postos de saúde, revoltam-se nas escolas públicas, estressam-se e esfaqueiam na prefeitura? Por que gente – pessoas, as joias da coroa dos deuses de todas as religiões – sofrem e sucumbem?
Calma aí! Dizem que maracujá (não confundir com maracutaia) acalma gente nervosa, embora o nervosismo do mercado somente seja aplacado por juros, que, segundo o Barão de Itararé, “são o perfume do capital”. Deixando de lado o “inseto do mal”, terá o maracujá condições de propiciar calma suficiente para que possamos seguir em frente sem esmorecer?
O produtor de maracujá dirá que a safra vai bombar se tiver a ajuda de outro inseto: a mamangava. Ao contrário do odiado mosquito da dengue, a mamangava (não confundir com mamata) é um inseto “do bem”. Espalhar seus ninhos nas plantações é o objeto do desejo dos produtores nessa temporada: a abelha legitimamente nacional multiplica os frutos nos maracujazeiros via polinização.
Mais admirável a mamangava se faz por assumir a tarefa de compensar o declínio dos demais polinizadores naturais. Aqueles que monstros bípedes liquidam por péssimo uso dos recursos naturais (estritamente para acumular capital) e emprego cavalar de produtos químicos que se anunciam “do bem” e fazem muito mal. Deve ser por isso que os seres humanos involuem. Mau uso e falta de respeito.
A política, por exemplo, vai de mal a pior. Diga um só país em que ela vai bem e eu lhe direi que precisa se informar melhor. Os cientistas políticos cometem uma grande injustiça com Lula ao dizer que ele foi o coveiro da esquerda no Brasil. Não lhe deem assim tanto “mérito”. Noam Chomsky, entrevistado pela jornalista Abby Martin, da Telesur, afirmou que, mundialmente, o espectro político vai do “centro” (omissos, em cima do muro e congêneres) até a extrema-direita.
A esquerda verdadeira, anticapitalista, limita-se aos intelectuais. A política morreu e os políticos vencedores não ligam para o povo. Mas por que isso ocorre, Mr. Chomsky? “Cerca de 70% do público, os que estão mais na base da pirâmide social, são desprivilegiados e suas atitudes não têm influência sensível sobre as políticas de seus próprios representantes”. E os demais 30%? Repartem-se entre foristas, fiquistas e vendilhões privatistas: “Fora Dilma!” “Fica Dilma!” “A Nação, na minha mão, é mais barata!”
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* Escritor 

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A tarifa não tem graça
Alceu A. Sperança*
O transporte coletivo continuará indo de mal a pior se as cidades que se pretendem “metrópoles” não adotarem padrões de, digamos o palavrão, sustentabilidade. Dificultar o transporte coletivo e privilegiar o individual equivale a puxar um gatilho assassino: nos últimos três anos, a letalidade do trânsito brasileiro passou de 18,7 mortes por 100 mil habitantes para 23,4. O atual modelo de transporte urbano é criminoso e maluco, tendendo a piorar a qualidade do ar e fragilizar ainda mais a saúde humana – e tudo isso custa, custa, custa muito.

A substituição dos cobradores pelo cartão de crédito cria mais problemas e não resolve nenhum dos problemas já existentes. Desempregar os cobradores, compensando-os com a reciclagem, vá lá, como agentes de turismo e orientadores sociais, seria um custo razoável se houvesse a gratuidade do sistema, como ocorreu em Ivaiporã e Pitanga, onde foi adotada a Tarifa Zero – e, a partir de dezembro, também em Tijucas do Sul.

Desempregá-los e o sistema ficar ainda mais caro e menos atrativo, obrigando os usuários a comprar vários créditos de um só desembolso ao contrário de pagar apenas uma passagem por vez, só favorece ao transporte individual. Justo e sensato seria facilitar por todos os meios a gratuidade do transporte de estudantes, trabalhadores e donas de casa e forçar imediatamente a eletrificação dos veículos.

Na Europa, os tribunais vêm aceitando a tese de que o deslocamento não deve ser pago pelo trabalhador. Sair para trabalhar e voltar do serviço não é um BigMac que se compra num quiosque para excesso alimentar: é parte do trabalho que consome o tempo do trabalhador. Esse tempo teria que ser remunerado – nunca o trabalhador gastar esse tempo no deslocamento e ainda ter que pagar por perder esse tempo. Isso é pagar para trabalhar.

A lógica é que as empresas, o governo e a sociedade precisam dos trabalhadores se deslocando aos locais de trabalho, onde vão gerar as riquezas apropriadas pelas empresas, os impostos arrecadados pelo poder público e os serviços estendidos a todos. Ao entrar num ônibus, portanto, o trabalhador deveria ser pago por destravancar o trânsito e melhorar a qualidade do ar – mas, ao contrário, paga uma tarifa extorsiva.

Nesse mesmo sentido, a dona de casa ao sair às compras vai fazer circular o dinheiro nas feiras e supermercados, além de prestar um serviço aos familiares ao sair em busca dos gêneros que depois de preparados por ela ou auxiliares os alimentarão ao voltar da escola e do trabalho. Por que, raios, donas de casa têm que pagar para se deslocar aos pontos comerciais onde deixarão lucros e também para, no retorno, prestar um serviço de amor aos familiares?

E se estudar qualificará melhor uma geração, em benefício do futuro do Brasil e do mundo, por que cargas d’água o estudante tem que pagar pelo deslocamento? E se o cara sai para o forró, o teatro, a bocha, o futebolzinho, visitar os amigos, por onde circular estará gastando, movimentando a economia, ganhando e distribuindo satisfação. Por que complicar seu deslocamento, se atravancar ruas estraga produtos perecíveis e faz mais demorado o acesso dos consumidores às mercadorias transportadas?

Se sair para trabalhar faz parte do trabalho, pagar pelo transporte é como pagar para trabalhar. Tempos malucos estes, em que tudo que não dá lucro a alguma corporação ou banco não presta – por isso danificam tanto o ar, as águas e desviam o ser humano para longe da felicidade, forçando-o a pagar por tudo... e mais um pouco.
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* Escritor
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Filme assustador insinua que é tudo real

Alceu A. Sperança*
É tão assustador quanto ouvir narração de assalto. O temor de estar na mesma situação do narrador detona imagens absurdas na cabeça do ouvinte. Rio Perdido (Lost River), filme de estreia como roteirista e diretor do já consagrado ator Ryan Gosling, foi recebido pela crítica e pela imprensa com aquele ódio que o sujeito sente quando alguém o coloca impiedosamente diante de seus esqueletos de armário.

O que dá menos medo e angústia no filme, todo em clima surreal e sombrio, é o drama familiar de Billy, garçonete endividada e sem marido, com dois filhos para criar, forçada pelo banqueiro a se vender “de corpo e alma” a uma exploração que é econômica, ideológica e sexual – um triplo estupro. Algo tão corriqueiro que já banalizou.  

Assusta ver sinais do presente projetando o futuro bem ali à frente, já insinuado e semipresente. As casas incendiadas introduzem o pesadelo excludente da gentrificação, processo imposto pelos donos do mundo a gestores autocráticos em alguma pequena ou grande metrópole.

Quem ainda não prestou atenção logo verá a gentrificação passando o rodo numa esquina próxima, o sinistro Bully a bordo de uma “limusine” com trono anunciando que você, menino Bones, não pode tirar o cobre das casas abandonadas pelas famílias que não aguentam mais a situação e partem a toda hora: a cidade é dele porque a tomou para si.

Uma das poucas cenas que escapa ao clima de fábula e surrealismo do filme é quando o taxista, não se sabe bem se latino, europeu ou asiático, diz: “Em meu país todos acham que a riqueza nos EUA é um direito de todos e o dinheiro farto brota do chão”.

Ele, Billy e as famílias de retirantes sentem na pele que a crise é brutal e o dinheiro pinga sangue: quem ainda tem posses vai se divertir assistindo a um teatro de horror e tortura. A criança, Franky, aprende que a melhor diversão é se lambuzar de sangue, é dar e tirar sangue. Só com muito sangue, como o das guerras, tudo fica divertido e lucrativo.  

Bones e Rat, a doce mocinha que tem um rato de estimação, tentam fugir à loucura da vida real curtindo antigos filmes com pistas sobre a possível maldição que produziu toda essa derrota, decadência e o estado de choque permanente da avó. Mas debaixo do lago poluído por lixo e escombros há, escondida, uma cidade saudável, reservada apenas a quem consegue descobrir como entrar nela.

Para fugir da maldição do banqueiro explorando os endividados e de Bully queimando as casas das famílias pobres e da classe média com seu IPTU-tocha, é preciso encontrar um meio de penetrar na cidade onde tudo é lógico e bom. Acharão?

Até aí, mesmo os momentos mais felizes do filme – o culto ao cinema e uma trilha sonora deliciosa – fazem o espectador a toda hora sentir vontade de se levantar da sala e sumir dali. Talvez, porém, seja melhor valorizar o ingresso e assistir até o fim, para saber onde está a saída.

Levanta-se e sai já do cinema, para onde o esperam o banqueiro estuprador e Bully, o dono da cidade? Ou suporta até os letreiros finais de fogo e destruição para saber como escapar a esse mundo tão ilusório e dialeticamente tão real?

Haverá uma cidade melhor debaixo dessa maldição ou ela terá que ser construída com os materiais que o jovem Bones conseguir nas demolições? Sai, finalmente, e há um mundo em demolição e em chamas exatamente agora à sua frente, mas para isso o cinema, que já vai apagando as luzes, não tem como dar respostas. 
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alceusperanca@ig.com.br
* Escritor
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País afunda, mas já sabe a saída
Alceu A. Sperança*
É difícil para um crente lembrar o momento da “conversão”. Em geral, as crenças são heranças culturais. Vêm mais das chineladas maternas e dos puxões de orelha paternos que do DNA. Já que ler é também uma herança cultural, é provável que a genialidade de Marx tenha ficado evidente ao ler sua afirmação de que “é um paradoxo a Terra se mover ao redor do Sol e a água, que recobre a Terra, seja constituída por dois gases altamente inflamáveis”.

Pensando bem (ou mal?), é como carregar uma banana de dinamite debaixo de cada braço, um balde de gasolina e uma tocha incandescente e ainda assim nada incendiar nem explodir, nunca, dia após dia, milênio após milênio de sol intenso em cima de tanto hidrogênio e oxigênio.

Os gases inflamáveis de que a água é formada, enfim e melhor para todos nós, são sábios o bastante para continuar se combinando de tal forma que a tocha solar não nos exploda de vez. A água apagaria a tocha, mas o sol danaria a água. E nós, que não somos gasolina, dinamite ou tochas, por que nos inflamamos, explodimos, brigamos, infernizamos a própria vida e a dos demais semelhantes?

O fenômeno de milhares de pessoas obrigadas a abandonar lares e pátrias para fugir da estupidez da guerra provocada pela avidez dos donos do mundo por seus recursos naturais – petróleo e minérios – afasta a hipótese de haver juízo e boa vontade entre os homens. Quando a água for a bola da vez, o Brasil será alvo da mesma cupidez. Se expulsam índios (“donos” da terra) por que não expulsarão brancos (invasores)?

É um mundo cheio de horrores. O pior deles é 0,1% da humanidade ditando o destino – e endividamento – dos restantes 99,99%, mas o horror causado pela diáspora dos refugiados fica logo de lado na TV quando em lugar das imagens das pessoas mortas nas perigosas travessias em embarcações frágeis aparece a alegria de um povo que orgulhosamente salva sua Pátria.

Salva, aliás, sem gentrificação, matança de pobres-diabos, encarceramento em massa e ofensas dirigidas a quem pensa ou age diferente. Salva com união de esforços, que não parece tão difícil considerando que o principal líder da oposição ao presidente Anote Tong é seu irmão Harry...

O Kiribati é um atol-nação localizado no Pacífico. Será engolido pelo mar nos próximos anos da mesma forma que nações bem firmes em amplos territórios, zil! zil!, foram engolidas pelas dívidas nacionais fabricadas pelos banqueiros. O mar não é um cruel agiota cobrando falsa dívida, mas vai fazer Kiribati afundar, irreversivelmente.

Qual a saída? Naturalmente, comprar território firme no qual possa estabelecer sua população sem perda de usos e costumes, migrando, ao contrário dos refugiados da guerra, para uma região de ambiente e clima similares aos já experimentados historicamente.

Comprando terras mundo afora para o dia em que precisará fazer a migração final, Kiribati é ao mesmo tempo um dos menores países do mundo e o único a ter territórios nos quatro hemisférios da Terra, como a velha Inglaterra da rainha Vitória. É também o país mais avançado no tempo, já que o ano novo sempre começa lá.

Comprar território para que milhares de pessoas morem não é coisa barata. Imagine a alegria do corretor de imóveis escolhido pelo presidente Tong (sim, descendente de chineses), ao lhe vender a primeira parcela de terras, em Fiji, ao custo de módicos US$ 11,7 milhões. É um país que afunda mas já sabe como resolver seu problema. E nós?
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* Escritor
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Cadeias lotadas e o mistério de Lúcifer

Alceu A. Sperança*

A desinformação, eufemismo para ignorância, é uma das piores consequências do analfabetismo funcional que domina o Brasil. Sem boas fontes, uma ampla massa crê nas balelas malandras disseminadas pelos interesses dominantes, que os comunicadores venais papagueiam sem o menor pudor.

Uma delas sugere que encher as cadeias de malucos, descontentes, desajustados e sofredores traz a paz social. A não ser como sadismo e segregar pela força quem incomoda, cadeia não tem servido para grande coisa. Ao contrário da paz, causa mais revolta e infelicidade, frustrando logo de saída os familiares das vítimas dos crimes.

Aprendem na dor que não há consolo após a prisão dos culpados se não houver a reparação dos malfeitos. Prender ou matar o assassino Zé Cruel não traz de volta quem ele matou nem melhora a segurança. Sofrem angústia parecida as famílias dos contraventores, que sem dever também são condenados à humilhação, como se fossem automaticamente culpadas pelas transgressões cometidas por outros.

Se cadeia produzisse os resultados que os autores das leis esperam, Napoleão não teria fugido de Elba e reconquistado o poder. Fidel Castro amargou um xilindró pesado um tempão, mas a história o absolveu, como ele pretendia.  Se o caso de Mandela não bastou, não conte muito com a prisão de líderes. Eles saem dos cárceres mais poderosos.

Um governador paranaense saiu da cadeia diretamente para o poder: Teófilo Soares. O pai do atual presidente da China, Xi Jinping, suportou vários anos de cadeia e seu filho foi preso três vezes, reeducou-se, trabalhou e conquistou posições decisivas na luta política até se tornar o principal líder da grande nação. Dilma e Lula já estiveram na cadeia, e daí? “Curso de canário”, em muitos casos, só faz o papel do casulo para a borboleta. Em outros, impõe a morte em vida para infelizes sem trazer felicidade a quem está solto.

O melhor livro da Bíblia, Eclesiastes, garante que não há nada de novo debaixo do sol, mas debaixo de uma geleira, onde o sol não bate, algo novo foi encontrado. Diga-se em favor de Salomão que em sua época, por volta de mil a.C., não havia o IceCube – não confundir com o rapper O’Shea Jackson. É um observatório astrofísico fincado no gelo eterno da Antártica, onde se deu uma descoberta enregelante, vinda de onde veio, as profundas mais geladas do planeta.

Trata-se do neutrino de maior energia já encontrado. São mais de dois quatrilhões de elétron-volts. Os cientistas – físicos e astrônomos – estão pasmos tentando entender a batata quente que lhes caiu nas mãos. Neutrinos são tão honestos quanto a cascavel, a cobra que avisa quando está chegando, qual uma espanhola de castanhola: ele jamais esconde de onde veio.

Com o neutrino bombado descoberto na geleira, entretanto, ninguém ainda sabe de onde, raios cósmicos!, ele veio. Alguns supõem que seja uma espécie de novo Lúcifer, grande anjo de luz, trazendo decadência (caiu, não caiu?) e notícias do nascimento ou fim do universo. Mas tudo não é eterno, monsieur Lavoisier? Só se tudo se cria e ainda não sabemos da missa um terço...

Mr. Stephen Hawking talvez dissesse que o neutrino bombado veio de um buraco negro, mas seu sintetizador de voz ainda não metalizou uma resposta. Ah, Horácio, certo estava Hamlet quando lhe jogou na cara haver mais coisas no céu e na terra do que sonha sua filosofia. Pois no fundo, debaixo do sol eclesiástico ou na arrepiante geleira antártica, nossa avançada ciência é ainda uma analfabeta funcional.


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* Escritor
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Da lama viemos e nela continuamos
Alceu A. Sperança*
 A água é de graça, mas a prestação de serviços em cima dela custa um bocado. O ar é de graça, mas a poluição que o sistema dominante enfia nela custa muito, até demais. Tudo que originalmente era “de graça” ganhou etiquetas de preço. A usura, que condenava os praticantes às penas do inferno, hoje é a causa de manter menos de 0,01% da humanidade no paraíso afortunado e os restantes 99,99% pagando as contas infernais das dívidas nacionais somadas ao arrocho salarial, impostos e o tributo extra da inflação.

Quando o Uber começou a se espalhar pelo Brasil, os empresários do setor de táxi protestaram. Sentiram o mesmo que já haviam sentido os locadores de filmes com a emergência da Netflix, que nada tinha a ver com a condenável pirataria. Foi o que também sentiram os hoteleiros com o aplicativo Airbnb abrindo vagas à hospedagem em espaços vagos de residências comuns.

Todas as medidas tentadas para resistir à nova revolução tecnológica sucumbirão no vazio. Formidáveis e múltiplas inovações põem abaixo tudo aquilo em que se acreditava. É a ruptura com padrões superados passando o rodo nas obsolescências remanescentes do século XX. “A aceleração e a ruptura são os principais fatores do impacto dos meios sobre as formas sociais existentes”, dizia Marshall McLuhan. Em 1964!

O capitalismo trouxe grandes maravilhas, mas é injusto e num crescendo afunda a humanidade em doenças, guerras, destruição ambiental, rancores e um imenso, indescritível sofrimento. Ainda persiste um virulento caldo reacionário cozinhando, fazendo o mundo uma desgraça globalizada, mas no ventre da ordem corrupta e gananciosa começa a pulsar a superação do sistema.

Com o Uber, Netflix, Airbnb e tantas outras coisas que já rolam por aí e logo virão, vai se confirmar aquilo que dizia uma rosa morta chamada Che Guevara: “Os poderosos podem matar uma, duas ou três rosas, mas jamais conseguirão deter a primavera”. A primavera também não foi detida pelos ludistas, sequer pelos pobres carregadores de riquixá que ao saber da autorização dada pelo governo de Hong Kong a máquinas poluentes chamadas “automóveis” para fazer o serviço de táxi, preferiam se deitar nas ruas por onde passavam os taxistas. Escolheram morrer, como os índios suicidas, por não aceitar que a vida fosse necessariamente sofrimento.

Devagar, quase parando, a decadência do ensino e a desqualificação laboral são inversamente proporcionais à acelerada mortandade de jovens no Brasil. Comparando com o tempo em que a desqualificação era tão grande que havia máquina moderna a ser operada e ninguém para aprender como funcionava, até que, em termos, melhorou.

Máquina avançada, com raras similares no mundo, a primeira barca a vapor vinda para o Brasil foi abandonada por volta de 1825 porque morreu o maquinista e ninguém mais no Império sabia operar a bendita. Assim, se é verdade que “a verdade vos libertará” (e quem se atreverá a negar essa máxima tão bem dita?), a verdade científica nos ajudará a romper os grilhões da ignorância e da mentira.

Cientistas da Nasa, com base em Mike Russell, supõem que a vida teve origem no mar. Se assim foi, não é exato que do pó viemos. Avançando os estudos de Russell, cientistas da Universidade de Osnabrück, Alemanha, descobriram agora que não foi do pó que viemos, nem da vastidão do oceano, mas de pequenas poças, em terra. A velha lama nossa de cada dia. O mundo da ganância global virado num mar de lama, portanto, só demonstra que ainda não tivemos capacidade para sair dela. E lama, enfim, quando seca vira pó.
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* Escritor
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Livros em papel ainda encantam crianças e adolescentes
O sentimento de que a invasão de tablets, smartphones e aplicativos sociais pode estar tomando o lugar dos tradicionais livros em papel entre crianças e adolescentes se desfaz imediatamente quando se chega à 17ª Bienal do Livro do Rio. Nos três pavilhões do Rio Centro, milhares de crianças, quase todas integrantes de excursões promovidas pelos colégios, tomam o espaço e enchem o ambiente de alegria. Os pequenos lotam as livrarias, principalmente aquelas com temáticas infantojuvenis.
A explicação para essa preferência pelos livros em papel em tempo de redes sociais pode estar tanto no tipo de narrativa que a obra oferece, sem distrações e mais aprofundada, quanto na capacidade das novas gerações de segmentar a atenção para várias mídias ao mesmo tempo, algo que é difícil para os mais velhos.

A opinião é da diretora da Bienal, Tatiana Zaccaro, que vê grande espaço para o crescimento dos livros na atualidade, em todo o mundo, apesar das tecnologias que cada vez mais fazem parte da vida de todos.

– A cada ano, temos mais visitantes, e o número de livros comprados aumenta. E temos algo, que está ocorrendo no Brasil e no mundo, que são os adolescentes lendo bastante. A média de livros vendidos tem aumentado exatamente nessa faixa etária. Isso leva a acreditar que, mesmo competindo com toda a tecnologia que faz parte de sua vida, os adolescentes, que nasceram na era das telas de toque e da internet, não abandonam os livros. Eles querem o autógrafo, querem conhecer o autor. Isso mostra que o livro está mais vivo do que nunca – disse Tatiana.

Uma das formas de garantir essa simbiose entre mídias de papel e digital é oferecer livros desde muito cedo às crianças, que assim crescem com amor às páginas impressas. A dica é da empresária Vanessa Mazzoni, que visitava a bienal em companhia das filhas Ana Clara, de 11 anos, e Larissa, de 5 anos. “A Ana Clara devora livros, a pequenina ainda não lê, mas está indo pelo mesmo caminho. A gente incentiva. Presentes de aniversário são sempre livros, pois ela já está na adolescência. Elas têm tablet, mas não têm o hábito de ler nele, tem que ser livro de papel mesmo”, afirmou Vanessa.

A filha Ana Clara, que está no sexto ano, explicou como consegue se dividir entre as mídias digitais e as páginas impressas. “Eu fico dividindo o meu tempo. Fico um pouco lendo, um pouco usando o celular e dá para fazer tudo. Se eu gosto da história e do autor, eu procuro na internet sobre os outros livros dele e aí compro para ler. Eu gosto de ver o livro, a capa, acho legal”, contou.

O amor pela leitura às vezes independe de classe social e condições de adquirir livros que, muitas vezes, podem ser difíceis de se encaixar no orçamento familiar. Isabele Vitória da Silva Santos Faria, de 10 anos, integrante do projeto social Circo Crescer e Viver, aproveita o tempo extra na escola para se dedicar à leitura. O hábito, segundo ela, veio dos pais. A mãe é cozinheira e o pai, segurança, mas sempre tiveram livros em casa. “Eu gosto mais de ler contos de fadas e ficção. O tablet compete com os livros às vezes, mas minha mãe diz que é preciso uma hora para cada coisa”, disse Isabele.

Colega no circo, Pablo Richard, de 11 anos, gostaria de ter mais livros em casa. Ele mora com a mãe, que vende salgados, e não dispõe de tablet nem celular. Diz que prefere ler em papel mesmo, mas reclama do preço. “Às vezes, vou à biblioteca da escola e pego o maior livro que tem. Gosto de contos de fadas e histórias de terror. Pena que os preços aqui na Bienal são o dobro do que eu trouxe em dinheiro”, lamentou.

Mesmo para quem trabalha nas livrarias, passando o dia entre prateleiras e pilhas de livros, a questão financeira acaba sendo um limitador. Para Ivisson Laurent dos Santos Silva, o acesso a determinadas obras, principalmente aos livros técnicos, está distante da realidade. “Os livros ainda são inacessíveis para a maioria dos brasileiros. Aqui pagamos muitos impostos e tributos. Apesar de eu trabalhar em uma livraria, tenho que optar em fazer as coisas pessoais ou comprar um livro. Entre o pão e o livro, ganha o pão”.

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Independência, uma pinoia!
Alceu A. Sperança*

Será grosseiro e radical dizer isso? No honorável Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, “pinoia” é tanto a moça leviana, a periguete, como o ato da trapaça. No sentido geral, pura malandragem. Sempre um mau negócio. Feita a acusação, vamos às provas.

O príncipe João podia até rimar com bobalhão, por conta das manias, da esposa insuportável Carlota e não ser bem educado porque não era o primeiro na fila para ser rei – entrou no vácuo da morte do irmão mais velho, José Francisco, e da fanática loucura religiosa da mãe. Um cara de sorte, no fim das contas. Ah, e adorava coxinhas.

João VI, entretanto, jamais rimou com mal assessorado. Orientou-se, rapaz, direitinho sobre como agir quando o Brasil decidisse o óbvio nos tempos revolucionários do início do século XIX: sonhar com as tais liberdade, igualdade e fraternidade, coisas ainda jamais vistas pela humanidade até as primeiras décadas deste século XXI.

Assim, João bolou um jeito de simular a independência do Brasil e ganhar uma grana fácil. Iria abater a dívida que tinha com a Inglaterra e, de quebra, deixar o filho Pedrinho tomando conta da lojinha. Bobalhão, uma pinoia!

O movimento maçônico brasileiro pela independência evoluiu sem sangue, ao contrário de toda a luta dos uruguaios para ter sua pátria, porque nossa emancipação foi comprada em libras esterlinas. E mesmo pagando pela Independência, o Brasil ficou dependente, sob o comando de três monarcas europeus. Pedro I do Brasil saiu daqui e foi virar Pedro IV de Portugal. Uma pinoia.

Como prefeito brasileiro dá ao filho uma deputança, tradição mantida pelos séculos afora, o rei João fez do filho Pedrinho (e a si mesmo) o imperador do Brasil. A princesa Leopoldina determinou a independência brasileira em 2 de setembro de 1822, mas o marido Pedro, infiel no casamento mas fiel ao pai (“antes seja para ti, que me hás de respeitar”), manteve o Brasil sob três coroas até o filho Pedro II entregar tudo a uma coroa só: a da rainha Vitória, após a quartelada republicana de 1889. Outra pinoia.

Cadê as provas? Nos artigos 1º e 2º do Tratado de Reconhecimento, datado de 29 de agosto de 1825, o rei João reconheceu o Brasil independente, tendo por imperador “seu, sobre todos muito amado e prezado, filho d. Pedro”, também se reservando o direito de ostentar o título de imperador do Brasil. Pois Pedrinho, em “reconhecimento de respeito e amor a seu augusto pai”, o declarava igualmente (e simultâneo) imperador do Brasil. Logo, duas coroas.

Celebrada a dupla coroação, o art. 9º do Tratado de Paz e Aliança meteu o Brasil também sob o domínio da terceira coroa: “debaixo da mediação de Sua Majestade Britânica**, convieram em virtude dos seus plenos poderes respectivos” que Pedro pagaria a Portugal, como indenização, “a soma de dois milhões de libras esterlinas”.

“Independência ou morte” ou uma trapaça (pinoia) para tomar a grana dos brasileiros e endividar a nova Nação? Para pagar esses trocados, agradar ao amado pai João e à amada coroa inglesa, Pedrinho se comprometia a pagar a dívida de Portugal com os banqueiros ingleses e, voilá, rola que rola, endividar o Brasil desde a Independência.

E eis aí a mãe da atual dívida nacional, uma pinoia trilionária: hoje, R$ 3,6 trilhões de dívida interna e US$ 555 milhões de externa. Pagamos caro demais (R$ 2,7 bilhões diários, a cada e todo dia) por um produto falsificado.

**George IV, o Endividado.
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* Escritor
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Deus ex-machina e repúblicas às pampas
Alceu A. Sperança*
Quando nada mais resolve, um cabo de aço para simular voo faz pairar sobre a cena congelada o “espírito” salvador que traz a solução genial bolada pelo dramaturgo. É o “deus ex-machina”, recurso do antigo teatro grego para resolver impasses dramáticos.

Sempre que há crise (e quando não há?), os desesperados saem à cata de uma solução “espiritual” extraterrena, tal como beber veneno e embarcar na cauda de um cometa, método maluco de ser “escolhido” pelas potências celestiais. Para sumir deste planeta em ruínas no primeiro disco-voador que partir depois da laranjada matinal, Porto Alegre sediou em junho o Fórum Mundial de Contatados, Abduzidos e Testemunhas, uma espécie de “pare o mundo que eu quero descer” trazido pelo deus ex-machina. Os não escolhidos que se danem com sua falta de fé.

Para os contentinhos com o sistema vigente no Brasil, o deus ex-machina para a sempiterna crise é o pré-sal, a entidade miraculosa que trará a definitiva salvação para o país. Basta extrair e vender o petróleo e tudo se resolverá. Na Venezuela já se viu que as coisas não são bem assim. A gasolina, lá, é mais barata que água de torneira aqui. E todo o ouro e a prata já extraídos, a imensidão de minerais que se extraem hoje avidamente já deveriam ter tido lá atrás essa função salvadora de deus ex-machina. Mas o que se vê, sempre, é a riqueza mais e mais acumulada em menos mãos.

Para os indignados sulistas, o deus ex-machina é a República dos Pampas (ver “Como ficaria o Brasil dividido?”, 12.3.2009). É a crise piorar e o indignado invocar o deus ex-machina do separatismo salvador para confortar sua alma atormentada.

A malandragem de retalhar o Brasil em vários pedaços remonta no mínimo ao oceanógrafo Matthew Fontaine Maury, por volta de 1850. Carlos Chagas, na revista Manchete (5.6.1997), pisa na bola ao escrever que em 1816 o capitão “Mathew Fawry” (ficção para Maury, que nessa época tinha só dez anos) remeteu memorando secreto a seus superiores nos EUA aconselhando a criação do “Estado Soberano da Amazônia”.

Incluiria as Guianas atuais, tendo por fronteira Sul uma linha reta partindo de São Luís do Maranhão ao ponto extremo onde hoje Rondônia se limita com o Mato Grosso. A Bahia não seria mais só um estado de espírito, mas uma nação independente. Sem ela, proclamada por Napoleão, o Nordeste seria a República do Equador. Santa Catarina, outra Malvina britânica. Ao Sul, claro, a República Rio-grandense.

“Fawry” é fake, inventado por Fernando Sampaio em O Dia em Que Napoleão Fugiu de Santa Helena, mas Maury de fato propôs a Amazônia para acolher os escravos libertos nos EUA. Influenciado por essas ideias, o próprio Lincoln, em 1862, quando declara “desde já e para sempre livres todos os escravos existentes nos Estados rebeldes”, propõe aos libertos que aceitem a proposta do general James Watson Webb, amigo de d. Pedro II, de criar um Estado Livre para os ex-escravos na Amazônia.

Um detalhe essencial impediu o Brasil de perder a Amazônia já naquela época: os negros estadunidenses não quiseram sair de lá. Alegaram que os EUA, “terra da liberdade”, também era o país deles. Foram respeitados, veja só. No Brasil, defensores da propriedade privada ainda hoje matam e expulsam índios a pretexto de que... seus verdadeiros donos têm terras demais!

Se os negros estadunidenses topassem criar uma República apartada do Brasil, hoje não teríamos mais a Amazônia. E assim, via Efeito Borboleta, quem sabe nem os EUA tivessem o presidente Obama.
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* Escritor
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Assim vovô se livrou da escravidão
Alceu A. Sperança*
 Pai contra mãe, o chocante conto de Machado de Assis, expõe o impacto que uma nova ordem traz sobre os restolhos da velha. “A escravidão levou consigo ofícios e aparelhos, como terá sucedido a outras instituições sociais” é a oração que dá o tom da narrativa. Ao ser extinta, a ordem escravista condenou aos museus os equipamentos usados para prender e castigar os escravos.

A caixinha de pregar mão vai dar saudades em pais neuróticos que dizem “amém” ao senhor gerente e descontam as humilhações sofridas nas crianças ao chegar ao doce lar. A berlinda desperta suspiros nostálgicos nos exploradores mais radicais: o rebelde tinha os punhos e o pescoço presos e quem passava lhe distribuía tapas, petelecos e cusparadas.

Enfim, a ordem capitalista só conseguiu progresso de fato ao liquidar esses restolhos do escravismo que ainda permaneciam no feudalismo. E aí inventou a nova máquina dentre as tantas que o caracterizaram como a formação social e econômica mais evoluída forjada pela humanidade: o relógio do cartão-ponto.

Não é demais supor que na futura ordem socialista haverá restolhos da ordem capitalista e eles terão sobre nossos netos o mesmo efeito angustiante que os entulhos das crueldades escravistas motivaram nos leitores de Machado de Assis ao ler o livro Relíquias da Casa Velha, em 1906. Nada que Maquiavel já não tenha advertido, aliás: “Não há nada mais difícil de realizar nem mais perigoso de controlar que o inicio de uma nova ordem de coisas”.

É possível que nossa expressão de horror ao saber como o escravo era tratado na berlinda seja o mesmo sentimento de piedade que os atuais bisnetos sentirão pelo bisavô ao saber como remetia torpedos em sua época. Primeiro, precisava de uma rústica máquina de escrever, na qual sujava os dedos de tinta ao colocar a fita. Precisava então de papel para deslizar no cilindro da máquina, alinhar e então catar milho (só isso ainda permanece!) para digitar o texto da mensagem.

Mais papel era necessário: um envelope. Nele, o papel com o texto do torpedo era colocado. Aí vinha o esforço propriamente dito: andar até uma agência de correio para a postagem, que dependia ainda de fechar o envelope com cola e lacrá-lo com um selo e um carimbo. Então bisavô pagava o selo e sua parte estava concluída, equivalente a um clique no “send”: a mensagem foi finalmente postada para a bisa, ainda sua namoradinha de colegial.

Ah, mas até ela receber a mensagem tudo ainda dependia de mais esforço e um tempão desde a cartinha ser colocada num malote e ser transportada de caminhão até uma central dos Correios e Telégrafos. Dela (ufa!) partiam carteiros a pé ou de bicicleta levando a correspondência até o endereço físico da namorada, onde era colocada numa caixinha externa ou por baixo da porta. Que horror, pobre bisa!

Não tenha tanta pena, bisnetinho, porque no fim da história seu bivovô ficou maravilhado com o avanço da ciência e da tecnologia. O velho descobriu de vez a felicidade, com a sagrada certeza de que o capitalismo tinha dado certo ao receber a grande novidade, que fazia o torpedo chegar de imediato às mãos da bisa, já na faculdade.

Exultante, põe o bisneto no colo e lembra o maravilhoso avanço tecnológico que mudou totalmente sua vida e o fez ter a certeza de finalmente chegar ao melhor dos mundos, o plano final do Divino para a humanidade: o fax... Como diziam os bisavós chineses e seus vizinhos no tempo, “isso também passará”.
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* Escritor
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Para cultivar livro e leitura,
num país diverso mas oral

Por Jéferson Assumção

O artigo A Dimensão Cultural da Leitura, do ex-ministro da Cultura, Gilberto Gil, publicado no caderno do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), em 2006, traz uma frase que considero ser a chave para uma política de livro e leitura a ser desenvolvida no Brasil:

“É necessário também pensar o modo como essa prática leitora se articula com nossa cultura, tão nossa, tão brasileira, tão rica em sua oralidade e espontaneidade, mas ainda pobre em sua dimensão escrita. Se desenvolvê-la nessa direção não é tarefa fácil, com certeza ela só se realizará plenamente se feita em consonância e respeito com a diversidade cultural de nosso povo, de modo a potencializá-la e não suprimi-la”.



De fato, a diversidade cultural (cuja convenção da Unesco para sua defesa e promoção completa dez anos em 2015) se trata de um dos desafios mais importantes a que uma política de livro e leitura deve se ater em um país com nossas dimensões e peculiaridades territoriais e culturais. Uma megadiversidade tão cheia de interiores e com eles suas riquezas, amazônicas, sertanejas, agrestes, pantaneiras, pampeanas impõe a quem quer que aqui desenvolva o livro e a leitura um olhar ainda mais plural que em outros territórios e países menos heterogêneos. A população brasileira, formada basicamente por três grandes blocos: os indígenas e os africanos, ágrafos, e os portugueses, cujo nível de alfabetização sempre foi o menor da Europa e em seguida enriquecida por povos de todos os quadrantes da Terra, é belo resultado de uma especial mistura.

No entanto, ao permanecer por séculos longe dos livros – até o ano de 1808 Portugal proibia que se fizessem livros no Brasil – e com uma educação rarefeita até mais da metade do século XX, chegamos ao século XXI com elevados índices de analfabetismo absoluto (cerca de 10% da população) e uma relação recente e problemática com o livro e a prática leitora. Diferentemente da maioria dos países da Europa, por exemplo, em que a literatura e o livro cumpriram um enorme papel social e político, no Brasil a relação com o livro só se desenvolve, ainda que de forma muito precária, em escala social, depois da relação com os meios de comunicação de massa. E, hoje, com os meios digitais.

Mas, então, como cultivar a leitura neste contexto adverso? Temos um mapa, pelo menos. Precisamos desenvolver políticas e ações que se orientem pelos cinco princípios norteadores do PNLL:

1) O Livro deve ocupar um lugar de destaque no imaginário coletivo;

2) Deve haver escolas que saibam formar leitores;

3) Devem existir famílias de leitores;

4) Melhor acesso ao Livro; e

5) Um melhor Preço do livro.



E, assim como sem leitura o Brasil não se tornará uma pátria educadora, uma política de leitura para o Brasil de nosso tempo necessita estar intimamente ligada à Educação e à vida na escola, focando principalmente a faixa entre os 7 e os 14 anos, período em que a prática leitora se desenvolve e tem chances de se consolidar. E contar com as necessárias parcerias com a sociedade civil organizada, as redes, coletivos e o mercado do livro.

Precisamos relacionar a leitura com a cultura, num contexto de megadiversidade. País antropofágico, de tradições e inovações, de modernidades e arcaísmos, de hibridismos e identidades, de urbes tão imensas quanto seus campos, florestas e faixas litorâneas, o Brasil impõe-se como desafio de multiplicidade a qualquer prática cultural em seu território, entre elas a da leitura e da literatura. Um país com tantas fontes, indígenas, negras, europeias, asiáticas olha para o mundo e é olhado por ele de maneira especial. A prática da leitura, por aqui, também deve ser tão especial quanto o Brasil é.

Temos que desenvolver a leitura no Brasil a partir dos pressupostos culturais de sua singular formação. Antropologicamente, historicamente, sociologicamente, a tarefa de fazer do Brasil um país leitor não pode ser articulada de maneira instrumental, funcional, ao desenvolvimento econômico e mesmo social sem ser qualificado pela especificidade de sua cultura, sob pena de achatar-se e não acompanhar sua própria grandiosidade. Também, para o desenvolvimento de uma visão sistêmica de leitura, é preciso, junto com a leitura solitária, cartesiana, fundamental para a formação do olhar íntimo do leitor silencioso, a leitura solidária, aberta, dialogante com a diversidade cultural e com a cultura digital contemporâneas.

Fundamental é desenvolver diálogos estratégicos entre Cultura e Educação, Cultura e Comunicação, com a Sociedade (redes e coletivos de cultura, pontos de cultura etc) e com as Políticas Culturais de nosso País. Com isso, podemos, a sociedade e os governos, articular grandes ações dentro e fora da escola, como escritores nas escolas, tal como o Rio Grande do Sul faz com sucesso há cerca mais de 30 anos; campanhas de visibilidade da leitura e da literatura; trabalhar o já grande acervo de literatura distribuído em todo o Brasil pelo Programa Nacional Biblioteca na Escola, do MEC; desenvolver ações na linha Formação literária e difusão cultural, recentemente incluída no Mais Cultura nas Escolas; atuar em ações de visibilização das atividades realizadas nas periferias, centros urbanos e interior do Brasil (saraus, festas literárias, rodas de leitura etc) pelas redes, coletivos e as mais de mil bibliotecas comunitárias do Brasil.

É preciso ajudar na articulação em rede dessas inúmeras iniciativas, com editais específicos para as narrativas urbanas, indígenas, negras etc. Precisamos também mostrar a exemplaridade de bibliotecas públicas e comunitárias, com um selo Biblioteca Viva, além de realizar ações no sentido de promover a língua portuguesa, como veículo para a difusão da produção cultural brasileira em todas as linguagens, desde a literatura, a música popular, cinema, teatro, manifestações populares etc. Essas e outras ações só serão possíveis com o esforço de muitos (governo, parlamentares, sociedade, movimentos, mercado) em prol de ações estruturantes, entre elas, aprovar no Congresso Nacional o Projeto de Lei do Plano Nacional de Livro e Leitura – PNLL, criar o Fundo Setorial Pró-Leitura; e recuperar a institucionalidade do livro e da leitura no País por meio de um Instituto Nacional do Livro, Leitura e Literatura. Muito já foi feito, mas muito ainda é necessário para que a riqueza da cultura brasileira se amplie também na dimensão escrita.

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O canibalismo nosso de cada dia
Alceu A. Sperança*
Ao se estender à história, um olhar contaminado pelo presente e convicções atuais cria um filme de terror: nossos antepassados foram canibais, alega a antropóloga Silvia Bello, do Museu de História Natural de Londres. Ao estudar ossos achados na Caverna de Gough, em Somerset, ela descobriu que pessoas eram devoradas por um tipo muito especial de animal: gente.

Nesse restaurante-caverna, há cerca de 15 mil anos os fregueses tinham o hábito de consumir seus quitutes o máximo possível, até quebrando os ossos para saborear o tutano. Sem esbanjar, limpavam o prato. Que, como os copos, eram feitos com crânios. Silvia Bello supõe que havia um ritual religioso nesse processo alimentar – algo como render graças antes da saborosa refeição.

Só na Inglaterra? Na península ibérica, de onde vieram os “achadores” e primeiros donos de papel passado do Brasil, o canibalismo não era incomum. No Norte da Espanha, as carnes mais apreciadas eram as de crianças e adolescentes, o que leva à solução do pio Jonathan Swift para a fome, em sua “Modesta Proposta”. Comer crianças pobres zera a miséria e não requer redução da idade penal. O problema será a futura falta de mercadorias. Os pobres, por extinção, deixarão de produzir acepipes para os abastados (e pedófilos) comensais. Aí, sem saída, o jeito será passar no cutelo gordinhos filhotes da classe média...

Ao contrário dos escravistas europeus, que obrigavam os negros e índios a se esfalfar até a morte prematura, trabalhando impiedosamente abaixo de condições aterrorizantes, os Tupis eram piedosos canibais. Comendo os inimigos capturados em combate, celebravam religiosamente sua bravura, evitavam que sofressem e não precisavam sustentá-los. Escravos só rendem mais do que produzem em condições muito especiais, coisa que os ingleses descobriram logo no alvorecer do capitalismo e os Tupis sempre souberam.

Os Tupis não consideravam justo alimentar quem nada produz – e a produtividade não é, hoje, o cerne do debate econômico nacional? Vencer uma guerra e sustentar os folgados vencidos à custa do trabalho dos nossos irmãos e filhos? Jamais! Cadê aquele velho livro de receitas?

Chega desses horrores do passado e das “velhidades” de Silvia Bello. Melhor esquecer esse remoto passado para não despertar apetites ancestrais nem julgar fora de contexto as preferências culinárias de vovô. Melhor prospectar o futuro lendo obras recentes sobre descobertas científicas. O novo livro de Nick Lane, The Vital Question: Energy, Evolution, and the Origins of Complex Life (A questão vital: energia, evolução e as origens da vida complexa), sustenta que até certa altura da evolução a vida se resumia a micróbios incapazes de gerar seres maiores – gente, nem pensar. O que aconteceu, então? Fiat lux?

Deu-se o caso clássico do ovo, que vem antes da galinha. Com base nos estudos do biólogo William Martin, Lane supõe que começamos a ser “criados” no mágico instante em que um micróbio passou a viver dentro de outro – a mitocôndria se deixa “comer” pelo hospedeiro e vai esticar a vida até formas mais complexas. Devolve-nos, assim, ao horror do canibalismo. Ou do parasitismo, o que explica bilhões de pessoas pagando pelo que não devem a menos de 1% de espertalhões. Então é isso: do canibalismo viemos...

Cabe ter hoje suficiente humanidade para não canibalizar nossos iguais, explorando-os até enlouquecerem de tanta dívida, discriminando-os por qualquer diferença de aparência, essência ou preferência, nem matá-los nas guerras em nome de deuses cujos nomes reais são grana, poder, petróleo e agora até água. Que com a terra, o ar e o fogo faziam a quádrupla deidade elementar dos antigos canibais.
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* Escritor
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Igualdade para as cavalgaduras
Alceu A. Sperança*

Um encrenqueiro grego, Xenófanes, sacudiu a arrogância humana ao supor que “se os bois e os cavalos tivessem mãos e pudessem pintar e produzir obras de arte similares às do homem, os cavalos pintariam os deuses sob forma de cavalos e os bois pintariam os deuses sob forma de bois”. De fato, os homens supõem seus “deuses” como vingativos ou bondosos como eles próprios julgam ser.

Animais sociais como abelhas e formigas possuem um “RG” natural que os identifica por sexo, idade e participação na comunidade. Isso devolve a espécie humana à depreciação de que somos todos animais, e nesse caso inferiores a espécies que a natureza preza mais que o homem, como as bactérias – seres que todas as evidências comprovam os mais queridos pelo equilíbrio universal.

Assiste-se há milênios a um enquadramento dos humanos a procedimentos de registro e controle, hoje cartonados e biométricos. Chips plastificados de bancos, lojas, farmácias, igrejas ou transporte coletivo são requeridos para tudo: circular, ultrapassar fronteiras, comprar, vender. Um monte de cartões e um mundaréu de senhas para os humanos, quando uma simples formiga ou abelha tem tudo isso desde que nasce, livre dessa cartonagem bestial e numérica (666, of course!).

A igualdade é considerada humanitária, embora por desumanidade não se pratique. Liberdade é para as borboletas. Para os humanos, é ter dinheiro. Fraternidade é brigar por herança em cima do cadáver do pai ainda quente. E igualdade? Talvez, como “equivalente”, seja coisa de animais, sobretudo cavalgaduras – equus, do Latim, era a parelha de bestas que transportava a biga. Lado a lado, iguais, equus sugere igualdade e equivalência. Arre, égua!

Homens se sentem grandiosos e sob proteção “divina”, mas seus sistemas bagunçados se arruínam em sanguinolência, maldade e sofrimento. Abelhas não têm corrupção eleitoral – sua rainha não manda nem ordena, porque sua sociedade é regulada naturalmente, conflitando com nossa bela noção republicana de igualdade perante a lei. Mas aí aparecem os desiguais para atrapalhar exigindo direitos. E dê-lhe gás de pimenta e borrachada nas ancas.

Igualdade, no Brasil, é tirar os desiguais da sala de conchavos. O sistema de poder foi montado na Constituição de 1988 de forma que o presidente, governador e prefeito reproduzam a figura do imperador. São chefes de partido, governo e Estado. Se as leis não lhes bastam, saem a decretar ou alugar maiorias para impor os interesses de quem financiou as campanhas.

Essa é a raiz do Mensalão, a governabilidade cultivada por petistas, tucanos e agregados no Big Center (Centrão, para os íntimos). A maioria parlamentar é forjada pelo poder econômico a cavaleiro de uma enorme desigualdade. Quando o imperador de plantão e o Congresso conflitam, seus atritos interna corporis se resolvem por uma lei. No limite, por uma ação ou recurso judicial.

Se a mensalização é demais e as leis são apunhaladas grosseiramente com jeitinhos e pedaladas, o Ministério Público, qual Grilo Falante, dá uma sacudida nos Pinóquios. Nada disso, porém, limita os poderes imperiais do trichefe executivo nem democratiza o parlamento, cuja composição é nomeada pelo grosso do poder econômico. E assim as cavalgaduras que aspiram igualdade/equivalência se reduzem à insignificância de meros equus, com direito a ser iguais somente na parelha que transporta o orgulhoso imperador em sua biga do ano.
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* Escritor

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Entidades se preocupam com programa de livros

"Liberdade, espontaneidade, afetividade e fantasia são elementos que fundam a infância. Tais substâncias são também pertinentes à construção literária. Daí, a literatura ser próxima da criança. Possibilitar aos mais jovens acesso ao texto literário é garantir a presença de tais elementos, que inauguram a vida, como essenciais para o seu crescimento. Nesse sentido é indispensável a presença da literatura em todos os espaços por onde circula a infância. Todas as atividades que têm a literatura como objeto central serão promovidas para fazer do País uma sociedade leitora. O apoio de todos que assim compreendem a função literária é proposição indispensável. Se é um projeto literário é também uma ação política por sonhar um País mais digno."
(BARTOLOMEU CAMPOS DE QUEIRÓS, in Manifesto por um Brasil Literário, 2009)
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A Associação Brasileira de Editoras de Livros Escolares, a Associação Nacional de Livrarias, a Câmara Brasileira do Livro, a Liga Brasileira de Editores e o Sindicato Nacional dos Editores de Livros, em nome de seus associados, vem manifestar sua preocupação em relação à continuidade da política pública de inclusão da literatura no âmbito da Educação Infantil e dos ensinos Fundamental e Médio, tendo em vista a imposição de cortes nas verbas do Ministério da Educação.
A educação deve ser entendida no sentido amplo, sem se restringir a ensinar a criança a ler e a escrever, mas também a pensar, refletir e compreender. Através do hábito de leitura, a criança aumenta seu conhecimento sobre o mundo e se prepara para exercer sua cidadania.
Hoje, apenas 25% dos brasileiros alfabetizados são leitores plenos, o que significa que 75% não têm capacidade de compreender e interpretar textos, segundo dados do INAF -- Indicador Nacional de Analfabetismo Funcional.
Entendemos que a formação de leitores, assim como a constituição de acervos de bibliotecas escolares com livros de literatura devem ser prioridades nas ações do Estado e, portanto, do Ministério da Educação. Só assim poderemos equiparar direitos, garantindo a mesma qualidade na formação a todas as crianças e jovens brasileiros, independentemente da cidade onde vivem, das carências e desigualdades de cada região.
Um grande passo nesse sentido foi a criação, em 1998, do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), e seu desenvolvimento e aprimoramento ao longo dos últimos anos. Até 2014, este programa vinha cumprindo seu objetivo de "prover as escolas de ensino público das redes federal, estadual, municipal e do Distrito Federal, no âmbito da educação infantil (creches e pré-escolas), do ensino fundamental, do ensino médio e educação de jovens e adultos (EJA), com o fornecimento de obras e demais materiais de apoio à prática da educação básica". Na última década, o PNBE tornou-se um exemplo de sucesso na inclusão da literatura em sala de aula, e outros programas de igual importância foram também criados, como  o PNBE do Professor, o PNBE Periódicos, o PNBE Temático e o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC).
Estes programas permitiram aos alunos de todo o país o acesso a uma grande diversidade de obras literárias, de escritores e ilustradores nacionais e estrangeiros, obras estas que foram avaliadas e selecionadas por profissionais especializados em literatura e educação. Permitiram também que editoras de todos os portes participassem do processo de seleção e tivessem a oportunidade de incluir seus títulos nestes programas.
Em 2015, porém, segundo informações recentes da Fundação Nacional para o Desenvolvimento da Educação (FNDE), responsável pela execução desses programas, não houve ainda a liberação de verbas para viabilizar tanto o PNBE Temático 2013, que já estava com contratos em andamento, quanto o PNAIC 2014 cujos livros já estavam selecionados e as editoras devidamente habilitadas para a negociação e o contrato. Lamentavelmente, o processo de avaliação dos livros inscritos para o PNBE 2015 também estagnou. De acordo com dados estimativos, as verbas destinadas ao PNBE Temático 2013 e do PNAIC 2014, em conjunto, representam menos de 1% do valor do corte orçamentário de R$ 9,4 bilhões sofrido pelo Ministério da Educação.
Além disso, o governo do Estado de São Paulo, em comunicado oficial, suspendeu a compra de livros para escolas e bibliotecas. Temos acompanhado notícias aterradoras de paralisia de ações em diversos estados e municípios, como o fim de um dos projetos mais emblemáticos do país, a Jornada Literária de Passo Fundo. Casos recentes que preocupam o caminho da transformação do Brasil pela leitura.
O atraso na execução desses programas e projetos já causa reflexos preocupantes na cadeia produtiva do livro, atingindo não somente editores e livreiros como também autores, tradutores, ilustradores, revisores e a indústria gráfica.
Entretanto, muito mais grave do que esse prejuízo tangível da cadeia produtiva do livro é o prejuízo incalculável e talvez irreparável causado a milhões de crianças e jovens brasileiros, que deixarão de receber livros de literatura em suas escolas, o que representará um grande retrocesso nas conquistas educacionais dos últimos anos e um dano irreversível ao pensamento livre e crítico da nossa população jovem.
Acreditamos que a leitura de livros de literatura, além de prioritária, é também um direito da criança e do jovem.
 
Paraty, 3 de julho de 2015.

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8 dicas para adquirir o hábito de leitura rápida

Por Universia, com base em Shutterstock
A leitura é uma atividade muito importante e que pode trazer grandes benefícios para aqueles que a praticam. Aumento da bagagem cultural, desenvolvimento do senso crítico, da criatividade e ampliação da quantidade de conteúdos aprendidos são alguns deles. No entanto, por causa da rotina acelerada, diversos indivíduos têm interesse pelos livros, mas não têm tempo para desfrutar do hábito.

Mesmo que seja complicado realizar essa atividade no dia a dia, é essencial que as pessoas encontrem formas de conseguir realizá-la devido à importância da prática. Se você está dentro dessas estatísticas e não sabe o que fazer, confira hábitos que podem ajudar a inserir a leitura no seu cotidiano:

1- Tenha mais livros do que você conseguirá ler
Independentemente se você prefere pegar as obras emprestadas com amigos, em bibliotecas ou comprá-las, sempre tenha mais delas do que conseguirá ler. Assim, todas as vezes que lembrar a quantidade de livros que tem para ler, provavelmente será impulsionado a acelerar as leituras, para conseguir entrar em contato com a maior parte delas.

A dica também serve para aqueles que preferem os e-books: faça o download de muitas obras. A grande quantidade armazenada nos seus dados certamente será um motivador para que você leia mais rapidamente.

2- Leia mais de um livro ao mesmo tempo
Além de estimular mais o funcionamento do cérebro ao ler mais de um livro ao mesmo tempo, essa prática é boa, porque você torna-se capaz de se adequar a vários tipos de leitura de uma vez. Algumas obras são mais fáceis de ler durante o dia, já que exigem mais atenção do leitor que precisa fazer análises com base no texto. Outros, como romances, podem ser facilmente lidos durante a noite, já que não exigem tanto. Assim, a pessoa consegue ler mais e ainda contemplar vários tipos pelos quais se interessa.

3- Estabeleça metas de leitura
No momento que começar um novo livro, estabeleça em quanto tempo irá terminá-lo, além da quantidade de páginas que lerá por dia. Assim, você se torna mais organizado e, consequentemente, consegue ler mais obras em um período determinado de tempo.

4- Leia pensando em você

O mais importante do hábito de leitura é que você escolha livros que irão ser benéficos para você. Não se preocupe com o que deveria estar lendo ou o que as pessoas esperariam que você estivesse. Seja honesto com você mesmo e aproveite o momento para desfrutar de obras que realmente o interessem.

5- Leia em dispositivos móveis durante o caminho para o trabalho ou instituição de ensino

O celular é um aparelho que sempre acompanha as pessoas durante a rotina e, por isso, pode ser um bom instrumento de leitura. Caso você não goste de desfrutar os livros por meio de dispositivos digitais, aproveite o tempo para ler textos menores disponíveis na internet. Pela quantidade de conteúdos online, com certeza você encontrará algum que interessará.


6- Analise qual o melhor momento do dia para ler

Cada um precisa analisar quando é o melhor horário para ler e onde prefere fazer a atividade. Preocupe-se em escolher um em que você sinta que consegue absorver a mensagem passada pela obra e que sente prazer em estar lendo. É essencial que o hábito torne-se confortável e até imprescindível na sua rotina.


7- Estabeleça prioridades

Se você quer criar o hábito de ler, precisa estabelecer uma lista de prioridades em que a leitura seja um dos primeiro tópicos. Você precisa se condicionar a prática e não ser corrompido pelas distrações, como a internet ou a televisão. Quando você se dispuser a ler, fique longe desses objetos, para que mantenha o foco somente no texto que escolheu.


8- Faça apostas com pessoas que você gosta

Se você tem amigos que leem muito, por que não realizar apostas com eles para que isso seja um motivador para ampliar seu hábito de leitura? Estabeleçam metas que vocês devem cumprir e escolham um prêmio para o ganhador, como um livro. Aproveite para ter momentos de diversão com pessoas queridas e para se beneficiar das vantagens da leitura.
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